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    Governo já prepara plano para ensino fundamental, diz ministro

    MARIA CRISTINA FRIAS
    COLUNISTA DA FOLHA
    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    11/10/2016 02h00

    O governo Temer espera que a reforma do ensino médio seja aprovada no Congresso ainda neste ano. Encerradas as eleições municipais, lançará um plano também para o ensino fundamental, afirma o ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho.

    Ele afirma que o teto dos gastos públicos não afeta as atividades do MEC. "O que pode tirar dinheiro da educação é permanecer com o país como está, quebrado."

    O ministro vê excesso de programas federais, mas não quis citar quais serão interrompidos: "Prefiro falar dos que serão continuados."

    Entre eles, segundo Mendonça Filho, estão Pronatec (ensino profissionalizante) e Fies (financiamento estudantil) -ambos serão ampliados em 2017, disse o ministro.

    Por outro lado, o intercâmbio de graduandos no Ciências sem Fronteira está na mira: "É inconsistente do ponto de vista técnico".

    Pedro Ladeira - 24.mai.2016/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 24-05-2016, 15h00: Cerimônia de posse do novo ministro da cultura Marcelo Calero. O presidente interino Michel Temer, ao lado dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Mendonça Filho (Educação) e do ex presidente Jose Sarney, deu posse à Calero após recriar o ministério da cultura, após forte pressão da classe artística por conta do corte do MinC. No palácio do planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
    O ministro da Educação, Mendonça Filho, durante posso do ministro da Cultura Marcelo Calero, em maio

    *

    Folha - Qual a sua expectativa para a aprovação e a implantação da reforma do ensino médio?
    Mendonça Filho - A expectativa é aprovar a estrutura legal –a medida provisória– até o final deste ano.

    E quando entraria em vigor?
    De forma gradual, porque consagra princípios muito importantes, como a maior flexibilização do currículo, para que o jovem defina suas prioridades do ponto de vista de conteúdo, e uma base comum curricular que deverá ser seguida por todas as redes, públicas e particulares.

    Como compatibilizar o currículo flexível com o vestibular, que cobra um leque maior de disciplinas?
    De acordo com a legislação que está no Congresso, teremos a tarefa de firmar uma nova base curricular comum até meados do próximo ano. Ela vai expressar nos componentes do Enem o que deve ser aprendido pelos estudantes que rumam para a universidade, enfatizando áreas a que o aluno queira se dedicar, como humanidades, ciências da natureza ou exatas, mais especificamente matemática.

    Então o Enem e os vestibulares também vão mudar? Não há o risco de que, sem mudar, aumente a desigualdade entre os alunos de escolas particulares e públicas?
    Desigual é o sistema atual.

    Eu digo aumentar a desigualdade.
    Não creio. O quadro que recebemos é muito grave, desde 2011 as metas não são atingidas. Temos uma juventude que no final da década de 1990 tinha mais compreensão de português e matemática que hoje.
    A reforma apresenta um novo caminho, sintoniza o Brasil com o que é feito no mundo todo.
    Vamos ofertar um currículo comum e a possibilidade de caminhos formativos de acordo com a vontade do aluno e a oferta das redes estaduais, tendo como base o protagonismo do jovem.
    Para mim, claramente, isso vai significar maior equilíbrio, mais equidade, principalmente do estudante da rede pública, que se vê excluído do mercado de trabalho pela baixa qualidade do ensino médio no Brasil.

    O plano não vai esbarrar na falta de professores para as disciplinas optativas?
    Claramente, o modelo atual com 13 disciplinas obrigatórias é o que enseja a não oferta de professores. Quando há mais flexibilidade você cria áreas de disciplinas que podem ser lecionadas com maior facilidade nas redes estaduais de todo o país. E será sempre prioridade do MEC melhorar a formação de professores, em cooperação do governo federal com os governos estaduais e municipais.

    A reforma vai ser implantada gradativamente, mas quem já está no ensino médio agora será afetado?
    Até meados do próximo ano, teremos a discussão da base nacional curricular, e só depois a implantação, a partir de 2018.

    Começa pelos alunos do primeiro ano?
    Sim.

    E quem estiver no terceiro ano?
    Haverá uma gradação para que não atrapalhe quem está concluindo o ensino médio dentro do modelo tradicional. E nada muda para o Enem deste ano. Não há pressa para uma mudança radical para este Enem. Tudo se dará a partir de 2017 e 2018.

    O Congresso discute nesta segunda (10) o teto para gastos públicos. Uma das propostas da reforma do ensino médio é aumentar muito a porcentagem de escolas com ensino integral, o que vai requerer mais investimento. Como conciliar as duas coisas?
    A lógica da gestão hoje do MEC é menos dispersão, menos pulverização de projetos que geram desperdício de recursos públicos. Vamos focar em objetivos centrais, eliminando recursos que estavam consumidos no custeio da máquina pública. E há experiências vitoriosas. Em Pernambuco, a partir de 2003 e 2004, foram cinco governadores apoiando esse modelo, e hoje o Estado tem uma das maiores redes do Brasil, com 40% dos estudantes em período integral, o que tirou Pernambuco da 22ª posição do ranking do Ideb para a primeira posição.

    Mas precisou de mais investimento.
    De mais racionalização. Porque você gera economia até na própria na implantação do ensino em tempo integral. No modelo pernambucano, de cada 100 alunos que começam o primeiro ano em tempo integral, 95 concluem os três anos. No modelo tradicional, são só 50%, há um enorme volume de recursos públicos desperdiçados por causa da ineficiência e da má qualidade da educação pública tradicional. É algo como R$ 2,5 bilhões desperdiçados no país.
    E a PEC que estabelece o teto não afeta diretamente a educação, que continua obedecendo a regra constitucional de investir 18% da receita tributária. Vamos permanecer com pelo menos isso. O que pode tirar dinheiro da educação e da saúde é permanecer com um país como está hoje, quebrado. Com a recessão, cai a arrecadação e isso compromete os investimentos.

    Raio-x do ensino médio

    Por que experiências exitosas como as do Ceará e de Pernambuco são pouco disseminadas no Brasil?
    O modelo federativo é muito engessado, há muito pouca autonomia e pouco estímulo à criatividade de Estados e municípios. Mais autonomia e flexibilidade na definição e no comando das redes estaduais ajudarão a alcançar melhores resultados.

    O senhor disse que o ministério tem programas em excesso e que irá focar nos principais. Quais serão descontinuados?
    Eu prefiro falar dos que serão continuados.

    O Pronatec será continuado?
    Vai. Será ampliado no próximo ano.

    O acordo com o sistema S será firmado?
    Vai.
    Mas herdamos um ministério sem orçamento para vagas adicionais neste ano. Vamos retomar programas relevantes, como Pronatec, Fies, Prouni.

    Como fica o Fies?
    Neste segundo semestre ofertamos 75 mil novos contratos e no ano que vem pretendemos ampliar.

    Em quanto?
    Não posso fixar agora, mas será mais que os contratos celebrados neste ano.

    Mas vão mudar regras de acesso, condições de financiamento?
    Há muito espaço para discussão e levaremos sempre em consideração a prioridade dos mais pobres, uma amplitude maior de cursos e saúde financeira no longo prazo. Deve haver aprimoramento, nunca inviabilização.

    O governo vai voltar a ampliar o número de cursos?
    O problema é que determinados cursos consomem mais recursos. Para financiar um aluno de medicina, a mensalidade chega a R$ 7.000, R$ 8.000, que é o valor de dez mensalidades de outros cursos. É preciso repensar isso. Não que o Fies não possa apoiar um estudante pobre que queira estudar medicina, mas é preciso levar em consideração qual o peso de determinado curso frente a outras prioridades, como a formação de professores.

    Que avaliação o senhor faz do Ciências sem Fronteira?
    É preciso dividi-lo em dois campos. O financiamento de cursos de pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado é bem-vindo e necessário. Mas o intercâmbio de graduação é absolutamente inconsistente do ponto de vista técnico.

    Por quê?
    Na última versão, em 2015, ele contemplou 35 mil alunos, muitos dos quais foram para o exterior sem dominar o inglês. Além disso, as disciplinas que cursaram não eram incorporadas na grade curricular quando eles voltaram. E o custo total do programa foi de R$ 3,7 bilhões, muitas vezes para um estudante de classe média, que tem outra condição. Equivale a tudo o que o MEC investe em merenda escolar para 39 milhões de alunos.
    Nos últimos anos o governo federal elevou em R$ 30 bilhões o gasto no ensino superior e apenas R$ 10 bilhões no ensino básico.

    O governo brasileiro gasta quase o triplo por aluno de curso superior, em relação ao que aplica por aluno na educação básica. Como equilibrar a balança? O senhor é a favor de que alunos que têm condições paguem o ensino superior público?
    Em Pernambuco, a universidade estadual cobrava dos alunos, e eu instituí a gratuidade para estudantes de escolas públicas. Acho que não é o momento de discutir isso. O Brasil tem outras polêmicas e outras prioridades, para que a gente vá discutir um assunto tão difícil.
    A prioridade é fortalecer a rede de ensino superior federal, equilibrando o custeio e retomando obras, e criar outras formas de acesso à educação superior via Fies e via Prouni. Mas é preciso investir mais na educação básica, que está muito distante do que existe em outros países.

    No ritmo em que o Brasil está hoje, não vai cumprir as metas estabelecidas para as notas do Ideb em 2021, nem no ensino fundamental 2 nem no ensino médio. No ensino médio, o governo já está mexendo. Para o ensino fundamental há algum plano?
    Há, sim. Começamos pelo ensino médio porque há um calendário eleitoral nos municípios neste ano, e não seria possível misturar com mudanças nas redes municipais. Vamos apresentar um programa de reforço, apoio e colaboração com os municípios. Tão logo se encerre o processo eleitoral, antes do final do ano, lançaremos um programa dirigido a alfabetização e educação infantil.

    Como vai ser na prática?
    Prefiro não antecipar. É preciso discutir, temos linhas básicas demarcadas, mas vamos debater com a Undime [União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação], com ênfase para os municípios de pior desempenho no Ideb. Precisamos diminuir a desigualdade entre as redes municipais, mas sempre de forma negociada e cooperativa.

    Sabe-se que numa escola o principal são os professores e os diretores? Como o MEC pode fortalecer esses profissionais?
    Redesenhar a formação de professores, para ensiná-los a ensinar. Sempre de forma cooperativa, mas envolvendo os principais atores que contratam e lideram os professores. O governo federal pode atuar com o Fies e o Prouni para estimular bons alunos a abraçarem a carreira de professores.

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