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    Torcedores já compram pacotes no cemitério do Corinthians

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE SÃO PAULO

    10/11/2014 02h00

    David Sanchez, que "não deixava entrar verde em casa, só salada", telefonou para casa dias antes do Natal de 2012. Membro da organizada corintiana Gaviões da Fiel, anti-Palmeiras até o fim, "ele disse que podia até morrer. Estava muito feliz porque tinha visto o Corinthians ser campeão mundial no Japão".

    Seis meses depois, Domingos estava muito triste porque tinha visto o filho ser declarado morto no hospital. David tinha 32 anos quando, no dia 5 de junho de 2013, um carro na contramão atingiu em cheio sua moto. Morreu uma semana depois.

    O pai guarda a urna com as cinzas do "torcedor desde criancinha" em seu escritório de advocacia. Queria jogá-las no Itaquerão, o estádio do Corinthians. Bolou um novo plano quando a mulher assistiu ao comercial do Corinthians para Sempre na TV.

    Moacyr Lopes Junior/Folhapress
    Francisco Bento, 53, já paga por vaga no cemitério corintiano; e treina em casa
    Francisco Bento, 53, já paga por vaga no cemitério corintiano; e treina em casa

    Trata-se de um cemitério, recém-divulgado pelo clube, "para quem é Corinthians do início ao fim", como zela o slogan. A previsão é que abra no segundo semestre de 2015, em Itaquaquecetuba, a meia hora de São Paulo.

    A escolha do local foi estratégica, segundo Ricardo Pólito, CEO do Grupo Memorial, que fechou parceria com o clube. A legislação paulistana diz que a urna funerária deve seguir o padrão determinado pela prefeitura. Em municípios sem essa exigência, ela pode ser customizada em preto e branco, a gosto do freguês alvinegro.

    E ai da grama do vizinho ser mais verde. "Nossa grama será preta. Quer dizer, verde-escura, mas é quase preta", afirma Pólito, que se define como um cliente do seu próprio negócio."Sempre tive imagem da morte como uma coisa terrível. Agora a morte não é tão ruim assim."

    Há quem pense diferente na comunidade do projeto no Facebook. Por lá brotam comentários do tipo"sou Timão mas tô fora, credo". Um internauta torcia contra: "Tem que enterrar esses caras no Amapá, bem longe. Ô, raça!"

    TRÊS CATEGORIAS

    O cemitério terá 70 mil espaços espalhados por 402 mil m², pouco mais da metade do campo-santo de Vila Formosa, na zona leste paulistana, o maior da América Latina.

    Os preços da pré-venda são promocionais. Domingos pagou R$ 600 num cinerário para os restos mortais de David, na quadra "Minha Vida". Há ainda a quadra "Minha História", mais em conta para a hora da morte –R$ 480.

    Com três gavetas, os jazigos custam de R$ 1.800 a R$ 3.120 e podem ser parcelados em 20 vezes. Após o lançamento, a fatura subirá para até R$ 7.800.

    O cantinho mais VIP ficará na quadra "Meu Amor", réplica de um campo de futebol onde caberão 2.500 moradores póstumos. Ídolos alvinegros terão cem túmulos reservados nesse terreno.

    Ex-jogadores vivos, como Biro-Biro, Basílio e Geraldão, já têm vaga cativa. Há conversas com a família de Sócrates (1954-2011). Morto em julho, o comentarista esportivo e corintiano roxo Osmar de Oliveira terá sua ossada transferida para lá, diz o gerente de marketing do Corinthians, Alexandre Ferreira.

    ESTILIZADO

    A bandeira do Corinthians cobriu o caixão do Dr. Osmar. A empreitada fúnebre colocará à disposição serviços afins: seguro de vida, assistência funeral e cerimonial de despedida com coroa de flores personalizada e hino do clube ao fundo. Os planos começam em R$ 15 mensais.

    Aos 53, Francisco Bento espera "demorar bastante" até usufruir do pacote adquirido. Mas "vai que", né? Pagará a primeira das 20 parcelas de R$ 156 por um jazigo no cemitério. "A única coisa certa que a gente tem é morrer."

    A mulher e um filho torcem para o São Paulo, enquanto ele e outro rebento são corintianos. Ela ainda não quer pensar no momento do "até que a morte nos separe". Francisco não sabe se a família ficará unida no final das contas mundanas. "Cada um torce para o seu. Se quiser, vai; se não quiser, não vai."

    Fotografia e reportagem FELIX LIMA e RODRIGO MACHADO edição BRUNO SCATENA

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