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    ensino fundamental 2

    Governo esquece o miolo do ensino básico, que tem alunos em 'mutação'

    DHIEGO MAIA
    DE SÃO PAULO

    28/04/2016 02h00

    Espera-se muito da criança que desembarca hoje no ensino fundamental 2. Mas são poucas as condições dadas para que ela tenha êxito nesses anos de formação chamados de "etapa esquecida".

    "O fundamental 2 é invisível, porque o foco do governo é alfabetizar as crianças e fazer o jovem concluir o ensino médio", diz a advogada Priscila Cruz, do Movimento Todos pela Educação.

    Espremidos no limbo do sexto ao nono anos, os próprios alunos estão num período complicado de vida: não são crianças nem jovens.

    O primeiro dos últimos anos da formação fundamental é mais traumático: de uma hora para outra, a criança troca a atenção de um só professor polivante por demandas de vários especialistas.

    "Os pequenos perdem a orientação e têm de dar conta de conhecimentos específicos, que não se conversam. Com agravante: a participação deles no processo é quase nula", diz Antônio Augusto Batista, coordenador do Cenpec (Centro de Pesquisas e Estudos em Educação, Cultura e Ação Comunitária).

    Para saber como essa geração vê sua realidade a reportagem visitou escolas de São Paulo com maior número de matriculados, das redes municipal, estadual e particular.

    "Professores deveriam arranjar um método mais divertido de ensinar", diz Yngrid Bernardo, 11, do sexto ano da municipal Frei Damião.

    "A aula só tem 45 minutos, a maioria enche a lousa e não explica", reclama Karolayne Dantas, 13, do nono ano da municipal Elias Shammass.

    Autocrítica também não falta: "Tem muito aluno que leva tudo na brincadeira. A escola deve ser mais rígida", prega Bianca Flores, 14, que cursa o nono ano no Colégio da PM, privado, na zona leste -onde é proibido pintar o cabelo ou usar piercing.

    Para a educadora Denise Guilherme, que atua na formação de docentes, o professor "deve mostrar à turma qual é o conteúdo e como será dado, e analisar as contribuições dos alunos".

    SÉCULO 18

    O problema, lembra Suzana Torres, especialista na capacitação de professores, é que o sistema reproduz a escola do século 18 em que "um fala e os demais escutam."

    Problemas mais comezinhos não faltam. Na Alarico Silveira, estadual, a reportagem constatou turmas compartilhando livros didáticos.

    "Deveria ter um livro por pessoa", reclama Felipe Ferreira, 14, do oitavo ano. Segundo a coordenadora pedagógica, Maria Selma da Fonseca, a falta de livros já foi resolvida com o empréstimo de outras escolas.

    Segundo a Secretaria de Educação paulista, o governo federal não encaminhou o número suficiente de livros para a unidade. Já o MEC (Ministério da Educação) negou e diz que que enviou os livros solicitados pela escola.

    Também da rede estadual, a escola de ensino integral Ayres de Moura, na zona oeste, reserva uma aula por semana para os alunos desenvolverem suas habilidades.

    Exemplo: Kayuan de França, 11, quer ser estilista. Desde fevereiro no sexto ano, ele montou ali um clube de moda, que se reúne uma vez por semana para estudar o tema.

    No Dante Alighieri, colégio privado, alunos usam lousas digitais e laboratórios e têm aulas de robótica. Para alguns, isso não torna o fundamental 2 mais suave.

    É o caso de Matteo Tiso, 11, do sexto ano, que conta à reportagem sua maior dificuldade: "Não consigo relacionar conceitos na prova. Se aparece uma questão assim, não respondo."

    A coordenadora de orientação educacional do Dante, Elenice Ziziotti, diz que cerca de 8% dos alunos do sexto foram reprovados em 2015 por falta dessa competência.

    "Eles precisam estabelecer relações entre diferentes fontes, gráficos e figuras, dominar um pensamento reflexivo maior. Às vezes, a criança não tem essa maturidade."

    O drama de Davi Abreu, 12, do sexto ano da escola municipal Frei Damião, é se adaptar à nova rotina. "Tem mais tarefa de casa, cada professor passa um trabalho."

    Sim, eles "sempre chegam meio perdidinhos", diz a coordenadora Maria Selma da Fonseca, da Alarico Silveira. Mas, lá, fazem "vivência" para mostrar que a fase escolar, agora, é outra.

    A missão do fundamental 2, na cartilha do MEC, é preparar para a autonomia que será exigida após o ensino médio. O erro, diz a economista Ana Lúcia Lima, do Instituto Paulo Montenegro, é achar que a criança chega pronta para tanto. "Isso é construído e leva tempo."

    A pesquisadora Claudia Davis, da Fundação Carlos Chagas, defende um modelo em que o aluno possa escolher seu caminho. Mas ela mesma acha isso utópico. "No currículo atual nem há articulação entre as áreas. E faltam professores."

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