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    Foi o maior carnaval que eu vivi, diz Lima sobre título mundial de 1963

    RAFAEL VALENTE
    ENVIADO ESPECIAL A SANTOS

    14/11/2013 03h30

    "Foram duas semanas de festa. Começou no Rio, passou por São Paulo e terminou em Santos, na Vila Belmiro."

    É dessa forma que Lima, 71, recorda do bicampeonato mundial pelo Santos em 1963, cuja conquista completará 50 anos no próximo sábado.

    O ex-volante, que hoje trabalha como avaliador técnico no Santos, diz que foi aquele título que permitiu ao Santos ostentar a grande a torcida que tem até hoje. Também exalta, 50 anos após o bicampeonato, ter usado o "manto branco" do clube.

    Acompanhe esta história na quarta entrevista sobre o título do Mundial de 1963.

    *

    Folha - Qual lembrança você ainda guarda do bicampeonato mundial?
    Lima - Foi uma conquista que representou muito. Na época, o Santos não tinha tanta torcida. Nós ajudamos a formar a massa do clube. Ninguém imaginava 300 mil pessoas [na soma] em dois jogos no Maracanã. Foi loucura!

    Você se refere a festa feita pelos torcedores?
    Foi um carnaval fora de época. Começou no Rio, participaram cantores, artistas e as torcidas de Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco, Madureira, Olaria... todo mundo junto. Teve um momento que saímos da concentração no Maracanã e fomos em um show no Canecão, mas para chegar até lá foi um inferno. Aí começou a surgir o papo que o Santos é o segundo time de todo o torcedor carioca. E o Santos sempre se deu bem no Rio. Depois a festa passou por São Paulo, quando nosso avião chegou no aeroporto de Congonhas, e fomos recebidos por uma multidão. E a festa só foi terminar em Santos, quando o ônibus deixou a delegação na Vila Belmiro. Ainda assim durou duas semanas.

    Já havia vivenciado algo assim?
    Fomos campeões em outras ocasiões e nunca tinha acontecido isso. O Santos foi o primeiro bicampeão mundial de clubes. Isso dá uma sensação e um prazer mais forte. Muita gente ia ver o Santos jogar porque gostava do time, mas não era torcedor de verdade do time. Nós conquistamos uma torcida.

    MAIS BICAMPEÕES

    Dava para imaginar algo igual caso os jogos tivessem sido no Pacaembu (SP) e não no Maracanã (RJ)?
    Acho que se tivesse sido no Pacaembu não teria sido igual. Nem os próprios dirigentes tinham ideia de que seria tão expressivo a presença de público no Maracanã. Foram 300 mil pessoas em dois jogos [público somado]. No outro dia viemos para São Paulo. Ao descer em Congonhas foi uma correria desgraçada. Aí quando chegou na serra de Santos a torcida parou tudo. Era gente que vinha de carro, de bicicleta, a pé. Gente que subia nos caminhões para festejar. Na Vila Belmiro, o clima foi muito gostoso. Fizeram mil coisas e ficamos sem parar até a noite daquele dia.

    Sobre os jogos da decisão, o que você lembra?
    No Maracanã, fizemos dois jogos inesquecíveis. Nós tínhamos perdido por 4 a 2 na Itália [no primeiro jogo], eles mereceram o resultado e nós viemos para a partida no Brasil com três baixas: Pelé, Zito e Calvet. Quem tinha mais chance de jogar era o Pelé, tanto que viajou conosco para o Rio, ficou na concentração, mas dois dias antes foi constatado que não teria condições de jogar. Quer dizer, tudo isso faz com que essa final se torne assim uma data para a gente e para todo santista inesquecível.

    Uma conquista única?
    Exatamente. Só uma coisa me chateia...

    O que?
    Me chateia muito quando a gente ouve determinados ex-jogadores, principalmente os brasileiros que jogaram lá, tipo Mazzola e Amarildo, questionarem o valor daquele título. Eles tentam diminuir falando coisas que não é verdade. Tipo assim: "o Santos bateu muito". O Santos nunca foi de bater e nunca bateu em ninguém! Muito pelo contrário...

    Era um time de toque de bola, não?
    Exatamente. O forte do Santos era a condição técnica dos jogadores. A forma como a gente jogava: de toque, sem pressa de chegar no gol. Por quê? Porque tinha time, tinha jogadores que tinham condição de fazer isso. Então, acho que é uma tremenda de uma injustiça esses ex-jogadores chegarem hoje, 50 anos depois da conquista, e falarem abobrinha. Falam do árbitro argentino [Juan Brozzi, que apitou os dois jogos no Rio]. O árbitro o que? O cara quase tirou a cabeça do Almir no lance do pênalti [que ocorreu no terceiro jogo e que teve vitória do Santos por 1 a 0]. Eles querem o que? Foi pênalti!

    Eles afirmam outras coisas?
    Falam. Eles não falam só do jogo da Itália, por exemplo, porque venceram.

    A vitória por 4 a 2 do Milan, na Itália, foi justa?
    Foi justo! Não jogamos nada, eles jogaram muito...

    O time do Milan era forte, era bom?
    Bom, bom, era um timaço... Tinham três ou quatro estrangeiros. Um peruano e três brasileiros: Dino Sani, Mazzola e Amarildo. Fora os italianos que eram craques. Quer dizer, um time italiano como aquele, que chegou a estar vencendo por 2 a 0 o primeiro jogo no Maracanã e, em 45 minutos, deixou o Santos virar para 4 a 2 vão falar o que? Superação do time do Santos? Claro que houve. Fomos melhores. Ninguém se conformava com o resultado que houve na Itália.

    Como vocês fizeram então para superar o Milan?
    Viajamos 15 dias antes do segundo jogo para o Rio. Nesse tempo que estivemos hospedados no Rio, inclusive inauguramos a concentração do Maracanã, treinamos o tempo todo. A gente treinava apenas um período. De manhã quando era a parte física. E a tarde quando haveria atividade com bola, como um coletivo, um treino finalização. No Rio, durante os 15 dias, treinamos os dois períodos. Eu, Pepe e Coutinho tínhamos tendência a engordar, então treinávamos com agasalho de náilon no calor do Rio. Todo mundo focado no jogo. A gente não se conformou com o resultado na Itália. Ficou atravessado. Aí chegou aqui e eles fizeram 2 a 0. Eu me lembro que teve um repórter do Rio, que entrou no nosso vestiário durante o intervalo e falou: "Não sei se vai interessar para vocês, mas passei no vestiário do Milan agora e eles estavam com uma mesa de dez metros com todo o tipo de comida e bebida, só esperando para comemorar o título". Olha, foi a preleção mais correta que eu já tive na minha vida. Aquilo mexeu com o grupo. Um olhava para o outro e não sabia o que falar. Lembro que depois um cara falou: "Olha pessoal está ameaçando uma chuva terrível". Parece que choveu os 15 minutos do intervalo de forma intensa. Se fosse outro campo, o jogo seria cancelado. Mas teve condições porque o Maracanã era muito bom. Mesmo com chuva, um jogador olhou para o outro e falou: "Vamos embora". Entramos em campo, tomamos cinco minutos de chuva para aguardar o Milan voltar para campo --eles tiraram proveito de tudo--, mas em compensação quando já tinha 15 minutos de jogo já estava 2 a 2 e eu fiz o terceiro do time. Depois do jogo a gente encontrou com os torcedores no Maracanã e muitos deles choravam. Eles não acreditavam o que tinha acontecido. Foi uma coisa memorável.

    Como foi seu gol?
    O Mengálvio pegou a bola da defesa --ele estava no meio e eu estava mais adiantado, na altura do meio do campo. Aí ele deu ela para mim. Quando eu peguei a bola, virei de frente para o campo do Milan e fui seguindo com ela. Os jogadores da frente, como o Almir e o Coutinho, começaram a se mexer. O Milan tinha aquela coisa de marcação homem a homem. Ninguém veio em cima de mim e eu fui avançando. Modéstia parte, eu batia bem na bola. Aí larguei um cacete que o goleiro está procurando até hoje. Foi o terceiro gol do time.

    O terceiro jogo foi tão intenso quanto o segundo?
    O terceiro jogo foi pegado. Eles já estavam muito mais habituados a jogar atrás, no contra-ataque, do que a gente. Nossa forma de jogar era tomar a bola, trabalhar as jogadas e chegar ao gol. Às vezes, até com jogadas individuais porque tínhamos jogadores com esse potencial. Foi um jogo muito pegado em que eles tiveram oportunidades e nós também, mas foram pouquíssimas. O jogo foi trucando, parou algumas vezes. Até que surgiu o lance no Almir que até hoje eles dizem que não foi pênalti. O cara chutou a cabeça dele. Foi o Maldini. Deu impressão que ele não foi na bola, que ele foi no Almir. Mas o Almir também fez a vida deles um inferno. Nós que estávamos do lado dele estávamos irritados [risos]. Ele foi a peça fundamental para o Santos ser campeão. Ele já tinha jogado no Milan, foi vitima de um complô e isso deixou ele mordido. Não precisava de incentivo maior para ele. Lembro que ele falava: "Eles não vão sair daqui com a vitória". Fizemos 1 a 0 no pênalti e o time se portou de forma fantástica. Todo mundo deu além do que podia para aquele que seria o segundo titulo do mundo.

    Após 50 anos, sente orgulho por ter feito parte daquela conquista?
    Essa data ficou como se fizesse mais parte dos jogadores do que nossa própria vida. São 50 anos, mas a gente lembra com a mesma clareza como se tivéssemos se preparando para jogar agora. Me deixa muito feliz fazer parte da história de um clube que foi o maior do mundo.

    Para você, o que foi ter vestido a camisa branca do Santos por tanto tempo?
    Para mim poderia existir só a branca. Ela representava por ter aqueles negrões dentro dela. Depois que sai do Santos, parei de jogar, encontrei ex-jogadores e eles falavam assim quando sabiam que teriam de jogar com o Santos: "Meu Deus, já vem aqueles crioulos de novo para cima da gente" [risos]. Oito ou nove jogadores daquele time eram negros, e com o manto branco. Essa camisa representava e representa até hoje. Tenho a minha dos dois Mundiais. Tenho as duas muito bem guardadas. Quem quiser ver, até pode, mas sem tocar. A camisa branca é tudo que representa uma grande equipe. Uma grande equipe no toque, na amizade e a partir do momento que pisava esse gramado [aponta para a Vila Belmiro]. Para mim foi um grande prazer, uma grande felicidade fazer parte de um time de crioulo que vestiu esse manto branco.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Infográfico mostra como estão hoje jogadores que conquistaram o título do Mundial de Clubes em 1963
    Infográfico mostra como estão hoje jogadores que conquistaram o título do Mundial de Clubes em 1963

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