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    Para driblar greve, professor da USP faz prova e aula pela internet

    ANGELA BOLDRINI
    PAULO SALDAÑA
    DE SÃO PAULO

    23/06/2016 02h00 - Atualizado às 11h17

    Fernando Donasci - 16.jan.2014/Folhapress
    Vista aérea da USP (Universidade de São Paulo)
    Vista aérea da USP (Universidade de São Paulo)

    Professores de unidades da USP com prédios ocupados por alunos grevistas têm apelado para atividades on-line para evitar a perda do semestre e atender quem não aderiu à paralisação. Trabalhos, provas e até aulas completas já foram realizadas pela internet nas últimas semanas.

    Diante das ocupações e da paralisação de servidores, estudantes também têm enfrentado dificuldades para renovação de estágios e para aprovação de intercâmbios.

    Os prédios da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e da ECA (Escola de Comunicação e Artes) estão tomados há mais de um mês por alunos –que alegam seguir decisão de assembleia estudantil.

    Os grupos grevistas exigem, entre outras coisas, implementação do sistema de cotas sociais e raciais, além de apoiarem a paralisação dos professores e servidores técnico-administrativos da USP, decretada pelos respectivos sindicatos no mês passado.

    A universidade tem iniciativas para incluir alunos da rede pública, mas houve queda recente dessas matrículas.

    O professor Helmut Galle já deu quatro aulas on-line para driblar os piquetes. Por e-mail, encaminhou apresentações e arquivos de áudio da disciplina classicismo alemão. O trabalho para avaliação teve de ser entregue por e-mail na quarta passada (15).

    Uma aluna do 5º ano de letras, que pediu anonimato por medo de represália, diz que teve dificuldades. "Na aula, ele dá explicações mais completas. Preferia as reposições."

    Os colegas de classe do aluno Marcus Repa, 26, tiveram que fazer prova on-line de ciência política –algo inédito, diz, em outras greves.

    O professor Brasílio Sallum deixou no Moodle (ambiente virtual de apoio) duas perguntas. Os estudantes tiveram 2h10 para fazer. "Foi um método interessante para caso de greve", disse Repa. "Evita conflito com movimento estudantil, que tem legitimidade para suas ações."

    A prática dividiu alunos. "A minha internet caiu duas vezes, tive ataques de pânico", diz Daniela Uehara, 22.

    BLOQUEIOS

    Além das atividades on-line, a ocupação já levou professores de USP, Unicamp e Unesp a organizarem aulas em locais secretos, provocando conflitos com grevistas, conforme noticiado pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

    O diretor da FFLCH, Sergio Adorno, diz que a greve atual rompeu uma tradição de manter acesso ao prédio administrativo –algo que preservava atividades como a pós-graduação. "[Há um] apelo cada vez mais frequente à violência, como as ocupações e bloqueios de prédios."

    Na ECA, os estudantes fizeram a ocupação do prédio da administração central e piquetes na porta das salas de aula para evitar atividades. Somente a apresentação de trabalhos de conclusão de cursos está sendo liberada.

    Alguns professores sugeriram a prova on-line, mas os alunos recusaram. Em relações públicas e turismo, a data de entrega dos trabalhos pela internet foi mantida.

    A aluna de turismo Tainá Santos, 19, diz que precisou entregar trabalho por e-mail, e professores ainda pediram que trabalhos fossem deixados em seus armários. "Sou a favor da greve, mas é melhor que o professor tenha forma de avaliar. Tem disciplinas no próximo semestre que dependem deste ano."

    O estudante de jornalismo Vitor Matioli, 22, que participa dos piquetes, condena a atitude dos professores. "Temos reivindicações de melhoria para a universidade, os alunos pedem reposições."

    "Esse tipo de atitude fere uma certa ética com os colegas que estão efetivamente empenhados contra o desmonte da universidade", diz o professor Ciro Correia, ex-presidente da Adusp (associação dos docentes).

    TRANSTORNOS

    Estudantes da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e da ECA (Escola de Comunicação e Artes) têm enfrentado dificuldades burocráticas com a interrupção dos serviços administrativos, causada pelas ocupações. Sem documentos ou validações da USP, estágios e intercâmbios ficam comprometidos.

    A aluna de letras Gabriela Passos, 20, precisa de uma assinatura da USP para renovar o contrato de estágio, que vence no dia 6. "Mandei e-mail para a reitoria, Pró-Reitoria de Graduação, direção da FFLCH", diz ela, que teme perder o emprego. "O RH da empresa não aceita outra coisa."

    Na USP desde 2013, passou por três greves. Ela conta que nos anos anteriores os serviços da administração não haviam sido interrompidos.

    As ocupações nos prédios da FFLCH e ECA são comandadas por estudantes. Servidores administrativos estão em greve, mas, como a adesão é variável, os serviços acabavam não sendo totalmente prejudicados.

    A aluna Camille Lohmeyer, 20, também de letras, teve de adiar para 2017 os planos de fazer intercâmbio na Itália. Ela não conseguiu um documento de equivalência curricular. "Sem ele, não consigo a carta de aceitação da universidade e, sem ela, não consigo o visto", afirma.

    Lohmeyer tentou resolver o problema com a CCINT (Comissão de Cooperação Internacional) da FFLCH. "Eles disseram que, como eu vou por conta própria, só a seção de alunos [secretaria de atendimento] pode me dar o papel. Mas o prédio está ocupado", completa.

    Segundo o professor Vladimir Safatle, presidente da CCINT, as atividades da comissão estão ocorrendo apesar da greve, fora dos prédios ocupados. "Nós fizemos uma reunião com todos os estudantes internacionais no começo da greve, e falamos com os professores, que estão cientes do caráter excepcional destes alunos", diz.

    De acordo com ele, a disciplina dedicada aos internacionais continua sendo ministrada, também fora das dependências da FFLCH, e no caso da aluna chinesa, o que ocorreu foi uma falha de comunicação.

    "O que ela precisava era a carta de aceite do professor responsável pelo chinês para a renovação", afirma. "Nem sempre é fácil encontrar o professor no primeiro momento durante greve, mas o prazo de umes não é um absurdo para a resolução de um trâmite burocrático, não só na USP, mas no mundo todo."

    O professor afirma, no entanto, que há preocupação com relação às greves longas. "Ainda não perdemos nenhum convênio, mas estamos em uma situação de tensão com a greve."

    ESTRANGEIROS

    Alunos da USP de outros países também têm tido problemas. No Brasil há dez meses, a chinesa Elisa Chen, 21, precisava de uma assinatura da universidade para a renovação de seu visto. "Depois de um mês, consegui falar com um professor e peguei a assinatura dele", diz. "Não é a mesma coisa, mas disseram na Polícia Federal que vão aceitar."

    Para Maria Cristina Mungioli, presidente da Comissão de Relações Internacionais da ECA, a situação pode afetar a vinda de alunos estrangeiros no segundo semestre. "Algumas universidades ligaram perguntando", diz. "Ainda não sabemos sobre cancelamentos, mas muitas pessoas reavaliam quando a instituição está em greve."

    Mesmo com problemas para revalidar créditos de um intercâmbio feito em 2015, a estudante de artes cênicas A.R., 21, que pediu para não ser identificada, apoia a greve. "Vou ter que refazer as matérias que já cursei, porque todos os meus documentos estão dentro do prédio ocupado", diz. "A greve coloca debates que, infelizmente, não têm espaço no dia a dia da faculdade, como o de cotas."

    Além da exigência de cotas, os estudantes reivindicam ampliação das bolsas de permanência estudantil, vagas na moradia universitária e contratações de professores, entre outras pautas.

    raio-x da usp

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