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    Pais se mobilizam contra reajustes, negociam e até processam escolas

    MARINA ESTARQUE
    DE SÃO PAULO

    16/11/2017 02h00

    Final de ano costumava ser uma época de ansiedade para Cécile Taquoi, 46. A francesa, casada com um brasileiro e mãe de três filhos, temia o reajuste da mensalidade escolar, anunciado em dezembro. "A gente entrava em pânico nesse período. Nos últimos cinco anos, o colégio teve um aumento acumulado de 80%", diz a consultora.

    O susto com os reajustes é comum entre pais de alunos de escolas particulares. Muitas famílias cortam gastos em casa para poder pagar o novo valor ou mudam os filhos para colégios mais baratos. Mas há também os que se mobilizam, fazem abaixo-assinados, formam comissões e até processam a escola.

    Cécile passou por quase todas essas etapas. Presidente da associação de pais de alunos do Lycée Molière, escola bilíngue no Rio de Janeiro, ela e outras 40 famílias entraram na Justiça contra o colégio, em fevereiro.

    Segundo ela, após anos de aumentos acima da inflação, o reajuste para 2017 foi a gota d'água. "A crise afetou muitos pais, estava difícil para todo mundo. E o aumento chegou a 18%", diz Cécile. Apesar de não haver um teto para o reajuste, a lei federal 9.870 determina que o aumento precisa ser "proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio", comprovado por planilha.

    Para 2018, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo estimou um aumento de 4% a 8%, mas as escolas não são obrigadas a seguir esse valor. "Qualquer reajuste acima da inflação deve ser muito bem justificado. Sem isso, pode ser considerado abusivo", diz Igor Marchetti, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

    Assim, quando foi anunciado o valor para 2017, Cécile pediu uma reunião com a diretoria. "A gente queria abrir um diálogo, mas era impossível. A falta de transparência era um problema antigo." Sem resposta, os pais se organizaram em grupos de e-mail, Facebook e WhatsApp. Uma das listas no aplicativo de telefone chegou a ter mais de cem pessoas. Fizeram também um abaixo-assinado, que reuniu 350 assinaturas.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Cécile Taquoi, 46, que foi à Justiça contra o valor do reajuste na escola dos filhos, no Rio
    Cécile Taquoi, 46, que foi à Justiça contra o valor do reajuste na escola dos filhos, no Rio

    No início do ano, decidiram não pagar a matrícula e as primeiras mensalidades (de cerca de R$ 2.300). Por lei, alunos inadimplentes não podem ser impedidos de frequentar as aulas. Ao mesmo tempo, os pais entraram com uma ação coletiva na Justiça. O objetivo do processo era forçar a escola a abrir sua contabilidade, não necessariamente alterar o reajuste.

    A pressão deu certo. O antigo presidente do conselho renunciou, e a nova direção assumiu com um discurso diferente. Em maio, a escola e os pais fizeram um acordo, e o processo foi extinto. O grupo se comprometeu a pagar o valor devido pelas mensalidades, sem juros ou multa. Procurada, a escola não quis se manifestar sobre o caso.

    Cécile diz que, após a pressão e o acordo, a relação com a diretoria mudou totalmente. Os pais sugeriram alterações no orçamento, e o reajuste para 2018 será de 3%. "Parece outra escola. A mobilização das famílias foi linda."

    Em São Paulo, pais do Colégio Miguel de Cervantes, no Morumbi (zona oeste), também contestaram o reajuste. Antes do anúncio do valor para 2018, eles se organizaram: fizeram um abaixo-assinado, com mais de 400 assinaturas, e um grupo de WhatsApp com cerca de 200 integrantes. Também criaram uma comissão para negociar com a escola.

    Desde 2015, os aumentos para o ensino fundamental foram de 9,75%, 11% e 10%. Após vários e-mails dos pais e uma reunião da comissão com a diretoria, o colégio anunciou um reajuste de 4% para 2018 -a mensalidade média passa dos R$ 3.000.

    Por meio de nota, o Miguel de Cervantes afirmou que é uma entidade sem fins lucrativos e considera positiva a mobilização dos pais, pois "reforça a parceria família-escola". O colégio disse que levou em consideração o reajuste de professores e funcionários, despesas e a inflação para compor o aumento. A comissão de pais não quis falar com a reportagem.

    Presidente do sindicato paulista de escolas particulares, Benjamin Ribeiro da Silva afirma que a valorização do professor é necessária, mas costuma pesar nos reajustes. "O professor ainda ganha muito mal, mas ele é remunerado conforme o que a sociedade consegue pagar."

    Já o sindicato que representa os professores de escolas particulares da cidade de São Paulo afirma que o aumento real da categoria tem sido de no máximo 1% nos últimos anos. "Então não é verdade que se justifica o reajuste das mensalidades com o aumento dos professores. Isso é um absurdo", diz o secretário-geral do sindicato, Walter Alves.

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    AÇÕES INDIVIDUAIS

    A jornalista Daniele Zebini, 37, também se juntou a outros pais para tentar reverter o reajuste da Escola Gaivota, em Moema, na zona sul.

    O colégio fechou uma parceria para 2018 com uma empresa terceirizada, de cursos de inglês, o que teria motivado um aumento de 18%, segundo Daniele. Os pais fizeram um abaixo-assinado, de 51 assinaturas, pedindo que o novo serviço fosse opcional.

    "A escola não concordou, e eu acionei o Procon. Mas os outros pais pularam fora, e eu fiquei sozinha. A reclamação perdeu força", disse. Na audiência de conciliação no Procon, não houve acordo. "Os pais ficam com medo de retaliações. É complicado bater de frente, porque fica um climão. Precisei tirar meu filho da escola", diz Daniele. Procurada, a Gaivota afirmou que o aumento foi de 16% e legal. "O inconformismo da mãe relacionada detinha cunho totalmente subjetivo e infundado", disse, em nota.

    Daniele poderia ter entrado na Justiça, mas considerou arriscado. Especialistas desaconselham os pais a processar a escola individualmente, porque a ação pode ser desgastante e pouco eficiente. Segundo a lei das mensalidades, ações na Justiça comum propostas por associações de pais precisam ter o apoio de pelo menos 20% dos responsáveis.

    Com isso, alguns especialistas entendem que só é possível entrar na Justiça comum de forma coletiva. Outros acreditam que um pai sozinho pode processar a escola, mas o risco é alto. Por isso, recomendam buscar os juizados de pequenas causas, que não demandam advogado para ações de até 20 salários mínimos.

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    "Há um instrumento legal dizendo que ações são coletivas, então é mais fácil seguir isso", afirma a coordenadora do Procon-SP, Renata Reis. No juizado de pequenas causas, a ação também pode ser extinta caso precise de perícia contábil. "Eu nunca vi um processo individual assim prosperar", diz Luis Claudio Megiorin, da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF e da Comissão de Educação da OAB-DF.

    Individual ou coletiva, a ação judicial deve ser sempre a última opção dos pais, alertam os especialistas. "A primeira atitude deve ser procurar a escola para dialogar", afirma a advogada Livia Coelho, da Proteste (associação de defesa do consumidor).

    A negociação coletiva e extrajudicial é a melhor solução, diz Megiorin. "O grupo diminui a exposição pessoal do pai, que fica com medo de represálias", explica. "Os pais precisam se unir. Eles não sabem a força que têm."

    *

    NÚMEROS DA EDUCAÇÃO BÁSICA PRIVADA

    8,98 MILHÕES
    são o total de alunos que estudam em escolas privadas no país (18%)

    40 MIL
    é o número de colégios particulares no Brasil

    10,5 MIL
    são as unidades no Estado de São Paulo

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    COMPARE O PREÇO DA MENSALIDADE

    Escolha a escola 2017

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    TIRE DÚVIDAS

    Existe um teto para o reajuste escolar?
    Não, mas a lei federal 9.870, de 1999, determina que o aumento precisa ser "proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio", comprovada por planilha de gastos

    Como deve ser feito?
    O reajuste escolar só pode ser feito uma vez por ano e precisa ser anunciado ao menos 45 dias antes da data final para matrícula

    O que justifica o reajuste escolar?
    Gastos com funcionários (técnicos, administrativos e professores), encargos sociais (INSS, FGTS) e despesas gerais e administrativas (material, conservação, manutenção, serviços, impostos, aluguéis). Investimentos e mudanças pedagógicas também podem entrar na conta. Isso inclui compra de materiais especiais ou construção de espaços diferenciados, como laboratório ou piscina.

    O que não justifica?
    Custos para a ampliação de vagas não podem ser repassados aos alunos

    Pais podem questionar o aumento? Quando?
    Sim, entidades de defesa do consumidor recomendam que pais questionem o reajuste sempre que ele for maior do que a inflação

    O que o consumidor pode fazer?
    Pedir a planilha para a escola, se informar sobre mudanças pedagógicas que poderiam justificar o reajuste, procurar sindicatos e professores para saber se houve aumento salarial e debater o tema com outros pais

    Como se organizar?
    Os pais podem formar grupos em redes sociais para comunicação, marcar reuniões, fazer abaixo-assinados e criar comissões para negociar com o colégio

    Como se portar com a escola?
    Os pais devem procurar o colégio para dialogar, solicitar reuniões e, sempre que possível, registrar reclamações e pedidos por escrito

    O que deve estar na planilha?
    Segundo entidades de defesa do consumidor, ela deve explicar aos pais, de forma detalhada, os motivos do aumento. Se um item é "material especial", por exemplo, pais podem pedir para saber o que será comprado e qual a utilidade. Há um modelo de planilha disponível no decreto federal 3.274, de 1999

    Como conseguir a planilha com a escola?
    Especialistas dizem que o documento deve ser afixado em local de fácil acesso e enviado aos pais quando solicitado

    Se o colégio não estiver aberto ao diálogo, o que pode ser feito?
    Os pais podem procurar entidades de defesa do consumidor, como o Procon. Caso todas as possibilidades de diálogo tenham se esgotado, é possível entrar com ações na Justiça

    Pais podem processar a escola de forma coletiva?
    Sim, a lei federal que regula o tema prevê a possibilidade de ações coletivas, desde que tenham a adesão de 20% dos pais.

    E sozinho?
    A maioria dos especialistas considera que é possível, mas não recomendável, porque o processo pode ser longo, custoso e ineficiente. Se o pai mesmo assim quiser seguir pela via judicial, aconselham buscar os juizados de pequenas causas, que são mais rápidos e não demandam advogado (em ações de até 20 salários mínimos).

    Fontes: Procon-SP, Proteste, Idec e Aspa-DF (Associação de Pais e Alunos do DF)

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