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    Maratonista suíça relembra chegada épica em Los Angeles-1984

    RODOLFO LUCENA
    DE SÃO PAULO

    03/08/2014 02h00

    Jay Dickman/Associated Press
    Gabriele Andersen se esforça para terminar maratona dos Jogos Olímpicos de Los angeles-1984
    Gabriele Andersen se esforça para terminar maratona dos Jogos Olímpicos de Los angeles-1984

    Los Angeles, 5 de agosto de 1984. Sob forte calor, é disputada a primeira maratona olímpica feminina, após quase 90 anos de exclusão e discriminação -a prova masculina foi criada nos primeiros Jogos modernos, em 1896.

    Ao longo dos anos 1970, cresceu o movimento para a inclusão das mulheres na mais longa e extenuante prova do atletismo. As maratonas de Boston e Nova York tinham presença feminina. Na Europa, surgiram provas exclusivamente para mulheres.

    Em 1981, o COI aprovou a inclusão da maratona feminina nos Jogos. A primeira edição seria nos Estados Unidos, três anos depois.

    Às 8h do dia 5 de agosto, 50 mulheres de 28 países largaram da pista de atletismo do Santa Monica City College, passando pela autoestrada de Los Angeles e chegando ao Memorial Coliseum, o estádio olímpico.

    A vencedora foi a norte-americana Joan Benoit Samuelson (2h24min52); a brasileira Eleonora Mendonça, única representante do país, foi a última (2h52min19). Seis não completaram a prova.

    A imagem que ficou, porém, foi a do esforço desesperado da suíça Gabriele Andersen, que entrou no estádio com o corpo em petição de miséria. Desidratada e sofrendo cãibras, mal conseguia controlar os movimentos. Mesmo assim, torta e quase desmaiando, completou a prova. Levou cerca de cinco minutos para percorrer a última volta e fechou em 2h48min42, o que lhe valeu o 37º lugar.

    Não ganhou medalha, mas passou à história como exemplo de determinação. Hoje, aos 69, está aposentada e vive em Sun Valley, Idaho, onde já deu aulas de esqui e trabalhou como florista. Nesta entrevista por e-mail, ela lembra seu momento olímpico que completa 30 anos.

    *

    Folha - O que é a primeira coisa que vem à sua mente quando a senhora pensa na maratona olímpica?

    Gabriele Andersen - Penso em como fiquei desapontada por não ter conseguido fazer uma boa corrida naquele dia tão especial.

    O que aconteceu com a senhora no final da prova?

    Sofri de exaustão causada pelo calor, desidratação e tive muita dificuldade para controlar os movimentos de minhas pernas por causa de fortes cãibras.

    O que a senhora se lembra do desenrolar da prova?

    Eu me senti muito bem ao longo da prova, seguindo o ritmo que havia planejado. Depois de 15 milhas (24 km), eu estava em 15º lugar, segundo me disse meu marido, e era exatamente o que eu havia imaginado. Então, depois de 22 milhas (cerca de 35 km), comecei a sentir muito calor, o corpo quente, mas mesmo assim conseguia correr.

    Quando passei pelo túnel, para entrar no estádio, fiquei satisfeita de estar fora do sol por alguns instantes, mas também pensava que eu precisava água para beber e para jogar no meu corpo. Naquela época, porém, havia apenas quatro ou cinco postos de hidratação ao longo do percurso, e os corredores não podia receber nenhum auxílio externo, não podíamos receber nada entre os postos.

    Saindo do túnel, entrando no estádio, eu fiquei realmente chocada com o calor intenso e o brilho do sol. Eu tive de caminhar e mesmo isso foi ficando cada vez mais difícil, porque passei a ter fortes cãibras nas pernas por causa da desidratação. Mas eu sabia que eu precisava fazer apenas uma volta e meia na pista e estava determinada a conseguir completar, ainda que várias vezes o pessoal da organização tenha perguntada se eu queria ajuda ou se eu queria desistir.

    Naquela condição, por que a senhora recusou ajuda?

    Eu estava determinada a terminar a maratona, sabendo que não teria outra chance, pois já estava com 39 anos. Por isso é que eu digo que, além de estar em boa forma física, o atleta precisa estar com a mente forte, preparada para aguentar a dor e o sofrimento e focar no seu objetivo maior, no que realmente deseja.

    O que aconteceu depois de sua chegada?

    Depois de passar a linha de chegada eu me deixei cair ao chão, sabendo que eu havia completado. Fui colocada numa maca e levada para a área de primeiros socorros, no túnel, onde recebi gelo e soro. No início, eu estava com muita dor, sofrendo muito, mas depois de uma hora comecei a me sentir melhor, e depois de duas horas pude ir para a Vila Olímpica. Na manhã seguinte eu me senti muito bem. Saí para uma corrida leve e depois ainda nadei um pouco.

    A primeira maratona olímpica feminina só veio a ser realizada quase 90 anos depois da prova masculina. A que a senhora atribui isso?

    Nunca pude entender por que as pessoas pensavam que mulheres não poderiam correr maratonas. Não é uma questão de força bruta, e as mulheres já vinham se saindo muito bem em natação de longa distância. Então acho que era apenas uma questão de o Comitê Olímpico Internacional ser mesmo muito conservador.

    Quando a senhora correu sua primeira maratona?

    Corri minha primeira maratona na Alemanha em 1973, quando tinha 28 anos. Na época, eu competia em provas de pista, e a maior distância era 3.000 m. Como eu comecei a correr muito tarde, com 25 anos, nunca cheguei a ser muito rápida e me dava melhor em distâncias mais longas. Então, no final daquela temporada de pista, uma amiga e o meu treinador me encorajaram a tentar correr uma maratona. Lembro que corri de agasalho e terminei muito forte, vencendo a prova.

    A corrida é algo muito simples, não precisa de equipamento sofisticado, você pode correr em qualquer lugar, não precisa gastar muito tempo -em resumo, uma maneira muito prática de se manter em forma. Além disso, ajuda a limpar a cabeça, dá um tempo para reflexão. A maratona é o objetivo máximo de muitos corredores, para testar não apenas sua capacidade física, mas também sua força mental.

    Como a senhora chegou à equipe olímpica da Suíça?

    Eu sempre fui uma corredora, exceto por eventuais temporadas de esqui alpino na Suíça. Mas, como cresci em Zurique, nunca tive muitas oportunidades para esquiar. Eu acabei me tornando professora de esqui depois de me mudar para Flagstaff, nos Estados Unidos, quando também pratiquei um pouco de esqui cross country. Morando nos Estados Unidos, eu não tinha mais técnico, e corria apenas por diversão, até mesmo maratonas.

    Quando mudei de Flagstaff, no Arizona, para Sun Valley, em Idaho, passei a esquiar mais (cross country) e a participar menos em corridas, competindo por vários anos.

    Então, em 1981, tive um acidente enquanto esquiava e quebrei o pulso, o que me impediu de continuar esquiando. Na primavera de 1983, corri uma maratona em Boise e fiz um tempo que me qualificava para participar da seletiva olímpica dos Estados Unidos. Até aquele momento, nunca tinha passado pela minha cabeça correr a maratona olímpica, porque eu já tinha 38 anos. Mas, com aquele resultado, resolvi entrar em contato com a federação suíça para ver quais eram as exigências de qualificação. No final de 1983, passei a integrar a equipe olímpica da Suíça.

    Depois da Olimpíada, como seguiu sua carreira?

    Depois da Olimpíada, ainda corri por mais alguns anos, fiz várias maratonas -Nova York, naquele mesmo ano, umas duas no Japão e mais outras nos Estados Unidos. Acho que ainda correi uma dúzia de maratonas antes de me aposentar, o que aconteceu em 1991, depois de uma cirurgia no joelho. Ainda continuei a correr por alguns anos, como amadora, mas por volta do ano 2000 decidi praticar outros esportes: voltei ao esqui cross country e passei a praticar mountain bike. Competi por vários anos e ganhei vários Mundiais de veteranos.

    Que tipo de mensagem sua decisão pode ter passado?

    Que as mulheres podem correr maratonas e, mesmo que tenham problemas, são capazes de superá-los sem efeitos negativos permanentes.

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