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    Base Nacional Comum Curricular

    Nova proposta para história corrige falhas, mas ainda é linear demais

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    26/06/2016 02h00

    A nova versão do programa de história da BNCC (Base Nacional Comum Curricular ) segue uma linha muito mais tradicional do que a adotada no primeiro rascunho do documento, que causou polêmica no ano passado.

    Os pais das crianças e adolescentes de hoje não teriam dificuldade para reconhecer mais ou menos os mesmos assuntos em seus livros didáticos de 30 anos atrás –um fato que, aliás, tem implicações positivas e negativas.

    O bafafá literalmente histórico despertado pela primeira versão da BNCC tinha a ver com uma aparente tentativa de reinventar a roda. No currículo original de história, quase não havia referência à Antiguidade (e, em especial, à importância das civilizações grega e romana), à Idade Média, ao Renascimento e ao Iluminismo europeus.

    No lugar desses marcos clássicos da história do Ocidente, optava-se por valorizar as origens não ocidentais de boa parte da população brasileira: os reinos africanos da Idade do Ferro (dos quais vieram os escravos do Brasil colonial e imperial), as diferentes etnias indígenas das Américas e suas civilizações.

    Conforme os estudantes passavam a analisar períodos históricos mais recentes, privilegiava-se a história brasileira e latino-americana (até pouco tempo atrás, a saga de nossos vizinhos quase não era mencionada na escola).

    Base Nacional Comum Curricular

    Nesse caso, a ideia era dar destaque à trajetória de movimentos de resistência popular, tradicionalmente associados à esquerda. Boa parte desse enfoque foi eliminada na versão "2.0" do texto, que agora retorna aos temas tradicionais e à linearidade temporal desde o 6º ano do ensino fundamental.

    Os alunos começam pelo que seria o início da civilização ocidental (a Grécia Antiga) e avançam rumo ao presente, até chegar a temas que os vestibulandos de antigamente classificavam como "atualidades" (questão Israel-Palestina, mundo pós-Guerra Fria etc.).

    Esse parece ser um dos senões da nova proposta: ela é excessivamente linear. Escolheu-se concentrar tudo sobre Antiguidade e Idade Média (uns 3.000 anos de história) no 6º ano, por exemplo -e são temas que não serão retomados no ensino médio.

    Isso pode ter dois efeitos indesejáveis: alguns temas complicados e cruciais (democracia grega, origem do cristianismo, feudalismo) só seriam estudados pela garotada de 11 anos, que teria poucas chances de conhecê-los com mais profundidade; e as relações entre os períodos mais antigos e o mundo contemporâneo não ficam tão claras.

    Como entender a questão palestina atual sem falar da diáspora judaica (criada na época romana) e da expansão do Islã (fenômeno medieval), por exemplo? Recapitular esses temas no ensino médio seria salutar.
    Um problema que não é exclusivo do currículo de história é a relativa falta de "conversa" entre as diferentes áreas do conhecimento.

    Nesse ponto, a nova lista de conteúdos mínimos para história não avança, o que é uma pena, já que têm crescido os esforços de pesquisa que tentam entender melhor as relações entre os processos históricos e elementos de outras ciências naturais.

    Uma vez corrigido o desequilíbrio de atentar apenas à nossa herança indígena e africana, seria desejável que os alunos comparassem as trajetórias das civilizações nos diferentes continentes, em busca de elementos que expliquem por que os europeus acabaram invadindo e conquistando as Américas, e não o contrário, por exemplo (doenças infecciosas e domesticação de animais parecem ter tido muito a ver com isso).

    Entender que esses acidentes não tiveram relação com superioridade intelectual ou racial seria uma maneira instigante de preparar os alunos para os desafios do presente.

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