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    Após greve acirrada, Unicamp enfrenta crise em volta às aulas

    ANGELA PINHO
    DE SÃO PAULO

    11/08/2016 02h00

    Após uma greve que acabou com acusações mútuas, queixas na polícia e processos judiciais, a Unicamp voltou às aulas em crise financeira e com a comunidade acadêmica dividida.

    De janeiro a julho, a universidade gastou com salários mais do que recebe do Estado –101,8%. Passou cinco meses com saldo negativo, fato inédito ao menos desde 2009.

    A situação é reflexo do freio na economia. Enquanto a arrecadação do ICMS, o imposto que sustenta a universidade, caiu, o gasto com salários continuou subindo.

    UNICAMP EM CRISE - % da receita gasta com folha de pagamentos

    O contingenciamento de despesas anunciado pela reitoria foi um dos estopins da greve dos alunos, que começou em maio e só terminou na semana passada.

    Estudantes saíram com vitórias como o anúncio de vagas de moradia e a abertura de uma discussão sobre a instituição de cotas.

    O movimento, porém, considerado o mais acirrado dos últimos anos, deixou sequelas. "A universidade está rachada", diz a professora Hildete Pinheiro, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica.

    Os principais embates se deram entre docentes de cursos de exatas, como computação, física e matemática, que não quiseram aderir à greve, e alunos de cursos das áreas de artes e ciências humanas, que fizeram piquetes.

    Em 2016 - Valores em R$ bilhão

    Para driblar os bloqueios, professores deram aulas em locais secretos, combinaram "escoltas" para vigiar salas de aula e compartilharam documentos na internet para identificar envolvidos nas ações.

    Empurrões e bate bocas foram parar em vídeos nas redes sociais e resultaram em boletins de ocorrência e até ação na Justiça —nesta semana, o professor Serguei Popov, obteve liminar determinando a retirada da internet de comentários ofensivos.

    Ele virou símbolo da ação anti-greve após a disseminação de vídeo em que dá aula enquanto alunos tentam impedi-lo. Um deles, Guilherme Montenegro, 20, aparece apagando a lousa do professor.

    Pelo ato, ele é alvo de sindicância que pode culminar em sua expulsão. Montenegro diz ter agido para impedir que outros alunos fossem prejudicados, já que a assembleia de estudantes do curso havia votado em favor da greve. Ele afirma ser alvo de perseguição política, por ser do DCE (Diretório Central dos Estudantes), e de racismo, por ser negro.

    Um grupo de personalidades e professores de outras universidades, como a USP, divulgou nota contra eventuais punições. "Caso contrário, a universidade deixa de ser polo de elaboração do pensamento, do saber e do conhecimento", diz o texto.

    Em meio ao clima de beligerância, docentes dos dois lados concordam: a radicalização do cenário político nacional chegou à universidade. Enquanto parte dos grevistas é ligada a partidos de esquerda, como PSOL, professores contrários, como o próprio Popov, apoiaram e receberam o apoio de integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre), pró-impeachment.

    "Pela primeira vez vi respingar de forma tão intensa aqui dentro essa dicotomia na sociedade, visível até nos cafés", diz o professor Ricardo Anido, do Instituto de Computação, contrário à greve.

    Situação das outras estaduais - Até jul.2016, em %

    No outro campo político, o diretor da associação dos docentes, Paulo Oliveira, concorda nesse ponto. "Só há perdedores. O processo, na conjuntura atual do país, não permite vencedores", diz.

    Em nota, a Unicamp afirmou que adotou medidas de contingenciamento devido à queda da arrecadação nos últimos dois anos e afirma dispor de reserva para compensar "flutuações" na receita.

    Afirmou ainda que a reitoria compartilha da preocupação com os "excessos cometidos" durante a greve e tomou medidas contra isso.

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