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    ONG alerta que violência no futebol brasileiro segue caminho da Argentina

    ALEX SABINO
    DE SÃO PAULO

    01/03/2014 03h00

    A violência no futebol brasileiro trilha o mesmo caminho da Argentina, onde as organizadas têm influência na vida dos clubes, poderosos contatos no mundo político e vivem sob a inércia e o medo dos dirigentes.

    O alerta foi feito à Folha pela Salvemos al Fútbol [Salvemos o Futebol, em espanhol], ONG criada em 2006 para combater os barras bravas, como são chamados os líderes de torcidas no país.

    "Acompanhei o noticiário a respeito do rapaz que morreu na semana passada [o santista Márcio Barreto de Toledo]. As características de como aconteceu o crime me lembram muito o que se passa na Argentina", afirma o advogado Mariano Bergés, vice-presidente da entidade.

    A Salvemos al Fútbol tomou a iniciativa de contar os mortos pela violência entre torcidas no país: 281 vítimas fatais. Não há um número oficial no Brasil. Segundo o diário Lance, são 236. Mas a população brasileira, de acordo com o IBGE, é de 201 milhões de habitantes. Na Argentina, são cerca de 44 milhões.

    "Sofremos com esse flagelo há mais de 20 anos", completa Bergés.

    A luta é considerada tão inglória que a fundadora da entidade, Monica Nizzardo, desistiu sob a alegação de que não há saída. "A violência no futebol argentino não tem solução. Cansei disso tudo. Desisti", disse ela à Folha, embora ainda seja associada. O diagnóstico vai na mesma direção de Gustavo Grabia, jornalista do diário Olé, de Buenos Aires. "É uma luta perdida", escreveu.

    A violência nem sempre resulta em mortes. Na semana passada, grupo de barras do pequeno Los Andes disparou tiros contra o portão da casa do presidente do clube, Oscar Ferreyra. Não só ele, como toda a diretoria, renunciou.

    "Os barras bravas de quase todas as equipes têm ligações com a polícia, são usados por partidos. Possuem representantes em altos cargos. Não há vontade política para combatê-los. Quando acontece uma morte violenta, as autoridades acordam da letargia por duas ou três semanas. Depois voltam ao normal", explica Bergés.

    Ele pergunta à reportagem sobre a situação das organizadas brasileiras, que também começam a ter boas relações com políticos que ocupam cargos eletivos. No ano passado, em evento na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Antônio Goulart (PSD) se definiu como "Gavião", em alusão à Gaviões da Fiel.

    Raimundo César Faustino, vereador em Francisco Morato, foi flagrado em briga em Brasília entre corintianos e vascaínos no ano passado. Juliano Borghetti, presidente da PR Projetos, autarquia vinculada à Secretaria do Planejamento do Paraná, acabou filmado em confusão da torcida do Atlético-PR no último campeonato nacional.

    "É preciso vontade política e força para combater isso. Na Argentina, o judiciário é lento. Não pune. As autoridades brasileiras precisam buscar uma solução própria para o problema. Mas devem agir de maneira firme e decidida. E sem postergar medidas", afirma o vice da Salvemos al Fútbol.

    Para tentar conter as brigas, as autoridades tiveram uma medida polêmica: abolir as torcidas visitantes nos estádios. Algo que já foi feito esporadicamente no Brasil e logo abandonado.

    Tal qual aqui, os cartolas argentinos são acusados de conivência com os torcedores violentos. Jogadores também. Não é raro que deem dinheiro a eles. "Isso acontece mais frequentemente do que se pode imaginar. E você vai fazer o quê? Não dar? Eles sabem onde você mora, onde seus filhos estudam. O jogador dá dinheiro a eles porque quer viver em paz", comenta o ex-zagueiro e hoje comentarista Oscar Ruggeri, campeão mundial na Copa de 1986.

    A relação vai além disso. Martín Palermo, maior artilheiro da história do Boca Juniors, foi flagrado visitando Rafael Di Zeo, líder da La Doce, a maior organizada do time, na prisão. Pablo Migliore, então goleiro do San Lorenzo e hoje no Arsenal, foi detido por encobrir o paradeiro de um barra brava acusado de assassinato.

    "É a consequência natural das coisas. Logo, eles começam a brigar entre eles mesmos e se dividem em facções dentro da mesma torcida. Porque as vantagens financeiras são muito boas", avisa Nizzardo.

    Os benefícios econômicos passam por ingressos, negociados no mercado paralelo, venda de camisas, doações em dinheiro vivo e briga pelo "direito" de controlar os guardadores de carros aos arredores do estádio, em dias de jogos.

    A La Doce comanda um intricado esquema de repasse de ingressos com ágio de quase 500%, contando com a ajuda de sócios do Boca Juniors e funcionários do clube.

    "Um dirigente de futebol deve assumir suas obrigações. Tem obrigação de denunciar as atividades dos torcedores violentos e não ter relação ou diálogo com eles. Se não estiverem sendo protegidos por ninguém, pode ter certeza que não agiriam da mesma maneira", finaliza Bergés.

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