Horas antes de o MEC (Ministério da Educação) divulgar documento que subtrai as expressões "identidade de gênero" e "orientação sexual" da base nacional curricular, o presidente Michel Temer recebeu deputados da Frente Parlamentar Evangélica no Palácio do Planalto.
O grupo tinha uma meta: convencer Temer do quão "absurda" era "a pedagogia que busca impor uma teoria com base sociológica que desconsidera a realidade biológica das crianças e adolescentes".
É o que diz ofício entregue ao presidente no dia, assinado pelos presidentes das frentes evangélica e da família, os pastores Hidezaku Takayama (PSC-PR) e Alan Rick (PRB-AC), mais o vice-presidente da bancada católica, deputado Flavinho (PSB-SP).
Eles também enviaram documentos para manifestar aversão ao aborto, à legalização das drogas e a uma resolução que combate a discriminação contra a comunidade LGBTQ, obrigando escolas a deixar "que a pessoa use o banheiro que desejar", como a transexual que vai ao toalete feminino ("isso é um atentado violento ao pudor e a moral, no qual teremos homens e mulheres dividindo espaços íntimos e que deveriam ser protegidos daqueles que não compartilham da mesma anatomia").
Como a Folha reportou nesta quinta (6), o MEC alterou sem alarde o texto da nova versão do documento que define o que os alunos devem aprender da creche ao ensino médio, uma bússola para redes e escolas produzirem seus currículos. A pasta retirou a referência inicial à necessidade de respeito a "identidade de gênero" e "orientação sexual", que apareciam em versão prévia do projeto apresentada a jornalistas na terça (4).
Em nota, o MEC afirmou que o texto "passou por ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias". Segundo a pasta, o texto encaminhado a membros do Conselho Nacional de Educação na quarta-feira (5) já contém os ajustes.
Quatro deputados presentes na excursão evangélica ao Planalto contaram que Temer disse concordar com suas posições avessas ao tema e também ao aborto e à legalização das drogas. O presidente também ressaltou, segundo eles, que aquelas eram posições pessoais, não a voz do Executivo, até porque os outros dois Poderes (Legislativo e Judiciário) precisam manter sua independência.
Ed Ferreira - 10.jun.2015/Folhapress | ||
Protesto da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, em sessão de junho de 2015 |
A Folha apurou que deputados da frente tiveram ao menos dois encontros prévios para discutir o assunto com o ministro da Educação, Mendonça Filho. A agenda não teria sido divulgada para "não criar alarde", diz um deles, que pediu anonimato. O ministro teria mostrado "sensibilidade" à demanda dos religiosos.
Ligado à Igreja Batista acriana, Alan Rick diz se sentir vitorioso com o "apagão" ideológico. "Defendo os princípios que a sociedade me cobra. Os pais não querem ver seus filhos doutrinados. Falam pra mim: 'Deputado, meu filho vai à escola para aprender matemática, português, não para ser ensinado que ele pode ter vários gêneros'. Falam que existe mais de cem gêneros. Isso é uma loucura!"
Também presente na reunião com Temer, o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) afirma que, agora, "os pais poderão descansar, pois o Estado não vai interferir na educação de seus filhos".
DIREITOS HUMANOS
Representantes dos direitos humanos discordam da Frente Parlamentar Evangélica. Segundo Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, garantir questões gênero e sexualidade nos planos e políticas públicas já é recomendação da ONU ao Brasil desde 2015.
De acordo com ela, a inclusão desses temas nos parâmetros curriculares nacionais foi, inclusive, assunto nesta sexta (7) de evento da entidade na Suíça para avaliar violações de direitos humanos.
"Ao longo da semana me reuni com diferentes diplomatas e representantes de organismos internacionais que custavam acreditar que o Brasil sofreu, desde 2014, a retirada da palavra gênero dos planos municipais e estaduais de educação", afirma.
"O que não imaginariam é que, na contramão dos debates de direitos humanos nos órgãos máximos aqui em Genebra nesta semana, o MEC retiraria essas questões fundamentais da base."
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A base é composta por...*
...4 áreas do conhecimento:
> Matemática
> Ciências da natureza: ciências
> Linguagens: língua portuguesa, arte, educação física e língua inglesa
> Ciências humanas: geografia e história
...e as principais mudanças ocorreram em:
Alfabetização
Como é: Plano Nacional da Educação prevê aluno alfabetizado até o 3º ano
Como fica: Alfabetização será antecipada para o 2º ano, aos 7 anos de idade
Ensino religioso
Como é: Constituição de 1988 define que o tema é facultativo nas escolas
Como fica: Foi retirado do texto; caberá aos Estados, municípios e escolas privadas decidir
Estatística e probabilidade
Como é: Não apareciam nos documentos prévios da base
Como fica: Serão ensinadas a partir do 1º ano do fundamental
Exemplos de mudança com a base curricular
*Considera apenas os ensinos infantil e fundamental; a base do ensino médio foi adiada
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