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    Pelezinho já foi personagem de tiras que uniam política e humor

    RAFAEL VALENTE
    DE SÃO PAULO

    04/01/2015 02h00

    No Brasil, o nome Pelezinho ficou famoso em 1976 por batizar o personagem criado por Maurício de Sousa, o "pai" da Turma da Mônica, e que relembrava a infância do Rei do Futebol.

    Mas, 12 anos antes, existiu outro Pelezinho, que circulou na edição paulista do jornal "Última Hora" e tinha uma preocupação com política.

    Embora menos famosa, a versão politizada do Pelé mirim foi criada pelo então estudante de medicina Takuyuki Kanni. Ela durou apenas quatro meses, foi publicada de janeiro a abril de 1964 –quando o jornal passou a sofrer com a censura imposta pela ditadura militar.

    O propósito das tirinhas publicadas no "Última Hora" era unir política com humor.

    Arquivo Pessoal
    Diário fazia críticas à influência de Lincoln Gordon, então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, na política do país durante a década de 1960, antes do golpe militar
    Diário fazia críticas à influência de Lincoln Gordon, então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, na política do país durante a década de 1960, antes do golpe militar

    Assim, às vésperas do golpe militar no Brasil, o Pelezinho de Kanni defendia a liberdade de expressão, a igualdade de direitos entre as pessoas e reformas sociais.

    Nem sempre o personagem era pivô desses discursos. Às vezes, era a ingenuidade de Pelezinho que servia como pano de fundo para o humor.

    Em uma das tirinhas, por exemplo, ele é questionado sobre quais reformas de base deveriam ser priorizadas no Brasil. Responde que as do meio de campo, citando que a dupla Didi e Zito, campeões mundiais pela seleção em 1958 e 1962 e já veteranos, precisava ser substituída para a Copa do Mundo de 1966.

    Em outra, opina que uma forma de adiar a "Revolução" (o golpe militar) para 1965 seria antecipar o Mundial da Inglaterra de 1966 para 1964.

    "Naquela época, não se cobrava conduta política dos jogadores. Não era o papel deles. Hoje, as pessoas cobram mais participação. Sou fã do Pelé, acho que ele gostaria das minhas tirinhas, mesmo com esse teor político", avaliou Kanni, 76, para a Folha.

    ORIGEM

    Se o Pelezinho de Maurício de Sousa nasceu após negociação de quase três anos com Pelé, a versão de Kanni surgiu de forma mais rápida.

    Na época, Kanni tinha 26 anos, cursava medicina na USP e era conhecido por produzir charges políticas de humor e publicá-las no centro acadêmico. Os alvos eram seus professores e colegas.

    "Um dia, um colega me apresentou ao Jorge Cunha Lima, diretor da edição paulista do Última Hora'. O jornal era muito politizado e ele tinha interesse em iniciar uma tirinha política. Aí surgiu o convite", disse Kanni.

    "Desenhei um negro, com topete. Talvez inspirado no Pelé. Não lembro. O fato é que ficou parecido. Todos acharam isso e batizaram a personagem como Pelezinho".

    Pelé tinha 23 anos, quatro títulos mundiais –dois pela seleção e dois pelo Santos– e já era uma referência do futebol em todo o mundo. Por isso, a possibilidade de ter um personagem que tivesse relação com o principal astro do esporte mais popular do país agradava a todos.

    "Incumbiram o Ricardo Amaral, na época colunista social do jornal para pedir autorização ao Pelé. Eles eram próximos e as coisas eram mais simples em 1964. Ele autorizou verbalmente usarmos o nome Pelezinho", disse.

    A primeira tirinha foi publicada em 28 de janeiro de 1964, com o título "As aventuras de Pelezinho". Depois foram publicadas quase diariamente até 27 de abril.

    MAIS PERSONAGENS

    As historinhas fizeram sucesso e outros personagens foram criados.

    "Tinha um playboy, que representava a direita. Uma menina, aluna de filosofia da USP, que era a esquerda. O industrial era a extrema direita. Havia um padre, representando a igreja".

    Com o golpe militar, a publicação foi interrompida e as tirinhas nunca mais foram publicadas pelo jornal.

    "Nunca mais desenhei o Pelezinho. Assim que conclui o curso de medicina, me mudei para o interior e não ficava bem assumir posição política. Pelezinho ficou de lado e as tirinhas que sobreviveram foram guardadas pelo meu pai", diz o hoje cirurgião geral.

    Moacyr Lopes Junior/Folhapress
    Takuyuki Kanni com sua criação para o 'Última Hora
    Takuyuki Kanni com sua criação para o 'Última Hora'

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