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    Boa gestão pode reduzir abismo entre escolas ricas e pobres, diz especialista

    ADRIANO QUEIROZ
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/08/2015 17h00

    Com a divulgação dos resultados das escolas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), especialistas em educação debatem formas de reduzir a diferença entre o desempenho de alunos ricos e pobres, que pode chegar a 42%.

    Em entrevista à Folha, concedida nesta quarta-feira (5), por telefone, a diretora executiva da ONG "Todos Pela Educação", Priscila Fonseca da Cruz, defendeu a necessidade de uma boa gestão escolar para melhorar as chances de acesso à universidade aos estudantes com baixas condições sociais.

    Para ela, também é necessário estabelecer objetivos educacionais altos para estimular que alunos, professores e gestores escolares melhorem o desempenho do ensino médio.

    Divulgação
    Priscila Cruz, da ONG Todos Pela Educação, avalia que é preciso traçar objetivos educacionais altos
    Priscila Cruz, da ONG Todos Pela Educação, avalia que é preciso traçar objetivos educacionais altos

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    Folha - O aumento no número de escolas públicas entre as mais bem avaliadas do Enem pode ser explicado por quais fatores?

    Priscila Cruz - O Enem se transformou hoje num instrumento tão importante de ascensão social porque a partir dele os alunos das escolas de ensino médio público vão ter a oportunidade de entrar no ensino superior, coisa que, até pouquíssimo tempo atrás, era até inimaginável para um jovem de escola pública. Então, primeiro é preciso celebrar isso, mas depois a gente precisa mergulhar nesses números para entender porque isso está acontecendo.

    Pelo Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica], a gente tem verificado que não tem tido melhoria no ensino médio. Na média, os resultados não estão melhorando no Brasil, pelo contrário, a gente está tendo algumas quedas, como no caso da matemática. A minha hipótese é a de que esses bons alunos de escola pública, porque eles têm hoje a oportunidade de entrar no ensino superior, pelo ProUni ou Fies, estão conseguindo se destacar da média.

    Há relação entre o aumento no número de escolas públicas bem avaliadas e uma eventual queda na qualidade do ensino privado?

    Tem que olhar os números e ver se a média das escolas privadas caiu ou se a média das "top" privadas caiu. Isso pode ter acontecido e demanda um belo de um estudo. Eu acho mais provável que, hoje, porque os alunos da escola pública têm a porta aberta para entrar no ensino superior, isso possa fazer com que toda a escola pública possa melhorar.

    Entre as escolas públicas bem avaliadas no Enem, muitas são escolas técnicas ou militares. Qual o diferencial dessas escolas?

    Essas escolas têm como diferenciais, entre outras coisas, a seleção dos alunos. Eles já passam por uma seleção, quer seja por provas, como no caso das escolas militares, ou seja porque são alunos, uma clientela atendida especificamente por universidades. Então, muitas vezes são filhos de professores universitários, e já tem um fator socioeconômico bem mais alto.

    Todas essas escolas tem um fator socioeconômico bem mais alto do que a média da população brasileira e do que a população que estuda em escola pública. Como a gente sabe que esse fator tem um impacto muito grande no aprendizado dos alunos, isso já explica em boa medida o desempenho deles.

    Algumas das escolas mal avaliadas são vítimas de problemas como a violência urbana. Qual o impacto da criminalidade na educação?

    Esse impacto é muito grande, por várias razões. Isso impacta o clima escolar, que está dentro do capítulo 'gestão da escola'. O que faz uma boa gestão de escola? Trabalhar o clima escolar, a motivação de professores e alunos, fazer com que a escola funcione sem interrupções porque essa violência também promove interrupções, também acaba tendo impacto na falta de professores.

    Os professores se sentem menos motivados, ficam mais estressados, faltam mais. Você tem aí uma série de questões ligadas às crianças dentro das suas famílias. O estresse emocional que esse alunos tem na suas casas ou na sua convivência comunitária também tem impacto na aprendizagem. O fato de a criança não ter segurança em relação à sua vida e em relação às pessoas com quem ela convive em casa.

    O que explica o fato de as piores escolas ricas terem desempenho no Enem semelhante ao das melhores escolas pobres?

    O fator socioeconômico não pode ser olhado como algo determinante, do tipo: o pobre vai aprender menos, o rico vai aprender mais. Não é assim que funciona. O que acontece é o seguinte: o aluno pobre tem mais obstáculos a serem superados para ter o mesmo desempenho de um aluno que não tenha os mesmos problemas a enfrentar.

    Acontece que uma boa política educacional tem mecanismos para neutralizar esses obstáculos dos mais pobres, por exemplo, uma excelente gestão. Você ter os melhores professores, ter equipamentos na escola que compensem a falta de livros ou de acesso à leitura que os alunos tenham em casa. O que acontece nesses casos é o seguinte tem escolas que atendem uma clientela mais pobre que tem uma excelente gestão.

    Como é possível avaliar a questão das diferenças regionais. Nordeste e Norte estão avançando adequadamente, por exemplo?

    Na média, Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm resultados piores que Sul e Sudeste, mas por exemplo, no Ideb do ensino médio, Goiás é o melhor do Brasil. Então, Goiás conseguiu dar um salto. Também tem o caso interessante do Ceará. Ele está melhorando mais que a média do Nordeste. A capital Fortaleza é interessante porque tem uma tradição de mandar alunos para o ITA.

    É interessante que algumas tradições regionais criam uma alta expectativa em relação à aprendizagem. Isso também pressiona as escolas por resultado, faz com que os alunos tenham alta expectativa também, o que faz uma diferença enorme. O Espírito Santo também é um Estado que está tendo uma continuidade de boas políticas educacionais e cresce mais que a média do Sudeste.

    Por outro lado, você pega Porto Alegre, que é uma cidade rica, mas não está tendo resultados expressivos.

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