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    Com papa, mártir e sonho de voltar a terra prometida, San Lorenzo busca a 1ª Libertadores

    ALEX SABINO
    DE SÃO PAULO

    06/08/2014 12h06

    Durante a Copa do Mundo, o narrador Alejandro Fantino provocava os brasileiros, na rádio "La Red". A cada gol da Argentina, gritava: "eu tenho um Papa. Vocês não têm nada." A frase serviu para a seleção, mas cabe perfeitamente para o San Lorenzo, clube do coração de Jorge Bergoglio, o sumo pontíficie da Igreja Católica.

    O San Lorenzo, que passou a ser chamado muitas vezes apenas como "o time do Papa", começa a decidir hoje a Taça Libertadores contra o Nacional (PAR). Entre os considerados cinco grandes do país, é o único que nunca conquistou o principal título do continente. Boca Juniros, River Plate, Independiente e Racing já levantaram o troféu.

    "Podem pedir apoio espiritual ao Papa e a quem quiserem. Qualquer coisa ajuda. Lutamos muitíssimo para chegar até aqui. O nosso torcedor está perto de tocar o céu", resumiu o treinador Edgardo Bauza.
    Céu, Papa, Igreja Católica, terra prometida, santos... A história do San Lorenzo é povoada pela religiosidade e misticismo. O clube tem até um jogador chamado de "mártir".

    Jacob Urso foi o primeiro atleta da equipe convocado para a seleção argentina, em 1919. Três anos mais tarde, em jogo contra o Estudiantes, levou pancada na região do estômago e cuspiu sangue no campo. Recusou-se a sair e atuou os 90 minutos. Levado às pressas para o hospital, morreu sete dias depois, após passar por duas cirurgias e ter o rim, rompido, extraído.

    A "ascensão" de Bergoglio, cardeal de Buenos Aires ao posto máximo da Igreja Católica, coincide com evolução em campo do San Lorenzo, clube batizado em homenagem ao padre Lorenzo Massa, que incentivava os garotos a jogarem bola no limite dos bairros de Caballito e Almagro, em Buenos Aires.

    Por causa da roupa negra do sacerdote, os jogadores receberam apelido de "corvos".

    Um grupo de torcedores que vai rezar todos os sábados na capela de uma das sedes da agremiação (para pedir proteção e vitórias ao time) quer fazer do padre Massa beato da Igreja Católica, um dos passos para a canonização.

    "Ele fez um milagre. José Luis Perri, um rapaz que colabora na capela, sofreu acidente de trânsito e deve dupla fratura no crânio. Rezamos por ele e saiu do hospital caminhando", diz Maria Auxiliadora, uma das torcedores que oram pelos títulos do time, para o diário argentino "Olé"

    Quando Bergoglio foi escolhido Papa Francisco, a equipe estava metida em luta contra o rebaixamento. Teve de disputar playoffs, em 2012, para evitar a queda para a segunda divisão. No ano seguinte, foi campeão argentino.

    "Foi difícil para colocar as coisas em ordem. O San Lorenzo precisava de mudanças para voltar a brigar por conquistas", receita o presidente Matías Lammens.

    Ele é o cabeça do clube, mas quem mais se movimenta nos bastidores é Mauricio Tinelli, vice-presidente e o rosto mais conhecido da televisão do país, apresentador do programa "Bailando por um Sonho". Após o triunfo no Torneio Inicial de 2013, toda a delegação foi ao Vaticano visitar o Papa Francisco, sócio número 88235.

    O discurso de revolução tem também pitadas de continuísmo. Como é comum no futebol local, o San Lorenzo deve salários para boa parte do elenco. Alguns foram às redes sociais cobrar publicamente a quitação dos débitos.

    O Ciclón (outro dos apelidos) está agora a 180 minutos de conquistar o título que lhe falta e acabar com as várias piadas dos adversários. Uma delas é a de que o "San Lorenzo tem mais papas do que Copas [Libertadores]". Outra é de que se você quiser ver as taças de campeão sul-americano da equipe, "basta ir ao Carrefour".

    Esta brincadeira dói mais que as outras. Porque mexe com o desejo do torcedor de voltar ao local que considera sua casa. A terra prometida. Em 1979, durante a ditadura militar, o Gasômetro, estádio do time desde 1916, foi desapropriado para uma "remodelação urbana na capital". Pela lei, no local não poderia ser construído um supermercado. O San Lorenzo recebeu US$ 900 mil para se mudar para outro campo, que passou a ser chamado de Novo Gasômetro.

    Apesar da legislação, onde antes era a casa do clube, hoje está um Carrefour, que comprou o terreno em 1983 por US$ 8 milhões.

    A câmara de Buenos Aires já abriu a porta para que a região seja novamente desapropriada e o San Lorenzo possa voltar ao bairro de Boedo, desde que chegue a um acordo com a cadeia de supermercados. Antes disso, há a missão de ganhar a primeira Libertadores.

    "Se o papa rezar por nós, ficamos felizes. Qualquer ajuda é bem recebida. Mas vamos fazer de tudo para que não seja necessário", afirma o meia Pipi Romagnoli.

    Reprodução/Twitter.com/SanLorenzo
    Papa, que é torcedor do San Lorenzo, segura flâmula do clube na época que ainda era cardeal
    Papa, que é torcedor do San Lorenzo, segura flâmula do clube na época que ainda era cardeal
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