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    Retiro no interior de SP faz iniciação à dança sufi

    MARCOS DÁVILA
    DE SÃO PAULO

    05/10/2011 08h30

    Quando criança, a terapeuta corporal Denise Scótolo sempre sonhava que estava girando. Foi revisitada pelo sonho. "Dessa vez, não conseguia parar", conta, enquanto dirige pela rodovia Dom Pedro 1º.

    Encontro de "oração em movimento" começa dia 21

    Juca Varella/Folhapress
    Praticantes do Giro Sufi dançam em retiro em Nazaré Paulista, a 90 km de São Paulo
    Praticantes do giro sufi dançam no espaço Rosa de Nazaré, em retiro em Nazaré Paulista, a 90 km de São Paulo

    Completam a tripulação a arquiteta Beatriz Del Picchia e um jornalista curioso. O grupo acaba de se conhecer e vai a Nazaré Paulista (a 100 km de SP) participar de uma iniciação à dança sufi mevlevi.

    O retiro de três dias acontece no espaço Rosa de Nazaré. O objetivo do lugar é o ensino e a prática do secular giro sufi, oração em movimento concebida por Mevlana Jalaluddin Rumi (1207-1273).

    Meu conhecimento sobre isso se resumia à imagem dos sufis dançando no documentário "Baraka", de Ron Fricke. A curiosidade era grande.

    Chegamos no fim da tarde. O lugar, no alto de um vale, é simples e acolhedor, como um mosteiro. Homens dormem em quartos separados das mulheres e todos lavam seus pratos no refeitório, onde carne e álcool não entram.

    SILÊNCIO

    As palavras são evitadas, o silêncio é premissa da prática. Um gongo anuncia o despertar, as refeições, as atividades. Não há sinal de celulares. Ali, a conexão é outra.

    O grupo se reúne em roda, na sala octogonal com chão de madeira, construída para o ensino e o ritual -que vem do sufismo, vertente mística do islamismo. A despeito disso, toda pessoa pode girar, não importa o credo.

    Mas fica claro que a dança é devocional e exige disciplina. A ideia é entrar em contato com o divino por meio do desprendimento do ego.

    Entoamos o mantra "zikr" (significa lembrança de Deus), e as facilitadoras Marta de Freitas e Irene Gonçalves nos ensinam a posição base, o casulo: braços cruzados sobre o peito e mãos nos ombros; cabeça inclinada à direita; rosto virado à esquerda e dedão do pé direito sobre dedão do esquerdo. Assim ficamos logo que entramos na sala, após reverência à Meca.

    No dia seguinte, o grupo se reencontra na sala do giro. Antes, é preciso passar pelas abluções: as lavagens dos pés que acontecem várias vezes ao dia.

    Dentro, cada um escolhe um lugar para ficar. Mais uma reverência, e começa o giro.

    A torção do corpo começa pela cabeça, da direita para a esquerda, no sentido anti-horário. Os pés ficam firmes, especialmente o esquerdo, que sustenta o eixo. As pernas se cruzam até que o joelho direito fique atrás do esquerdo. Nisso, sem tirar a sola do chão, o pé direito desliza à frente do esquerdo, dando sequência à segunda metade da circunferência.

    É mais complicado explicar do que fazer o movimento. Difícil é manter fluência no giro, sem sair do lugar.

    As facilitadoras jogam talco ao redor dos praticantes para ajudar no deslizamento. Os pés vão desenhando círculo brancos no piso. De tempos em tempos, uma delas recita um poema de Rumi.

    Giramos no silêncio. Abraçados a si mesmos, rodando no salão quieto, parecemos dançarinos sem par. Depois, o som de flauta nos ajuda a manter o foco. O primeiro giro dura 20 minutos. A surpresa é rodar tanto sem sentir tontura.

    CASULO

    À tarde, passamos pelo ritual de "purificação do eixo". Cada um gira sobre um painel de madeira com um pino no centro sobre o qual é derramado sal, e ali se encaixa o vão entre o dedão e os outros dedos do pé esquerdo. O sal simboliza purificação.

    Juca Varella/Folhapress
    Praticante faz a posição de base da dança, antes de aprender a girar
    Praticante faz a posição de base da dança, em que a cabeça fica inclinada à direita, mas o rosto se volta à esquerda

    "Girei mesmo foi em torno de uma poça do meu suor. É um exercício forte", diz a arquiteta Beatriz Del Picchia. A terapeuta Denise Scótolo concorda: "Achei que seria fácil. É difícil, mas prazeroso".

    Depois, há a cerimônia do semâ. Vestidas com saias e chapéus típicos, as mulheres giram em torno do próprio eixo e também traçam uma circunferência pela sala.

    Os chapéus simbolizam a lápide, o manto, a tumba. Descoberto o manto, giram um tempo como casulos. Logo os braços se abrem: é a transformação da lagarta em borboleta.

    "O principal é virar borboleta. É uma viagem simbólica, do conhecido para o desconhecido. E na volta, temos um ser humano transformado", explica Maria Rosa de Freitas Alloni, criadora do espaço.

    No último dia, os exercícios ficam mais complexos. Tiramos o pé direito do chão no giro, o que dá mais fluência e velocidade, e coordenamos a respiração com as voltas. Somente nos dois giros finais do retiro saímos do casulo.

    No meio do giro, as facilitadoras nos entregam um bastão. É preciso beijá-lo e erguê-lo sobre a cabeça sem parar de girar. Deve-se sustentar o bastão no alto até que alguém volte para buscá-lo. Depois de um tempo girando com os braços levantados, qualquer minuto vira uma eternidade.

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