A avenida Doutor Francisco Loup acompanha toda a orla da praia de Maresias. Nela, fica a sorveteria que Gabriel sempre frequentou; fica também a Praça do Surfe, onde Gabriel conheceu aos seis anos os amigos surfistas que mantém até hoje. A avenida é o berço de Gabriel, que o mundo agora conhece pelo sobrenome da avó, Medina, o primeiro brasileiro campeão mundial de surfe.

Na próxima quarta-feira (24), ele estará no topo de um caminhão do Corpo de Bombeiros que atravessará a mesma avenida. Ela estará apinhada de amigos, que na sexta (19) acompanharam em um telão na Praça do Surfe a transformação do "Gabrielzinho" em mito. Ao lado deles estará uma multidão de novos fãs do surfista.

Neste domingo (21), dona Aurora, 71, não consegue andar 100 metros na praia sem ser interrompida. Uma senhora elegante de cabelos negros, óculos escuros e chapéu, ela responde aos apelos de "vó" dos marmanjos que a abordam.

Ela é Aurora Medina, avó de Gabriel, portadora do sobrenome adotado pelo atleta. Ela corresponde com simpatia, pois está "em alfa".

"Meu neto me deu a maior alegria da minha vida inteira", diz, com lágrimas nos olhos.

Mas a emoção não vem da fama nem do dinheiro. Como ela diz com sotaque latino, "não ligo para os cifrões".

Os olhos rasos d'água vêm de quem sabe a batalha que enfrentou para colocar um menino na crista da onda.

Nascida em Concepción, cidade chilena aos pés da Cordilheira dos Andes, ela emigrou para Moscou com apenas 22 anos, com uma bolsa de estudos. Quatro anos depois, mudou-se para o Brasil para se casar com um homem nascido no país.

"Sempre soube que o dinheiro não é o mais importante. Sempre dei livros para o Gabriel, e o primeiro que dei foi 'O velho e o mar', de Ernest Hemingway", confidencia.

	Eduardo Knapp/Folhapress
	Aurora Medina,71, avó de Gabriel Medina brinca na água da praia de Maresias

Amigos de infância de Medina contam que quando ele ainda tomava seus primeiros caldos, ele ajudava a família tomando conta de carros na orla da praia durante a tarde. Quando não estava na escola ou nesse 'trabalho', ele já fazia a diferença no mar.

É o que conta Márcio Grillo, 21, que esteve ao seu lado na praia, na praça e na escola, e hoje também é surfista profissional.

"Ele sempre teve um estilo muito fluido, e agora todo mundo está vendo. Ele inova nas manobras em pleno circuito mundial, e força todo mundo a voar mais alto para alcançá-lo. Com 16 anos, ele já ganhava baterias de caras de mais de 20 anos aqui em São Sebastião", conta Grilo.

Nas ruas, não é difícil encontrar jovens com as bermudas em tons de azul e cor-de-rosa da linha da marca Rip Curl que conta com sua assinatura. Vez por outra, cruza-se com pessoas que vestem camisetas verde-e-amarelas com o nome de Medina estampado nas costas.

Ao longo da Francisco Loup, é possível ver pelo menos seis faixas comemorando o feito de Medina e parabenizando a ele e sua família pela conquista. Pouco antes da entrada de Maresias, há uma grande faixa em que se comemora o feito do 'caiçara' por eleição - Medina é paulistano, nascido em hospital da zona norte da cidade.

Na Praça do Surfe, com seus celulares, os garotos exibem orgulhosamente fotos com Gabriel e empolgam-se com vídeos da folia na noite em que o amigo famoso virou campeão mundial.

Tudo isso contrasta com a personalidade do garoto, descrito por todos como "tímido". "Ele é espartano", brinca sua avó.

"Sempre brinquei que ele era o [bailarino russo Rudolf] Nureyev dos mares, mas agora que ele ganhou, é o Teatro Bolshoi inteiro", diverte-se, resumindo: "meu neto é um bailarino das ondas".

O estilo artístico do surfe de Medina também é ilustrado por Grillo: "o surfista que ele admira desde pequeno é o [australiano] Mick Fanning. Ele sempre falava que ele riscava as ondas de maneira mais bonita. E agora ele faz isso melhor", lembra o amigo.

Maresias vive dias em que se mostra como um museu vivo de um ídolo recém-criado. Todos recintos fazem referência a Medina, seja por imagens, seja pelas conversas de seus conhecidos que não falam de outra coisa.

Mas dona Aurora revela o desejo e talvez o segredo do atual melhor surfista do mundo: "vamos passar o Natal juntos, como sempre fazemos. Somos uma família que viveu percalços, mas nunca abrimos mão de estarmos juntos". Para não deixar dúvidas sobre o estado de espírito da família, ela canta uma música da chilena Violeta Parra – "Gracias a la vida que me ha dado tanto [Obrigada à vida que me deu tanto]".

	Eduardo Knapp/Folhapress
	Marcio Grillo,21, sufista de prancha com remo, aguarda chegada do amigo e campeão mundial de surf, Gabriel Medina