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    Garoto que rejeitava o nome Malcolm X é esperança para o Corinthians

    ALEX SABINO
    DE SÃO PAULO

    24/09/2014 08h35

    Malcom tinha oito meses quando ganhou a primeira bola. Nem conseguia ficar de pé, mas já a chutava. De esquerda.

    "Esse moleque vai ser canhoto", decretou logo o avô, Edson, jogador de times amadores da Vila Formosa, zona leste de São Paulo, onde a família morava.

    Ninguém levou fé. Uma criança quem nem tinha dado os primeiros passos não poderia ter definido a perna preferida.

    Quando balançou o corpo na frente do zagueiro do Chapecoense, no último dia no 18, Itaquerão, 17 anos depois, Malcom completou com um chute forte para fazer o primeiro gol como atleta profissional. De esquerda.

    A trajetória do atacante que virou titular de Mano Menezes no Corintthians tem sido a de desafiar probabilidades. No final de 2013, tentava achar lugar na equipe que disputaria a Copa São Paulo. Fez parte do elenco Sub-17 campeão paulista. Subiu para o profissional. Voltou para as categorias de base pouco depois.

    Robson Ventura - 21.set.2014/Folhapress
    O atacante Malcom, do Corinthians, tenta uma finalização em partida contra o São Paulo
    O atacante Malcom, do Corinthians, tenta uma finalização em partida contra o São Paulo

    Repetiu a história de tantos garotos que tropeçam na hora de fazer a última transição na carreira.

    "Eu não fico surpreso com o futebol dele. Sempre soube que tinha talento. Surpreende a precocidade. Outros jogadores mais velhos do que ele subiram para a equipe principal e não deram certo", afirma Edison Rocco, supervisor do departamento amador do Corinthians, o homem responsável pela descoberta de Malcom.

    Rocco não é o único surpreso. Os novos companheiros não esperavam que o menino conseguisse sucesso tão repentino. Mano queria um atacante de peso mesmo depois de observar que Malcom tinha potencial. Os diretores de base ficaram animados por uma revelação do clube conseguir espaço entre as cobras criadas.

    Nem a família dele esperava que tudo acontecesse tão rápido.

    "Eu fico meio assustada com tudo isso", confessa a mãe, Flavia de Oliveira.

    É misto de susto com orgulho. Por causa disso, desanda a contar histórias do filho. Uma atrás da outra. Como se quisesse compartilhar a alegria.

    Foi ela quem levou-o para fazer teste no Corinthians, em 2007, com outras 400 crianças. Ele tinha 11 anos e foi o único aprovado. Rocco já o conhecia. Havia recebido indicação de um técnico de futsal do Esperia, clube de São Paulo.

    Quando começou no Parque São Jorge, Malcom passou a receber ajuda de custo que hoje seria equivalente a R$ 300. Ele continuava batendo bola no Buraco Quente, um local no bairro em que sempre se encontrava com os amigos, quase todos corintianos.

    Profissional, hoje ganha R$ 10 mil mensais e um novo contrato (e o aumento) está a caminho. Seu agenciamento é feito pela Elenko Sports, a mesma empresa que cuida da carreira de outros integrantes do elenco profissional, como Petros e Uendel.

    Mudou-se para apartamento no Tatuapé, outro bairro da zona leste, mais identificado com a classe média. Já foi reconhecido na região e ganhou o status de "jogador do Corinthians". O porteiro pediu para tirar foto com ele. Crianças vizinhas deixam bilhetes por baixo da porta desejando-lhe sorte. Há também o assédio feminino... A namorada, Jennifer, 17, faz marcação que, segundo a mãe de Malcom, é "mais forte que a do Lúcio" (zagueiro do Palmeiras).

    Malcom vive os primeiros dias da fama, do reconhecimento e das benesses de ser atleta profissional de futebol no segundo clube mais popular do país. Tudo é novo. Tudo é diferente. Invariavelmente, tudo é bom.

    "Moleque, baixa a bola e continua do mesmo jeito. Você só fez um gol", foi o conselho que ouviu dos jogadores mais velhos ainda no vestiário, logo após a partida com o Chapecoense.

    Foi um alerta bem intencionado. Os colegas gostam de Malcom. Incentivam-no a não se intimidar diante de nenhum marcador. Orientam, ensinam, dão incentivos e broncas.

    "Quando eu comecei, tive gente que me ajudou nesses aspectos. Como o Jefferson, goleiro do Botafogo. Eu tento fazer a mesma coisa por garotos como o Malcom", ressalta Gil.

    Por causa do medo da exposição excessiva, o Corinthians o tem impedido de aparecer na imprensa ou dar entrevistas.

    O medo de dona Flavia é outro.

    "Eu sempre fui fanática pelo Corinthians. Era de torcida organizada e ia aos jogos. Adorava o Neto e vi como ele foi chutado do clube depois de perder uma final para o Palmeiras. O que eu digo para o Malcom é manter a cabeça no lugar porque no futebol, as coisas mudam muito rápido".

    É a aflição de mãe que a faz assistir às partidas pela televisão, mas correr para a cozinha ou para o banheiro a cada ataque. Ela quer ver, mas ao mesmo tempo não quer. Sonha que o filho faça um gol, mas fica petrificada de medo que perca uma chance clara.

    A MENSAGEM

    "Mãe, fica calma. Não fica nervosa que hoje eu vou fazer um gol para a senhora".

    Flavia quer dar um jeito de armazenar a mensagem em DVD ou no computador. Tem medo de perder o celular em que o SMS está gravado. É o texto que Malcom lhe enviou uma hora antes de realmente balançar a rede pela primeira vez pelo time principal do Corinthians.

    Ela se acostumou a ir a todos os partidas do filho, mas não tem feito o mesmo nos últimos tempos. Está grávida de dois meses. Aos 36 anos, vai dar outro irmão (ou irmã) a Malcom além de Samuel, 15. Evita ir ao campo para não ficar ansiosa, embora fique exatamente deste jeito vendo (ou evitando ver) tudo pela TV.

    "Mãe, eu broquei", foi a outra mensagem que enviou após a partida.

    Flavia não entendeu direito. Depois soube que "brocar" é fazer gol.

    Da mesma forma que não compreendeu, há 17 anos, porque o pai de Malcom queria lhe dar esse nome. Preferia Filipe. Pesquisou e viu que seria uma homenagem ao líder do movimento negro norte-americano dos anos 60.

    Concordou. Mas o batizou de Malcom Filipe. Só o chamava pelo segundo nome, assim como todos em casa. Malcom era apenas um nome de batismo, escrito errado pelo escrivão. O certo seria Malcolm, como o homenageado dos Estados Unidos.

    Na escola, tinha o boletim recheado de faltas, apesar de estar sempre na sala. Quando a professora fazia chamada, ele dizia "presente" quando ouvia Filipe ou Felipe. Não quando "Malcom" era anunciado.

    Acostumou-se mais com o primeiro nome no Corinthians, onde viveu os últimos sete anos.

    "Ele parece tímido, mas só parece. Tem facilidade para fazer amizade e é capaz de agregar o grupo. Faz muito bem ter um menino como o Malcom", completa Edison Rocco.

    Depois do gol contra o Chapecoense, ele foi titular no clássico com o São Paulo, no último domingo (21). Jogou bem. Deu passe para Guerrero no lance em que aconteceu o segundo pênalti corintiano. Mano Menezes elogiou sua personalidade. Deve mantê-lo para enfrentar o Figueirense nesta quarta (24).

    De novo, dona Flavia estará com a televisão ligada, mas correndo entre a cozinha eu banheiro, vendo uma coisa ou outra. Malcom vai tratar a bola do mesmo jeito com que chutou a primeira que ganhou aos oito meses.

    De esquerda.

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