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    educação a distância

    Luciano Cabral da Silva, 42

    Com educação a distância, detento descobre vocação para professor

    Depoimento a (...)
    CAROLINA MUNIZ
    DE SÃO PAULO

    27/07/2017 02h00

    Joel Silva/Folhapress
    Luciano Cabral da Silva, 42, preso da penitenciária 1 de Serra Azul, perto de Ribeirão Preto (SP)
    Luciano Cabral da Silva, 42, preso da penitenciária 1 de Serra Azul, perto de Ribeirão Preto (SP)

    Foi atrás das grades que Luciano Cabral da Silva, 42, descobriu sua vocação: a pedagogia. Condenado por assalto à mão armada, ele é um dos três detentos que fazem faculdade a distância dentro da penitenciária 1 de Serra Azul, na região metropolitana de Ribeirão Preto (SP).

    Desde 2010, o presídio, com 1.875 detentos, tem convênio com o centro universitário Claretiano. Das 168 unidades prisionais do Estado de São Paulo, 3 têm projetos de ensino superior a distância –apenas masculinas. Hoje, cinco presos são atendidos.

    *

    Fui preso pela primeira vez em 1994 na cidade de Cravinhos (292 km de SP), onde nasci. Cumpri três anos por tráfico de drogas, e, quando saí, minha mente ainda era a mesma. O crime tinha se tornado a minha vida.

    Passei pela prisão outras duas vezes, por tentativa de furto e, de novo, tráfico. Mas o ano mais crítico para mim foi 2007, quando pratiquei vários roubos para sustentar o meu vício em cocaína e crack.

    Fui preso de novo, abracei a fé em Deus e consegui me livrar das drogas. Dois anos depois, deixei o presídio disposto a mudar de vida. O problema é que as condenações pelo que eu tinha feito não pararam de chegar.

    Faz quatro anos e cinco meses que estou na penitenciária 1 de Serra Azul. Minha pena total é de 53 anos.

    Logo que vim para cá, já procurei trabalho. Depois de passar pelo açougue e pela fábrica de sacolas de papel, consegui uma vaga na faxina da escola do presídio. Quando sobrava tempo, aproveitava para ler na biblioteca.

    Só tinha feito até a sétima série. Os estudos eram um assunto encerrado na minha vida. Mas o ambiente escolar despertou em mim a vontade de aprender mais.

    Descobri que, dentro da penitenciária, podia fazer provas para concluir o ensino fundamental e o médio –o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos) e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

    Estudei com os livros didáticos da biblioteca e, em 2014, consegui ser aprovado nas duas provas. Então, surgiu uma vaga de monitor na escola e, junto com isso, a oportunidade de participar do projeto da faculdade a distância, que funciona aqui dentro da unidade, em parceria com o centro universitário Claretiano.

    O curso que me ofereceram foi o de pedagogia. Decidi aceitar, mesmo sem saber direito do que era. Nunca tinha pensado em fazer faculdade, nem sabia o que escolher.

    Mas, aos poucos, fui me identificando. Hoje, fico tão envolvido com as matérias que às vezes até esqueço que estou preso. É como se estivesse debaixo d'água e conseguisse dar uma saidinha para respirar.

    A sala em que eu e outros dois colegas fazemos EaD tem três computadores. A gente tem acesso só à plataforma da universidade. Por mensagens, consigo tirar as minhas dúvidas com o tutor da faculdade, que vem até aqui aplicar as provas uma vez por semestre.

    Recebemos uma bolsa de 50% de desconto na mensalidade. O resto é pago com o meu salário de monitor.

    De segunda a quinta, dou um curso que trabalha o desenvolvimento pessoal, profissional e social dos detentos. A ideia é que eles tenham novos comportamentos para que não sejam mais excluídos pela sociedade.

    O que eu aprendo na faculdade, coloco em prática na sala de aula. Até agora já consegui melhorar muito a minha didática.

    Assim que sair daqui, quero dar palestras em casas de recuperação, igrejas e escolas sobre o perigo das drogas e a força da educação. Quando estava no mundo do crime, não enxergava outra alternativa. Hoje, me vejo capaz de fazer algo útil para as outras pessoas.

    Eu nasci para ser pedagogo, só não sabia disso.

    dias melhores

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