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    Palmeiras nasceu campeão com Oberdan Cattani no gol

    SÉRGIO RIZZO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    21/06/2014 00h59

    Durante algumas décadas, um ritual acompanhou centenas de partidas do Palmeiras no antigo Estádio Palestra Itália, hoje transformado no Allianz Parque: enquanto Oberdan Cattani, que morreu nesta sexta-feira aos 95 anos, se dirigia ao setor das numeradas, um animado e carinhoso cortejo o cercava. Eram fãs de diversas gerações que o reconheciam, o cumprimentavam, tiravam fotos ao seu lado, pediam autógrafos e conferiam se as suas mãos correspondiam à lenda.

    Pela idade, poucos deles tiveram a oportunidade de vê-lo em campo. Todos sabiam, no entanto, que o simpático e atencioso velhinho no meio da multidão era muito mais do que apenas um ex-jogador do clube. Era um mito – o maior goleiro na história do Palmeiras, no alto de um pódio que passou a dividir, na virada do século, com Marcos, o "santo". Oberdan não ganhou apelido de divindade, mas suas defesas, em mais de uma década como titular absoluto da equipe, foram imortalizadas e adquiriram a forma de milagres graças a relatos transmitidos de pai para filho.

    Tocá-lo era também uma forma de sentir na pele a história do próprio clube, que ainda se chamava Palestra Itália quando começou a defendê-lo. Filho de mãe brasileira e pai italiano, Oberdan nasceu em Sorocaba (SP), em 12 de junho de 1919. No final dos anos 1930, trabalhava como motorista de caminhão e viajava regularmente até São Paulo, transportando carregamentos de cebola e laranja para o Mercado Municipal. De família palestrina, arrumava um jeito, quando podia, de passar pelo antigo estádio para assistir aos treinos da equipe. Admirava, em especial, o goleiro Jurandyr, que disputou 132 jogos pelo clube, entre 1935 e 1939, e foi campeão paulista em 1936.

    Oberdan não imaginava que teria a oportunidade de superar o ídolo, e com folga. Disputou 351 partidas com as camisas do Palestra e do Palmeiras, de 1941 a 1954. Foi campeão paulista em 1942, 1944, 1947 e 1950. Em 1951, conquistou o Rio-São Paulo e a Copa Rio. Essa gloriosa trajetória teve início, a exemplo do que ocorreu a inúmeros craques, com um teste. Eram 13 candidatos e apenas uma vaga. "Com as mãos, o técnico Caetano Di Domenico [1895-1995] arremessava a bola com uma certeza no ângulo", afirmou Oberdan ao jornalista Paulo Guilherme em depoimento para o livro "Goleiros - Heróis e Anti-Heróis da Camisa 1".

    Tinha 1,78 m, boa altura para goleiros da época, mas coube a suas lendárias mãos –espalmadas, mediam 26 centímetros– fazer a diferença. "A primeira que ele jogou eu puxei e trouxe até o peito. E foi assim, a tarde toda. De todos os 13 que apareceram o único que continuou treinando fui eu."

    O goleiro titular do Palestra no título paulista de 1940 era Gijo, que manteve a posição nos amistosos de início da temporada seguinte. Oberdan estreou em 2 de março de 1941, no Pacaembu, que sediava o Torneio Início. No mesmo dia, disputou três partidas –contra SPR, Portuguesa Santista e Portuguesa– e não levou nenhum gol. O Palestra foi eliminado, ao empatar a terceira partida, pelo critério de escanteios.

    Clodô assumiria a posição na maior parte de 1941 e no início da temporada seguinte, mas já era Oberdan o titular em um dos grandes momentos do clube, talvez o mais simbólico de todos, em 20 de setembro de 1942. No Pacaembu lotado, depois de meses tensos em virtude da decisão do governo Vargas de abolir no país todas as referências aos países do Eixo, o Palmeiras entrou pela primeira vez em campo, de uniforme alviverde, com os jogadores carregando a bandeira brasileira. A vitória sobre o São Paulo, por 3 a 1, valeu o título paulista ao clube. O Palmeiras nascia campeão, com Oberdan no gol.

    Por coincidência, ele fez sua última partida oficial pela equipe contra o mesmo São Paulo, em 7 de fevereiro de 1954, também no Pacaembu, pelo campeonato paulista. A derrota por 2 a 1 selou um período de declínio que havia iniciado com a goleada de 4 a 0 imposta pela Juventus, da Itália, na Copa Rio de 1951. A responsabilidade pelo vexame desabou sobre os seus ombros e ele perdeu para Fábio a titularidade, que demoraria a recuperar. Mas a irregularidade no período final de carreira não arranhou sua imagem como um ídolo incontestável do clube.

    Apontado como um dos grandes goleiros brasileiros dos anos 1940, Oberdan foi convocado por Flávio Costa para a seleção brasileira que disputou, em 1945, a Copa América e a Copa Roca. Não voltou a ser relacionado. Mesmo que tivesse melhor sorte na seleção, não poderia disputar uma Copa do Mundo no auge da forma, como "São" Marcos em 2002, por causa do adiamento das edições de 1942 e 1946 em virtude da Segunda Guerra Mundial. Em 1950, caberia ao goleiro Barbosa protagonizar o "Maracanazo" –a perda do título mundial para o Uruguai. Ao preterir Oberdan, Flávio Costa também o poupou de viver o estigma que acompanhou Barbosa até o fim da vida.

    O sorocabano das mãos grandes, que inúmeras vezes fez a meta do Palmeiras parecer intransponível, foi preservado para ser durante mais de meio século uma das lendas vivas do clube de seu coração.

    Rafael Valente - 1.out.2013/Folhapress
    Oberdan mostra o acervo em sua residência
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