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    Justiça libera suposta droga contra o câncer sem testes em humanos

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A SÃO CARLOS

    15/10/2015 02h02

    Após a Justiça recuar e liberar a entrega de uma substância que supostamente trata vários tipos de câncer, o Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo) em São Carlos virou destino de uma "romaria".

    A corrida de pacientes começou depois que o desembargador José Renato Nalini, presidente do TJ (Tribunal de Justiça), reconsiderou, na última sexta-feira (9), o pedido de suspensão de entrega da substância fosfoetanolamina.

    A decisão do TJ baseou-se em liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou a entrega das cápsulas de fosfoetanolamina a um paciente. Segundo estimativa de advogados e familiares de outros pacientes com câncer, há mais de mil ações do gênero.

    Nos últimos dois dias, filas se formaram na universidade em busca da droga. Alguns creem que essa pode ser a última chance de evitar a morte dos doentes.

    Na terça (13), no entanto, as pessoas foram informadas que a substância não seria entregue por não haver estoque e que os mandados judiciais deveriam ser protocolados na Procuradoria Geral da USP.

    Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Oncolgia Clínica Evanius Wiermann, o caso pode se resumido como uma "loucura". "Os pacientes estão sendo feitos de cobaia sem garantia nenhuma de segurança ou de eficácia."

    A fosfoetanolamina só passou por estudos iniciais em células e em animais. Para uma droga ser aprovada, pelo menos três fases de estudos em humanos devem ser realizadas –para avaliar se a droga de fato funciona, se é segura e quais os efeitos colaterais.

    Cientificamente, ela ainda pode ser considerada apenas uma promessa, com a qual deve se ter muita cautela.

    Nem nos casos de "sucesso" é possível saber se há realmente um efeito anticâncer da fosfoetanolamina ou um efeito placebo –já que não existem estudos controlados.

    Para Wiermann, outro problema é o "viés de seleção" –só os casos de sucesso são relatados, aumentando a fama da droga. Os possíveis efeitos colaterais jamais são reportados porque os pacientes não estão sendo acompanhados em um estudos.

    Infográfico: Droga anticâncer?

    Em nota, a USP informou que a fosfoetanolamina não é remédio e que foi estudada como produto químico e que não há "demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença".

    A USP evitou, porém, bater o martelo a respeito do caso e não esclareceu, por exemplo, por que um de seus pesquisadores –Gilberto Chierice, professor aposentado que coordenou pesquisas com a fosfoetanolamina sintética– distribuía o suposto medicamento alegando que seria a "cura do câncer".

    Tampouco a universidade disse porque levou mais de dez anos, desde o início da distribuição, para que alguma providência fosse tomada para cessá-la.

    As declarações de Chierice à imprensa fizeram com que a busca pela droga aumentasse.

    Segundo ele, a droga não chegou ao mercado devido à "má vontade" das autoridades. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) esclarece que não é possível registrar um medicamento sem os testes em humanos.

    A reportagem não conseguiu encontrar o pesquisador para comentar o caso.

    Nesta quarta (14), em uma reunião com cerca de 15 pessoas, foi avisado que o funcionário que cuida da preparação da droga está viajando e que só haverá novas entregas a partir da próxima semana, atendendo decisões judiciais referentes a setembro.

    Mas ir embora não está nos planos da aposentada Maria Antonieta Vieira de Moraes, 55, de Itapetininga, que tenta obter as cápsulas para a filha Jackeline, 29, internada com câncer no colo do útero.

    "Ela já não anda devido ao avanço da doença e não tem forças para a quimioterapia. O médico indicou a possibilidade e estou aqui para tentar salvar minha filha. Não vou sair daqui enquanto não conseguir", disse.

    Com oito clientes de Estados como Rio Grande do Sul e Bahia, a advogada Cárita Almeida disse entender a dificuldade de fabricação, mas afirmou que as liminares devem ser cumpridas.
    "Os pacientes precisam das cápsulas como alternativa de tratamento."

    Até pessoas sem pedido médico ou decisão judicial, como a aposentada Inês de Oliveira Chagas, procuram pela droga. No caso dela, para a irmã, que tem câncer no intestino.

    Em nota, a USP informou que a fosfoetanolamina não é remédio e que foi estudada como produto químico e que não há "demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença".Não há registro nem autorização de uso pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

    A USP diz que não tem como produzir a substância em larga escala para atender às "centenas de liminares", mas que vai cumprir as decisões dentro da "capacidade". Por fim, afirmou que apura o possível envolvimento de docentes ou servidores na difusão da "informação incorreta".

    Colaborou LUCAS REIS, de São Paulo

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