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    Fazer dieta só serve para engordar mais ainda, diz nutricionista da USP

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    20/12/2014 02h03

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Pesquisadora e nutricionista francesa Sophie Deram que lancou livro que ensina a emagrecer abrindo mão de dietas
    Pesquisadora e nutricionista francesa Sophie Deram que ensina, em livro, a emagrecer sem dietas

    Quer emagrecer? Pare de fazer dietas. É o que aconselha a nutricionista Sophie Deram, 50, francesa e naturalizada brasileira, em seu livro "O peso das dietas" (editora Sensus), lançado nesta semana em São Paulo.

    Doutora em endocrinologia e pesquisadora da USP, ela é contra regimes restritivos. Baseia-se em estudos que demonstram que eles podem até funcionar no começo, mas cerca de 95% das pessoas voltam ao peso inicial.

    Isso acontece, segundo ela, porque o cérebro entende essa mudança repentina na alimentação como um perigo e se adapta para reter mais gordura. "A dieta estraga o cérebro", diz ela. A seguir, trechos da sua entrevista à Folha.

    *

    Folha - Por que a sra. defende gordura e é contra as dietas?
    Sophie Deram - Sempre achei sem noção essa guerra contra a gordura. Ela sempre fez parte da minha vida. Claro que sem exagero, mas, na França, comia manteiga de manhã, queijo, foie gras.
    Quando me mudei para o Brasil, fui trabalhar com genética e obesidade infantil. Fiz doutorado e percebi que as crianças obesas, mesmo com a maior vontade do mundo, não conseguiam emagrecer quando tinham um problema de comportamento alimentar. O que me assustou foi ver que 95% das pacientes com transtorno alimentar tinham começado fazendo dieta. A dieta estraga o cérebro.

    Como nutricionista, a sra. nunca prescreveu dietas?
    Nunca consegui fazer isso. Como poderia para falar para alguém: "Amanhã, ao meio-dia, coma duas colheres de arroz". Quem sou eu para saber a fome que ela terá amanhã no almoço?
    Fiz pesquisas de genética do transtorno alimentar, coordenando no Hospital das Clínicas o banco de DNA dos pacientes que têm transtornos alimentares. O que controla o nosso peso é o nosso cérebro. Ele controla nossas emoções, a fome, a saciedade. Às vezes, a gente come sem controlar, sem planejar.

    O que acontece com o cérebro quando fazemos dieta?
    Nós assustamos o cérebro. Ele reconhece a dieta como um perigo e desenvolve mecanismos de proteção. Cerca de 95% das pessoas que fazem dieta voltam a engordar, às vezes até mais.
    Estudos com gêmeos idênticos mostram que o gêmeo que faz dieta é mais gordo do que o gêmeo que não fez. A ciência já demonstrou que fazer dieta engorda. E o que normalmente mandam o obeso fazer? Fechar a boca e malhar. São duas ações que aumentam o apetite.
    As dietas têm risco em potencial de fazer a pessoa desenvolver transtornos alimentares. É claro que não acontecerá com todos. Aí entra a genética. Estudos mostraram que, se você tem determinado gene, há mais risco de desenvolver bulimia se fizer uma dieta. Esse gene está em 30% da população.

    Mas dietas são passadas por médicos e nutricionistas...
    Sim. Mas eles não conseguem mudar a cabeça. Isso é que foi ensinado pra gente. Eu aprendi que o peso é resultado daquilo que você come menos aquilo que você gasta. Não concordo com essa simplificação do peso. Claro que é importante não comer demais, não liberar tudo.
    Quem fez muita dieta vai comer muito. É uma adaptação do cérebro. Quanto mais você faz dieta, mais apetite você vai ter. E esse aumento do apetite permanece por pelo menos um ano depois da dieta. Você vai engordar porque o corpo quer proteger você de uma próxima escassez.

    Essas dietas que cortam carboidratos e contam calorias, são inúteis a longo prazo?
    Inúteis eu nunca vou falar porque sou cientista. O que eu estou dizendo é que, fazer esse tipo de dieta te coloca em risco de engordar, de desenvolver transtorno alimentar. Isso é uma bomba, especialmente para os nossos jovens em crescimento. Mães que têm medo que a criança engorde tentam restringir [a comida]. Isso a leva comer escondido, mesmo sem fome ou a comer sem limite.

    Como os pais devem agir?
    O trabalho dos pais é oferecer comida de qualidade. Em casa, tenha uma rotina, cozinhe. Não precisa proibir doces, por exemplo, mas que o consumo seja ocasional. Não entupa seu filho de refrigerante no almoço, a melhor bebida que existe é água.
    É a primeira coisa que eu negocio com as crianças: diminuir sucos e refrigerantes e beber mais água. Eles me olham e dizem: "Ahhh, vai ser horrível!" Depois voltam muito felizes pra me contar: "Eu consegui beber água".
    É impressionante, mas tem crianças bebendo mais de um litro de suco por dia.

    A questão é que, para muitos pais que trabalham fora, fica difícil essa rotina de cozinhar, fazer sucos naturais...
    Não precisa cozinhar coisas complicadas. É possível fazer um jantar em 15, 20 minutos. O negócio é se organizar para não acontecer de chegar em casa cansado, com fome, e não ter nada na geladeira.
    O que vai fazer? Vai pedir comida ou sair para comer um lanche rápido. Quanto mais você conseguir incluir alimentos da natureza, para quais o nosso corpo foi programado, melhor.

    É comum alguns alimentos, serem demonizados e outros endeusados. Há interesses comerciais nesse jogo?
    Não existe um alimento que vai salvar a sua vida. Nosso corpo precisa de variedade, de qualidade. Nosso cérebro está aqui procurando o melhor bem-estar possível. Mas se a gente o agride o tempo todo, ele precisa se defender ganhando gordura. A gordura nos salvava nas cavernas. Nosso cérebro pensa que gordura é proteção.
    Gordura então faz bem?
    Não estou dizendo para as pessoas se entupirem de gordura. Mas não deveríamos demonizá-la. Isso foi um dos maiores erros da nutrição. A gordura foi demonizada por estudos que associavam seu consumo a uma maior incidência de doenças cardiovasculares. Hoje a gente vê que foram estudos malfeitos.
    A partir disso, o mundo começou uma guerra contra a gordura. E a indústria se adaptou a isso. Não acredito em conspirações da indústria. Ela precisa vender. E o que você coloca para substituir a gordura? Açúcar, carboidrato. O excesso de carboidrato aumenta o risco de doenças cardiovasculares.

    Você acredita que as pessoas estejam com medo de comer?
    Sim, as pessoas estão assustadas. Eu sempre digo: pare de pensar, não precisa ser uma nutricionista para comer bem. Volte a lembrar do seu avô. Ele não se pesava, comia café da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar, e ele estava bem.

    Mas no passado as pessoas eram mais ativas, não?
    Acho que elas tinham menos estresse. Muitas pessoas fazem academia hoje e nem por isso estão mais magras. Você precisa ser ativo, andar a pé, de bicicleta. Para muitas pessoas, academia é uma tortura. Atividade física tem que ser prazerosa, não é para ser difícil e só ser feita se tiver muita força de vontade.

    Qual o seu principal conselho para quem busca perder peso?
    A pessoa precisa se perguntar por que quer perder peso. Se é porque acha que ser magro é mais bonito, deve pensar que isso pode ser contra a sua genética. Tenho pacientes que começaram dietas querendo perder três quilos e, 20 anos depois, estavam com 20 kg a mais.
    Se for pra resolver um problema de saúde, resolva, mas vá atrás de saber o que fez você engordar. Faça as pazes com você. Esse é um exemplo fantástico aos nossos filhos para que eles não tenham que viver a guerra com a comida que a gente vive agora.

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