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    Olimpíada e Copa não podem ser como circo, diz 'pai do marketing esportivo'

    EDUARDO OHATA
    DE SÃO PAULO

    05/08/2014 02h00

    Precursor do marketing esportivo, que mudou o esporte ao criar o modelo de negócios de Fifa e COI, baseado na venda de publicidade e transmissões para eventos, o inglês Patrick Nally, 67, vê oportunidades perdidas na Olimpíada do Rio, que começa daqui a dois anos, como aconteceu na Copa do Mundo, recém-sediada pelo Brasil.

    O especialista, que teve entre seus clientes Fifa e COI, além de inúmeras federações esportivas internacionais, diz que esses grandes eventos não podem ser como um circo, que chega à cidade, apresenta as atrações, mas após sua saída tudo volta a ser exatamente como era antes.

    *

    Folha - A Copa foi um sucesso?
    Patrick Nally - Em termos de futebol, jogos, empolgação, foi muito bem-sucedida. Mas como evento que teria de deixar um legado foi um fracasso total. Nada foi feito, não havia planos ou estrutura para capitalizar na empolgação da Copa para levar o país ao futuro. E o Brasil voltou a ser o mesmo de antes da Copa. Com a quantidade de dinheiro investido, pressão, questões políticas e riscos, a recompensa não foi tão boa.

    Mas houve muitos elogios à forma como a Copa ocorreu.
    [Enfático] Não. Vocês tiveram sorte. Acho que o Brasil respirou aliviado por tudo ter corrido bem. Alguns dias antes da Copa, todos estavam nervosos, a mídia mundial estava preocupada. Acho que todos agradeceram a Deus por não ter havido crises.

    Rafael Andrade/Folhapress
    O britânico Patrick Nelly, em visita ao Rio em 2011
    O britânico Patrick Nelly, em visita ao Rio em 2011

    O governo e o COI agora fazem elogios à organização da Olimpíada. Se tudo correu bem com a Copa, o mesmo acontecerá com a Olimpíada?
    [Enfático] Não. A Olimpíada é uma tarefa maior. Não envolve apenas um esporte com duas equipes se enfrentando em horários diferentes e em locais diferentes, como na Copa. O Brasil terá um evento logístico envolvendo 28 esportes, muitos dos quais simultaneamente, em locais próximos, com questões de transporte concentrando a pressão em uma só cidade, o Rio. É preciso um plano de legado, envolvendo obras viárias e infraestrutura de transporte. Muitas dessas questões estão sendo decididas, adiadas, canceladas. Desde que ocorra sem problemas, a Olimpíada será vista como bem-sucedida. Mas, como na Copa, pode ser um legado estragado para o Rio. Nesse caso, você até recebe o evento, mas vale a pena?

    O que preocupa mais em relação aos Jogos Olímpicos?
    Do que eu soube, há muita coisa atrasada. Mas após ver como foi a Copa, provavelmente concordo que tudo irá bem com a Olimpíada, como evento. Mas [a preocupação] é organizar algo que tenha significado real para o Brasil como uma nação. Todos se concentram em organizar o evento, cuidar dos visitantes quando chegam e vê-los partir. Mas nada vai ficar.
    É como um circo, que chega, se apresenta, e tudo volta ao que era quando vai embora. Mas, no caso de grandes eventos, você se expõe à mídia global, você gasta dinheiro, investe. Você faz as obras que prometeu, mas não consegue nada de valor, que permanece para a nação, no campo da educação ou na democratização do esporte. Em vez disso, as pessoas se concentram na chegada, na apresentação e na saída do circo.

    A prioridade do COB é o alto rendimento. Você concorda?
    É disso que falo. Londres-12 foi um sucesso, mas o alto investimento nos atletas de elite não deixou sobrar dinheiro para investir na juventude.
    A postura do país que recebe os Jogos deveria ser de democratizar a participação dos jovens, proporcionar o acesso ao esporte e, para isso, você tem que ir à base. E não vejo preocupação com a base, mas só com o circo. A tragédia da Olimpíada é o investimento de milhões e milhões em programas de elite.

    Você vê conflito em Carlos Arthur Nuzman ser o presidente do COB e do Comitê Organizador de 2016?
    Potencialmente, sim. E quando precisar decidir entre a infraestrutura esportiva e os interesses da cidade? Qual chapéu vestirá? Ele tem dois chapéus e, por mais forte que alguém seja, ou mais bem preparado, é impossível vestir dois chapéus.

    O senhor acha que o risco das manifestações já passou?
    Pode ser um problema de novo. Claramente há problemas sociais, e o povo descobriu o poder da comunicação. O povo ficou feliz com a Copa, mas as questões sociais não desapareceram. O governo, COI e o comitê organizador têm de mostrar que o dinheiro está sendo bem utilizado.

    Editoria de Arte/Folhapress

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