Numa estrada de chão, a caminhonete 4x4 serpenteia o Vale do Jequitinhonha (MG) atravessando pontilhões ou o próprio leito do rio Setúbal durante mais de duas horas. Saindo de Araçuaí, famosa cidade do vale, a paisagem verde inspira fotos, mas a facilidade para atravessar os cursos d'água mostra os sinais da seca.
O roteiro poderia ser mais um mostrando o turismo aventureiro do local, mas é o caminho literalmente de pedras enfrentado pela população de Agrovila 2, uma comunidade em Chapada do Norte (MG), para conseguir acesso à água.
A bomba, que fica no alto do morro, raramente funciona, fazendo com que os habitantes tenham de caminhar horas até chegar a uma fonte. Mesmo assim, a água não serve para consumo humano. "Do jeito que eles pegam na barragem trazem para cá", reclama Gisbel de Oliveira, 32, moradora da região. "Sem tratamento, totalmente suja."
A única saída para a professora é usar a caixa de captação de chuva da casa de seu pai. Ou pelo menos era, até cerca de três anos atrás, quando uma solução de cinco gramas chegou à região.
Por meio de uma parceria com a Childfund Brasil, um dos maiores conglomerados de marcas de higiene pessoal e limpeza do mundo, a P&G, trouxe para o Brasil o P&G Sachet, que limpa e purifica dez litros de água a cada uso, deixando-a potável. Em 2016, foram nove municípios e 19.228 pessoas beneficiadas.
"Antes, a gente tinha abundância de água, mas não tinha qualidade", lembra Raimundo Nonato Rodrigues, 60, auxiliar de enfermagem há 35 anos em Chapada do Norte. "Aí vinham as infecções".
Pai de oito filhos, Antônio Ribeiro Gomes, 76, sabe bem dos problemas causados. "A água é suja, poluída. Não serve nem para lavar aos pés." A filha e a mulher têm problemas de pele, e todos na casa já tiveram dor de barriga e vômito. "O povo estava adoecendo e morrendo por causa dessa água."
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Raimundo relata que houve muitos casos fatais por diarreia. "A maior parte causada principalmente devido à água que a gente consumia." A dona de casa Janaína Gomes de Almeida, 22, conta que sua solução era usar um coador. "Só que o filtro só tira a impureza maior. Mas tinha que beber isso mesmo, não tinha outra."
Após a chegada do sachê, a população de Agrovila 2 viu a maioria dos casos de doenças relacionadas à má qualidade da água caírem pela metade. Ânsia e vômito, por exemplo, que atingiam pelo menos 76% dos moradores, hoje está em 38%. Já anemia, passou de 83% para 34%.
CONFIANÇA
Mesmo com os benefícios, o sachê ainda enfrenta resistência e desconfiança de parte dos moradores. "Uns falam que é confiável, outros já dizem que não", explica Gisbel. "[Dizem] Que é muita química em uma coisa que clareia a água em poucos minutos, que pode dar dor de barriga."
A conscientização, para Raimundo, é o ponto chave para que o projeto dê certo. "Ainda existem pessoas que resistem, mas com insistência, mostrando a importância, como a criança estava antes e como vive hoje, eles veem que é verdade, que está certo."
Para superar esse desafio, o trabalho de campo da Childfund é fundamental para que a população confie no produto. "A gente tem junto educação, sustentabilidade, saúde", explica Águeda Barreto, analista de comunicação da agência humanitária. "Não é só entregar o sachê. É fazer todo um trabalho de formação social, de empoderamento."
conscientização - Hábitos dos moradores (% dos que executam as tarefas) também mudaram
A independência do produto –criado com fim único de ser um projeto social e, por isso, não é comercializado– é um fruto a ser colhido pela empresa, segundo Daniela Gil Rios, da área de Relações Governamentais da P&G.
"Como todo programa assistencial, a ideia é deixar as pessoas cada vez menos dependentes." Para isso, o foco está nas relações governamentais. "A gente tem todo interesse em discutir políticas públicas e alternativas com o governo, de uma forma muito mais institucional do que política."
Enquanto as políticas públicas não saem, Daniela garante que a intenção é dar continuidade ao projeto. "É muito mais do que saúde. São crianças que acabam contraindo menos doenças e não deixam de ir para a escola", diz a colega Valentina Menoni, gerente de Comunicação da P&G.
Essa disposição dos alunos é observada pelos próprios professores. "Dá para perceber a diferença do aluno da comunidade onde é utilizada o sachê", diz o professor Maryson José Lages, 45. "Os alunos da Agrovila são bastante ativos, se alimentam melhor que os demais."
Assim, o pequeno município que tem um dos piores PIBs per capita do país –na 5.384ª posição entre 5.570 cidades– dá pequenos passos para a universalização da água. "É um purificador que cobre uma necessidade básica. É um direito humano", diz Valentina.
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Raio-X Chapada do Norte (MG)
15.675
Estimativa da população em 2017
R$ 5.239,50
PIB per capita em 2014 –5.384ª posição entre 5.570 cidades
0,598
IDH de municípios em 2010 (equivalente a Vanuatu, na Oceania
A repórter viajou a convite da P&G