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    Desafio de plano de ensino médio é ter professor qualificado, diz especialista

    PAULO SALDAÑA
    DE SÃO PAULO

    23/09/2016 02h00 - Atualizado às 14h45

    Para Ricardo Henriques, 55, superintendente do Instituto Unibanco, a flexibilização que o novo modelo de ensino médio, apresentado nesta quinta (22), vai abrir é um ponto de partida para que haja clareza para enfrentar outros problemas da educação brasileira.

    Em entrevista à Folha, Henriques ressalta a importância de que os Estados tenham autonomia para implementação. Mas, para ele, o processo não será "trivial" e o sucesso dependerá de atenção na formação de professores.

    Bruno Santos-15.set.2016/Folhapress
    Ricardo Henriques, professor de economia da UFF
    Ricardo Henriques, professor da Faculdade de Economia da UFF

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    Folha - Qual sua avaliação do que foi apresentado?
    Ricardo Henriques - O desenho da proposta parece ir na direção correta, embora não devamos encarar como uma panaceia ou salvação.
    Mas o enunciado para o problema está correto, com uma área comum e áreas vocacionais, o que vai ao encontro do desenho contemporâneo de ensino médio que praticamente o mundo todo compartilha. Outro problema que enfrenta com clareza é a cultura da reprovação.
    Um elemento importante é que não há um modelo pré-moldado para todas as redes. Isso aumenta a probabilidade de cada rede dar um tratamento adequando a partir das suas diferenças.

    Qual a chance de o novo modelo de ensino médio chegar às redes de forma igualitária, com opções de flexibilização amplas para todos?
    O maior desafio será como implementar de forma real e objetiva em cada rede. Há problemas concretos de espacialização: como faz para distribuir flexibilização de trilhas em regiões de baixa densidade demográfica, ou em áreas muito adensadas?
    Pode haver alinhamento entre escolas e especializações diferentes em unidades no mesmo território. A regulamentação passa a ser a chave. Mas não é nada trivial.

    Não há previsão de dinheiro extra da União para essa flexibilização. Essa mudança vai exigir mais investimento?
    O gargalo não parece ser o financiamento, mas o Brasil vai ter que aprender a fazer esse processo e ninguém sabe o orçamento para isso. Para a parte de trilhas acadêmicas, será mais uma questão de redistribuição inteligente dos recursos existentes. E, ao adotar isso em escolas grandes, há vantagens.
    Pode distribuir mais o tempo do professor e melhorar a utilização dos recursos. Obviamente na flexibilidade não acadêmica [de ensino técnico] vai ter custos. Pode ser que o Estado tenha rede de escola técnicas para ampliar, pode fazer parcerias com outros sistemas.

    Quais os desafios de oferecer esse novo modelo de aprofundamento em habilitações?
    Essa orientação terá capacidade de organizar a intensidade do ensino médio. No modelo de hoje, temos uma estrutura onde todo mundo aprende um pouco de tudo, e não aprende nada. O bom do redesenho é que garante um núcleo comum, com conteúdos bem dados daquilo que todos devem saber. Mas ter aprofundamento da área de linguagens ou ciência da natureza, por exemplo, vai implicar em uma conversa sobre a formação das licenciaturas. Já é um desafio ter professores especializados e, com essa estrutura, teremos que revisitar a formação inicial docente. Além das formações continuadas para quem está em serviço.

    Reforma do ensino médio

    Qual o papel da Base Nacional Comum nesse processo?
    Sem a base, a arquitetura não funciona. Tem que estar tudo muito claro [as competências esperadas]. Mas agora aumenta o foco no ofício do professor. Associar conteúdo com boas práticas de ensino passa a ser mais fundamental, porque sai da ideia do conhecimento genérico.

    Se os alunos têm dificuldades em matemática, quem vai escolher se aprofundar na disciplina? Essa abertura não pode intensificar o problema?
    Isso tem que ser construído ao longo do tempo e vai bater nos professores. O trabalho pedagógico na sala, os coordenadores, vão ter que se posicionar acerca do valor dos conteúdos. A matemática tem que sair da figura de hoje, de letrinhas, números e equações, e caminhar para o entendimento do que ela é e significa.

    Mas isso já não deveria ocorrer hoje?
    Não acontece porque hoje se aprende um pouquinho de um montão de coisa. O novo modelo vai ajudar isso. É muito mais importante dominar alguns conhecimentos básicos muito bem e depois se aprofundar, ao invés de ter uma camadinha superficial sobre tudo. Mas o desafio recai também sobre a implementação. Como mobilizar esse mundo possível para motivar os próprios professores?

    Há críticas de que a flexibilização não vai resolver o ensino médio com a manutenção de problemas estruturais, como infraestrutura das escolas, lotação de salas. Como ela se relaciona com esse contexto?
    É obvio que o desafio é a harmonia em todas as organizações. A ideia de querer resolver tudo antes não faz sentido, mas resolver o problema de identidade da etapa é pré-condição para outras mudanças. Certamente, na medida em que isso começa a ser implementado, abre para que novos desafios sejam enfrentados de forma clara.

    As escolas particulares também deverão seguir a nova norma. O que esperar?
    Acredito que não haverá tendência de aumentar o abismo, ao contrário. A tendência é reduzir as desigualdades aumentando a capacidade de permanência de conjunto maior de jovens.

    Raio-x do ensino médio

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    RAIO-X

    Nome Ricardo Henriques

    Idade 55

    Carreira Economista, é superintendente do Instituto Unibanco. Já comandou a secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC e foi secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Social

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