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    Queniano vence a pobreza e se torna recordista mundial da maratona

    RODOLFO LUCENA
    DE SÃO PAULO

    24/12/2014 02h00

    Comprar para os pais uma casa com luz elétrica foi o primeiro grande investimento que Dennis Kimetto fez ao ganhar dinheiro com corridas.

    O queniano já era "velho" para o esporte: começara a treinar a sério em 2011, com 27 anos; três anos mais tarde, se tornaria o primeiro homem da história a correr uma maratona em menos de duas horas e três minutos. Em Berlim, em setembro, bateu o recorde mundial da distância ao vencer a prova em 2h02min57.

    "Corrida para mim é vida, é boa forma, é riqueza", diz o corredor em entrevista à Folha realizada por e-mail.

    Kimetto, 30, enfrentou a pobreza na maior parte da vida. Nos últimos três anos, porém, o dinheiro vindo graças ao desempenho nas provas de 42.195 m deu um alívio e tanto –só o recorde mundial lhe valeu mais de US$ 150 mil (mais de R$ 409 mil).

    "Comprei terra e gado para mim e algumas casas para alugar, para garantir uma renda mensal. Ajudei parentes que não têm dinheiro a pagar a escola das crianças e participo de campanhas para construir igrejas", afirma.

    Foi tudo o resultado de uma aposta. Até os 27 anos, ele trabalhou na lavoura ou cuidando de gado de grandes proprietários. Fazia isso desde pequeno, quando ajudava os pais no serviço. Trabalhava oito horas por dias, de segunda a sábado. O futuro não lhe parecia grande coisa.

    "Em 2011, larguei tudo e tentei a sorte. Eu adorava correr e ouvia as pessoas falarem que você poderia ganhar um bom dinheiro", explica.

    "Eu já corria antes, mas não seriamente. Eu me dei cinco anos para me tornar um bom corredor, treinar bastante e chegar a participar de competições internacionais. Se não conseguisse, abandonaria as corridas e iria tentar outra coisa. Eu consegui e bem antes do planejado..."

    REVIRAVOLTA

    O que mudou a vida de Kimetto foi o encontro com Geoffrey Mutai, então o maratonista mais rápido do planeta –mas não o recordista mundial, pois sua marca de 2h03min02 fora obtida em circuito não sancionado pela Iaaf (a Fifa do atletismo).

    Nos seus treinos, costuma encontrar com os corredores do grupo de Mutai. Certeza vez, tomou coragem e conversou com o próprio. "Eu o admirava muito e disse que gostaria que ele me aceitasse para participar do treinamento em Kapng'etuny (na periferia de Eldoret, 'meca' dos corredores no Quênia)."

    Kimetto não era conhecido nem tinha boas marcas em provas nacionais. O resultado de que mais se orgulhava era um quinto lugar em uma corrida na escola primária, quando estava na quinta série e enfrentou garotos maiores numa prova de 5.000 m.

    "Mesmo assim, eles disseram que eu seria bem-vindo. Para fazer parte do grupo de treinamento, não é preciso ter currículo, o que é necessário é dedicação", conta.

    Os resultados surgiram rapidamente. No mesmo ano, ganhou uma meia maratona em Nairóbi e logo conquistou importantes vitórias no terreno internacional. Estreou na maratona pouco depois: seu debute, em 2012, foi o mais rápido da história em um trajeto válido para recorde.

    Ele não deu bola para as polêmicas e seguiu evoluindo. "Quando venci em Chicago, ano passado, sabia que tinha condições de quebrar o recorde mundial. Estava pronto para fazer a tentativa em Berlim, ainda que não fosse uma certeza. Quando, na corrida, percebi que estava em ritmo de recorde, fiquei mais determinado. Consegui."

    A prova começara lenta. Até a metade, o primeiro pelotão estava aquém do exigido para o recorde mundial de então (2h03min23), estabelecido ali mesmo em Berlim, em 2013, pelo também queniano Wilson Kipsang. A partir do km 30, os líderes aceleraram e, no km 37, Kimetto finalmente passou Emmanuel Mutai (não é parente de Geoffrey) e seguiu para a vitória.

    Calmo, não festejou efusivamente. Em casa, porém, sua mulher, Caroline Jepkorir, teve um desmaio: "Estou tão feliz que nem sei o que dizer, nem consigo compreender o que aconteceu", disse ela à imprensa queniana.

    Kimetto compreendeu muito bem. E gostou. "Quero continuar no topo", diz ele, que quer representar o Quênia no próximo Mundial de atletismo e no Rio-2016.

    Até lá, talvez, a marca das duas horas na maratona poderá estar balançando.

    Que vai cair, Kimetto não tem dúvida, confiante na qualidade dos jovens atletas de seu país. Mas adverte: "É preciso ter muita determinação e mente forte".

    ESTREIA CONTROVERTIDA

    Eram os metros finais da maratona de Berlim de 2012. Dois quenianos vinham sozinhos na frente, como costuma acontecer nessas provas.

    Geoffrey Mutai, famoso mundialmente e com várias vitórias no currículo, estava na frente, mas parecia cansado, prestes a ser superado pelo estreante Dennis Kimetto. A ultrapassagem, porém, não aconteceu, gerando especulações de final arranjada, pois o debutante era pupilo do veterano.

    "Já me fizeram essa pergunta muitas vezes, mas o que eu sempre digo é que eu posso ter parecido estar forte, mas o fato é que por dentro eu estava muito cansado e só pensava em terminar a prova. Eu não tinha experiência, quem tinha era Mutai", disse Kimetto na entrevista à Folha.

    Ele completou em 2h04min16, com respeito um segundo de diferença para o campeão. Recorde para um estreante em circuito referendado pela IAAF, foi na época o quinto melhor tempo na história.

    Apesar dos comentários surgidos na imprensa especializada, o resultado nunca foi oficialmente contestado, ainda que os contendores sempre sejam interrogados a respeito. O próprio Mutai, no ano passado, disse a este repórter em entrevista realizada em São Paulo.

    "Há muita conversa. As pessoas dizem que foi planejado. Mas eu não tinha a menor ideia do que iria acontecer. Eu não sabia que ele podia correr uma maratona daquele jeito. Perguntei a ele por que ele me esperou, por que ele não foi? Ele me disse que simplesmente queria chegar ao final. Eu não sei o que passou na cabeça dele, eu sei que eu queria apenas completar a prova."

    *

    RAIO-X
    DENNIS KIMETTO

    PERFIL Nascido em 22.jan.1984, em Keiyo, no Quênia. É casado com Caroline Jepkorir e tem um filho, Alpha Kibet. Tem 1,71 m e pesa 55 kg.
    FAÇANHA Atual recordista da maratona: 2min02s57 (Berlim-2014).

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