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    Dois meses após acidente, recuperação de Schumacher ainda é incógnita

    JOHN BURNS
    DO "NEW YORK TIMES", EM GRENOBLE (FRANÇA)

    28/02/2014 16h20

    Meses depois do acidente de esqui de Schumacher, não há muita esperança de recuperação

    O burburinho dos repórteres e equipes de televisão apressados ficou no passado, agora, quase dois meses depois que um helicóptero trouxe Michael Schumacher, o piloto mais bem sucedido da história da F-1, ao Centro Hospitalar Universitário desta velha cidade romana, das rochosas encostas nevadas da estação de esqui de Méribel, a 70 quilômetros de distância.

    Do lado de fora do hospital de nove andares, com vista panorâmica para os picos nevados dos Alpes, o movimento da mídia desapareceu. Apenas uma solitária faixa, encardida pelo tempo, permanece para indicar que Schumacher ainda está internado na unidade intensiva de trauma do quinto andar do hospital, em coma profundo e condição crítica.

    "Schumi", diz a faixa do lado de fora do hospital em letras vermelhas vivas, usando o apelido do piloto e a cor associada à equipe Ferrari, com a qual ele conquistou a maioria de suas vitórias – o recorde de sete títulos mundiais como piloto, e 91 Grandes Prêmios vencidos – , "nossos melhores votos a você e sua família".

    O desaparecimento dos repórteres se deve em parte a um apelo da mulher de Schumacher, Corinna, que pediu respeito à privacidade da família, que continua a acompanhar o piloto a cada dia. Mas a ausência da mídia também aponta para outra história, mais melancólica.

    A atenção foi transferida a outros assuntos, e Schumacher se tornou apenas o mais recente nome na longa e preocupante lista de figuras que caíram no esquecimento – por semanas, meses ou anos – como resultado de comas em longo prazo causados por lesões traumáticas de cabeça sofridas na prática de esportes recreativos potencialmente perigosos.

    Os médicos em Grenoble, cidade que serve de portão de entrada para os melhores centros de esqui franceses, dizem que centenas de esquiadores lesionados chegaram ao hospital com concussões e ferimentos de cabeça ainda mais graves, nos últimos anos. Alguns deles ocupam leitos próximos ao de Schumacher.

    Um lembrete adicional quanto ao perigo dos esportes de inverno vem dos televisores instalados nas enfermarias, que na semana passada estavam exibindo as competições da Olimpíada de Inverno de Sochi, na Rússia, nas quais diversos atletas do esqui e snowboard sofreram lesões na cabeça.

    As perspectivas quanto a Schumacher, 45, foram obscurecidas pela decisão de seus médicos e família de não fornecer atualizações regulares sobre o progresso de seu tratamento. Mas o que se sabe parece ser cada vez mais desanimador, ao menos para suas perspectivas de obter completa recuperação mental e física, ou escapar a sequelas de longo prazo.

    Os ferimentos que ele sofreu resultaram em duas cirurgias durante suas primeiras 36 horas de internação, para remover coágulos de sangue de seu cérebro, e um comunicado dos médicos depois da segunda operação informou que imagens magnéticas haviam revelado coágulos múltiplos em áreas mais profundas do cérebro, inacessíveis para cirurgia. Esses coágulos profundos, os especialistas médicos disseram, representam a mais séria ameaça à recuperação de Schumacher, e talvez à sua sobrevivência.

    Incapazes de removê-los, os médicos de Grenoble decidiram três semanas atrás iniciar uma fase nova e crítica do tratamento – um esforço para tirar Schumacher do coma induzido em que ele está desde sua internação, em 29 de dezembro.

    As únicas atualizações médicas quanto ao piloto, desde que começou o tratamento, vieram em forma de informações anônimas e extraoficiais publicadas por jornais e revistas alemães.

    As reportagens em questão provocaram uma nova declaração de Sabine Kehm, porta-voz de Schumacher, na segunda-feira, para afirmar que "não havia novidades" quanto aos esforços para tirá-lo do coma. A declaração não representou uma negação direta das reportagens alemães de que as tentativas de despertá-lo haviam fracassado, já que especialistas dizem que uma suspensão temporária do processo é comum em casos desse tipo.

    Além disso, "despertar o paciente parcialmente repetidas vezes para reavaliação, com posterior retorno à sedação", é uma técnica comum, dada a complexidade do processo, de acordo com a Headway, uma organização assistencial britânica que trabalha com pacientes de lesões cerebrais.

    Embora cautelosos devido à falta de informações detalhadas por parte dos médicos de Grenoble, outros especialistas estão em geral pessimistas.

    "Se eles não estão divulgando boas notícias porque elas não existem, isso é realmente péssimo", disse Gary Hartstein, anestesiologista norte-americano que trabalha em Liège, na Bélgica, e foi durante oito anos o diretor da unidade médica da F-1.

    "Depois de oito semanas, se não há sinal de despertar, o que a maioria das pessoas faria seria desligar os aparelhos", acrescentou.

    Mas outros observadores foram mais otimistas.

    "Passadas apenas duas semanas do dia em que eles deixaram de aplicar sedativos, é cedo demais para dizer que alguém se encontra em estado vegetativo permanente", disse David Menon, especialista da Universidade de Cambridge que comanda a divisão de anestesia do Cambridge Neuroscience, um instituto de pesquisa renomado por seu trabalho quanto a lesões cerebrais traumáticas. "Mas quanto mais tempo o paciente demora para despertar, menor a probabilidade de que tenha a recuperação desejada".

    Uma das medidas possivelmente benéficas tomadas pela família foi convidar Felipe Massa, o piloto brasileiro que durante muito tempo foi o companheiro de equipe de Schumacher na F-1, para visitar o amigo e falar de suas experiências compartilhadas nas pistas e do desenvolvimento dos carros para a nova temporada, que começa dia 16 de março na Austrália.

    Massa, que sobreviveu a uma séria lesão na cabeça depois de ser atingido por uma pesada mola expelida por outro carro na Hungria, em 2009, que atingiu seu capacete em velocidade superior a 320 km/h, contou ter passado "muito tempo" com o amigo.

    "Contei tudo a ele sobre meu carro, minha nova equipe", disse Massa, mencionando sua transferência da Ferrari para a equipe britânica Williams. "Pedi a ele que acordasse, muitas vezes".

    Em Méribel, os esquiadores continuam a afluir à encosta na qual Schumacher, que esquiava na companhia de Mick, 14, seu filho, sofreu seu acidente, a cerca de 2,1 mil metros de altitude na montanha Saulire, que se ergue por sobre a cidade. As encostas de Méribel foram usadas para as provas de esqui feminino dos jogos olímpicos de inverno de 1992, e houve queixas, então, especialmente nas provas de downhill, de que o gradiente das encostas era inclinado demais.

    Mas membros da equipe de resgate de esqui no topo da montanha, em uma estação conhecida como Dent de Burgin – o pessoal que socorreu Schumacher depois do acidente, convocando o helicóptero que o levou a Grenoble – disseram que o total de lesões de todos os tipos em acidentes de esqui foi de apenas 400 no ano passado, entre os esquiadores que compraram mais de 1,3 milhão de passes diários para praticar seu esporte em Méribel.

    Quanto a Schumacher, disseram, ele havia evitado a descida mais perigosa, cujo gradiente chega a 85% em determinado trecho. Em lugar disso, optou por uma rota mais fácil e menos vertical para uma encosta mais baixa, onde, por motivos ainda inexplicados, decidiu esquiar no espaço entre duas pistas muito frequentadas. Isso o levou a uma área de solo acidentado e repleto de rochas, cujos limites são demarcados por estacas pintadas de vermelho.

    Sob as regras estabelecidas pelas autoridades de Méribel, áreas fora de pista como a que Schumacher usou não recebem placas de advertência, e não havia placas na área em que ele caiu.

    Um dos membros da equipe de resgate, Philippe Merlin, disse que uma nevasca noturna havia lançado uma camada nova de neve fofa que recobriu a maior parte das rochas, mas permitiu que os esquis de Schumacher afundassem até 30 centímetros por sob sua superfície.

    A investigação da polícia francesa foi formalmente encerrada na semana passada, e em parte foi conduzida com base nas imagens gravadas pela câmera que Schumacher tinha instalada no capacete. A investigação constatou que o impacto inicial aconteceu a 1,20 metro da pista, e que Schumacher foi arremessado por sobre os seus esquis e bateu de cabeça em uma outra rocha a 3,30 metros de distância, o que fez seu capacete rachar. A polícia constatou que não houve negligência ou qualquer outro erro, da parte de Schumacher ou das autoridades de Méribel, que requeresse investigação criminal adicional.

    A conclusão foi recebida positivamente pelos esquiadores da região de Saulire, que se declararam satisfeitos com os arranjos de segurança em Méribel.

    Merlin, da equipe de resgate, que esquia na montanha há mais de 40 anos, disse que Schumacher, proprietário de um chalé na região, era conhecido como bom esquiador, nas encostas, e que aquilo que havia feito ao cruzar a área rochosa não era incomum.

    "É bem normal", disse. "Ele só teve azar".

    Mas o acidente ainda assim deixou suas marcas.

    Em um dia nublado na semana passada, com nuvens baixas envolvendo o teleférico que conduz os esquiadores de Méribel ao pico de Dent de Burgin, era possível ver grupos de esquiadores, em meio à neblina, parando no local do acidente, alguns dos quais apontando com seus bastões para a área além da pista.

    Os membros da equipe de resgate contaram que, depois do acidente, alguém escreveu com o bastão de esqui uma mensagem na neve para o piloto.

    "Estamos rezando por você, Michael", dizia a mensagem.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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