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    Fuvest

    Sucesso de jovem boa aluna muda a trajetória de família pobre em SP

    PAULO SALDAÑA
    DE SÃO PAULO

    11/06/2017 02h00

    Keiny Andrade/Folhapress
    Sao Paulo - 17.05.2017 - Educacao Transformadora - Retrato da estudante Jessica Andreotti (em pé) com a familia, o pai Luis, a irma Jenifer e a mae Vanessa. Depois que a Jessica ganhou uma bolsa em escola particular, inspirou toda a família. Ela chegou à USP, a mae voltou a estudar, deixou de ser faxineira e virou professora. A irma mais nova, Jenifer, está se preparando pra entrar na faculdade e o pai também planeja voltar pra faculdade. Foto: KEINY ANDRADE/FOLHAPRESS
    Retrato da estudante Jessica Andreotti (em pé) com a família, o pai Luis, a irmã Jenifer e a mãe Vanessa

    Uma história marcada pela pobreza e falta de oportunidades, mas transformada pela educação. É assim que a professora Vanessa Andreotti, 37, resume a vida de sua família. As filhas e o marido também pensam parecido.

    Na família Andreotti, a ordem das coisas foi um pouco diferente do que se espera como ideal. Foi o exemplo da filha Jéssica na escola, ainda no ensino fundamental, a inspiração para que a mãe voltasse aos estudos, quando ela ainda era faxineira.

    E isso impactou todos.

    A mãe se tornou professora, fez pós-graduação e começou um segundo curso na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Jéssica chegou à USP. A irmã mais nova, Jennifer, estuda na concorrida escola Juarez Wanderley, financiada pela Embraer. Prepara-se para a Fuvest.

    O pai, Luiz, 54, também resgatou o sonho de estudar.

    "A educação mudou a trajetória da nossa família", diz ele, que pretende começar a estudar arqueologia ou história ainda neste ano.

    A relação entre pobreza e sucesso escolar ainda é forte no país. O nível de escolaridade das mães aparece nas estatísticas como um dos fatores mais relevantes.

    Natural de São José dos Campos, no interior de São Paulo, Vanessa saiu de casa aos 13 anos, fugindo de um ambiente familiar violento. Conheceu Luiz nessa época, ele já com 30 anos.

    Luiz era usuário de drogas e estava havia tempos envolvido com tráfico e roubos. A notícia da gravidez, quando Vanessa tinha 16 anos, fez ele deixar o crime e passar a trabalhar como chapa (profissional que auxilia no descarregamento de caminhões).

    Vanessa, já fora da escola, fazia faxina e artesanato, passava roupas, cuidava de crianças, entre outras coisas.

    Enquanto Jéssica crescia, Vanessa tentou voltar à sala de aula. Em 1999, ao engravidar de novo, de Jennifer, largou os estudos novamente.

    Com as filhas pequenas, conseguiu terminar o ensino médio de modo improvisado. Mas a guinada na vida da família ocorreu em 2009, quando Jéssica, aos 12 anos, ganhou uma bolsa de estudos.

    Boa aluna, ela foi selecionada pelo programa Ismart (instituto que identifica jovens talentos de baixa renda e lhes concede bolsas em escolas particulares).

    "Era a primeira oportunidade que tínhamos. Sentava com ela para estudar, mas eu mesma não sabia nada", diz a mãe. Jéssica foi quem deu a ideia para ela fazer o Enem e tentar o ensino superior.

    Em um computador emprestado, e com ajuda de amigos para usá-lo, fez a inscrição. Com a nota, conseguiu uma bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos, do governo federal).

    Decidiu cursar pedagogia. "Via os educadores e queria também fazer a diferença. Quero que meus alunos se libertem como me libertei."

    Mesmo na faculdade, e durante o primeiro estágio, continuava a trabalhar como diarista. "Eu me informava pelos jornais e revistas que sobravam nas casas onde eu trabalhava. O lixo dos patrões era meu objeto de estudo."

    O esforço era desacreditado até pelos mais próximos, conta Vanessa. "Uma amiga disse que eu tinha que sonhar com o que tinha em mãos, e o que eu tinha em mãos era meu emprego de doméstica. Foi como se ela me jogasse uma pedra, mas serviu para eu construir meu caminho."

    Quando a mãe iniciava a carreira como docente, Jéssica passou em cinco universidades públicas. Escolheu matemática na USP e, em 2014, foi sozinha para São Paulo.

    "Quando entrava na USP as primeiras vezes, via na tampa dos bueiros a palavra USP e já ficava impressionada de estar ali. Chorava sozinha, pensando 'olha onde eu estou'", diz ela, aos 21.

    No 4º ano do curso, é estagiária no Itaú e junta dinheiro para um intercâmbio. "Minha mãe foi de empregada doméstica a professora, tenho muito orgulho disso."

    Aos 17 anos, Jennifer diz se espelhar na irmã. Estuda praticamente o dia todo para também chegar à USP.

    Quer ingressar em Ciências Sociais. Já envolvida em coletivos feministas, a aluna do 3º ano do ensino médio planeja trabalhar com política e não descarta disputar eleições. "A educação abriu nossa cabeça. Eu brinco com meu pai que quero ser presidente do Brasil", diz.

    Jennifer mora hoje com a avó em São José, mas espera se juntar à família em breve.

    Há três meses, Vanessa e Luiz também se mudaram para São Paulo. A mãe ingressou como concursada na rede municipal de São Paulo, e a família alugou um apartamento na zona sul. "Temos uma vida muito diferente agora. Mas o melhor é que o conhecimento ninguém pode tirar da gente", diz a mãe.

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