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    Não gostei do Campeonato Brasileiro, diz Falcão

    LUIZ COSENZO
    RAFAEL VALENTE
    DE SÃO PAULO

    21/12/2014 02h00

    Paulo Roberto Falcão, 61, ex-jogador e comentarista, não gostou do Brasileiro deste ano. Aliás, acha difícil alguém ter gostado. Aponta como motivo principal o baixo nível técnico.

    Craque do Brasil nas Copas de 1982, quando o Brasil mostrou muita qualidade e não foi campeão, e 1986, Falcão acaba de voltar ao país após intercâmbio no Real Madrid, onde observou e trocou informações com o técnico italiano Carlo Ancelotti.

    Amigos desde quando jogaram na Roma, nos anos 80, eles compartilharam métodos de treino, ideias sobre futebol e, evidentemente, discutiram os problemas.

    Em entrevista à Folha, Falcão disse que vê muitos erros de planejamento nos clubes brasileiros e que a saída é investir em uma melhor formação na base.

    Ainda abordou sua atuação na Federação de Técnicos, onde é vice-presidente, e o desejo de mudar a profissão no Brasil. Sobre a seleção, disse que este é o único tema que não o preocupa "porque sempre teremos uma boa equipe".

    *

    Folha - Como foi esse intercâmbio no Real Madrid?
    Paulo Roberto Falcão - Não foi o primeiro. Já fiz outros, inclusive com o José Mourinho. É uma troca. Permite sacar ideias para aplicar no Brasil. É bom falar com pessoas que tem uma preocupação tática maior. Vou citar uma frase que Nils Liedholm, o mesmo que jogou a final da Copa-1958 contra o Brasil e meu técnico na Roma, dizia em 1980: 'Paolo, os brasileiros deveriam viajar o mundo ensinando técnica e os europeus deveriam ir à América do Sul para ensinar tática'.

    Na prática, o que observou de diferente?
    Sempre tem algum detalhe para agregar. Os exercícios nos treinos são dinâmicos, permitem variação. Geralmente são atividades de posse de bola, marcação. O objetivo é o mesmo: ter a posse de bola.

    Teve contato com Mourinho e com Ancelotti. Quem é o melhor técnico da atualidade?
    Ancelotti. Ele ganhou a Liga dos Campeões muitas vezes e é o atual campeão. Evidentemente que estamos falando de [uma lista com] Mourinho e Guardiola também. Poderia botar o Fabio Capello. Temos gente competente como Van Gaal, Simeone, mas o momento é do Ancelotti. Ele fala a linguagem dos jogadores, sabe as dificuldades e, quando tem de pesar no vestiário, ele pesa.

    Por quê não há treinadores brasileiros treinando nos grandes centros do futebol?
    [Pausa] Não sei. É uma pergunta que muitos fazem, mas eu não tenho resposta. Acho que ninguém tem resposta.

    O idioma é uma barreira?
    Eu treinei a seleção do Japão. De fato, o treino demora mais. Você tem de passar as instruções para o interprete e ele transmite aos jogadores. Mas a linguagem da bola não é tão difícil. O Guardiola acertou com o Bayern e aprendeu alemão. Falar o idioma, claro, ajuda. Mas a língua não é uma barreira. Não é a resposta porque os treinadores brasileiros não estão em times de ponta da Europa.

    Acha que o emocional foi determinante na Copa?
    Nós perdemos a Copa porque jogamos com um time melhor. A gente acha que é melhor do mundo. E a gente não é há horas. Na Copa, enfrentamos uma seleção muito melhor. O 7 a 1 foi fora do comum, perder para a Alemanha não. O emocional pesou contra o Chile. Acho que pela primeira vez os jogadores sentiram a possibilidade de sair da Copa.

    A escolha de Dunga foi correta?
    A seleção não tem de ser nossa preocupação. A seleção é reflexo. Hoje, 90% da seleção joga fora do Brasil, em times top. Os times brasileiros é que têm de ser a preocupação. Eles têm de ser fortalecidos porque é possível achar 30 jogadores fora em condição de servir a seleção. Agora, se fizermos uma convocação com aqueles que jogam no Brasil, aí vai ter um pouco de dificuldade.

    O que achou do Campeonato Brasileiro?
    Eu não gostei. Acho que ninguém gostou. Vocês gostaram?

    Mas o que te desagradou?
    Tecnicamente não foi bom. É um campeonato difícil, mas se tivesse um trabalho para cada time ter quatro ou cinco craques daria uma valorizada. É difícil. Mas teoricamente temos 12 clubes de ponta no Brasil esses times é que dão um colorido ao campeonato. Mas você vê o Palmeiras com dificuldade, o Botafogo com dificuldade. Isso reflete no nível técnico. O Cruzeiro foi uma exceção.

    Por quê?
    O Cruzeiro disparou. Dentro da normalidade, os times do G-4 deveriam ter terminado mais próximos do Cruzeiro, mas ficaram pelo caminho. É reflexo do [nível técnico abaixo]. O Cruzeiro criou um grupo legal, o que é fundamental. Tem um bom time titular e sete reservas de nível, ou seja, 18 jogadores de qualidade que é o que defendo. Quando sai um titular quem entra não muda muito o time. Mantém a qualidade. Há times no Brasil com 35 ou 40 jogadores. Falei isso ao Ancelotti e ele não acreditou. Não tem qualidade de treino com tantos jogadores.

    Este é o principal problema?
    Não temos um só, senão era uma barbada resolver. É difícil elencar, mas acho que tudo se resume a base. Temos de fortalecer a base, mas com profissionais escolhidos a dedo e com objetivo de trabalhar a qualidade técnica. O título do técnico na base tem de ser revelar jogadores. Tem de qualificar os guris para eles serem promovidos.

    Mas a queda na qualidade técnica no Brasil não vai em refletir na seleção?
    A seleção hoje tem Neymar jovem. Oscar, Willian e Lucas. O Dunga tem jogadores para trabalhar ao longo do tempo. E sempre vão aparecer bons jogadores. O problema é que eles deixam nossos clubes muito cedo. A gente sempre vai ter uma boa seleção. Hoje, você faz uma renovação com jogadores que já estão na Europa. É uma renovação na escalação. Por isso a tendência é termos sempre uma seleção forte. Mas os clubes têm de ser fortalecidos para que, independentemente da seleção, nós tenhamos campeonatos com qualidade.

    Qual seu papel na Federação de Técnicos e o que espera conseguir?
    O objetivo é a valorização do treinador. Temos de respeitar mais a profissão. Entrei com a proposta de reunir o trio dirigentes, executivos e treinadores numa situação que todos possam sair ganhando. Se o clube mandar o técnico embora, tem de arcar. Se for o treinador que sair antes, ele também tem de arcar. O importante é que possa haver tempo para trabalho. Defendo um contrato de no mínimo um ano para o profissional ter tempo de desenvolver o trabalho. Acho que isso também ajuda os clubes. Tem times que tiveram quatro técnicos no ano. Não deu certo o primeiro e você troca. Mas trocar de novo será que o problema é mesmo o técnico?

    *

    RAIO-X

    NOME Paulo Roberto Falcão
    NASCIMENTO Abelardo Luz (SC), em 16.out.1953 (61 anos)
    COMO JOGADOR Inter (1973-80), Roma (1980-85) e São Paulo (1985-86)
    COMO TREINADOR Sel. brasileira (1990-91), América (MEX) (1991-93), Inter (93), sel.do Japão (94), Inter (2011) e Bahia (2012)

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