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    Saída de Neymar, salários e dívida com cartola explicam crise no Santos

    ALEX SABINO
    DE ENVIADO ESPECIAL A SANTOS

    18/01/2015 02h00

    Ao se sentar pela primeira vez na cadeira de presidente, Modesto Roma Júnior se lembrou do pai, dirigente histórico do clube nos anos 60 e mandatário entre 1975 e 1978.

    "Ele sempre dizia que as pessoas passam e o Santos fica. Não penso nas pessoas. Penso no Santos. Não me desespero", resumiu à Folha.

    Com dívidas de cerca de R$ 400 milhões, o Santos vive uma das mais profundas crises de sua história.

    As razões que levaram o clube a essa situação são diversas. Estão no pacote a incapacidade de obter novas fontes de renda após a saída de Neymar; dívidas com o ex-presidente Marcelo Teixeira; e salários altos de atletas.

    E ainda, para a tristeza do torcedor, apostas mal-sucedidas no futebol.

    As consequências vieram à tona nas últimas semanas. Segundo o presidente, nenhuma conta do clube foi paga nos últimos quatro meses –ele teve de renegociar até dívidas pendentes de água e luz. Atletas como o volante Arouca e o lateral Mena entraram na Justiça para reclamar de salários atrasados.

    Até o gramado sente a crise. A manutenção deixou de ser feita em outubro.

    A nova diretoria atribui as dificuldades financeiras às gestões de Luis Alvaro de Oliveira (2010-2013) e Odílio Rodrigues Filho (2013-2014).

    "O presidente Modesto Roma sempre dizia na campanha que a situação financeira era péssima, chegando a afirmar que 'o clube está quebrado'. Esperava-se que tivesse um plano de contingência", disse à Folha Pedro Luiz Nunes Conceição.

    Ele foi diretor de futebol na administração de Luis Alvaro e integrante do comitê de gestão do Santos quando Odílio era presidente.

    "Já passou da hora de o presidente Modesto arregaçar as mangas e parar de reclamar", completa Nunes Conceição, citando que, quando seu grupo político assumiu o clube, no final de 2009, a situação financeira também era muito difícil.

    Na época, foram necessários R$ 13,7 milhões para acertar salários atrasados, direitos de imagem, impostos e fornecedores. Tudo foi quitado, segundo o ex-diretor.

    "Eu passei por uma cirurgia na semana passada. Meu médico recomendou repouso", disse Luis Alvaro, pedindo para não falar sobre seu período no comando.

    Editoria de Arte/Folhapress

    SAÍDA DE NEYMAR

    "O Santos não se preparou para vender o Neymar. E não se recuperou disso até agora", afirma Fernando Silva, candidato derrotado à presidência do clube na eleição do final do ano passado.

    Entre 2010 e 2012, parecia que tudo o que a diretoria do Santos tocava virava ouro.

    Vieram títulos, como a Libertadores de 2011, e os patrocinadores faziam fila para associar suas marcas a Neymar. Entre 2010 e 2011, o faturamento cresceu 62%.

    A festa acabou em 2013.

    Para contar com Neymar, o Barcelona pagou uma quantia entre € 86 milhões e € 95 milhões (o valor real está sob investigação pela Justiça espanhola).

    Sozinho, o pai de Neymar ficou com € 50 milhões (R$ 151 milhões). Foram € 10 milhões de entrada e outros € 40 milhões quando a negociação foi fechada.

    Coube ao Santos menos do que os torcedores do time poderiam supor, cerca de € 25 milhões (aproximadamente metade do valor que ficou com o pai de Neymar). O restante do dinheiro - entre € 11 milhões e € 20 milhões - foi dividido em comissões para intermediários.

    A saída do astro levou à redução expressiva do apelo do Santos entre patrocinadores.

    Mas o maior revés se deu dentro de campo. Desde então, o time não conquistou nenhum título profissional.

    Os investimentos no futebol resultaram em decepções. A maior delas foi Leandro Damião, a mais cara contratação da história do time. Foram € 13 milhões emprestados pelo fundo de investimento Doyen Sports.

    Apesar dos pedidos de conselheiros, a diretoria da última gestão nunca mostrou a íntegra desse contrato.

    Damião marcou só 11 gols. Com salário de R$ 500 mil e mais R$ 50 mil de auxílio-moradia, cada gol dele custou R$ 600 mil ao clube.

    A relação do clube com a Doyen, aliás, tem sido colocada sob suspeita.

    Uma das metas da nova comissão fiscal, que tomou posse na última quinta, é descobrir detalhes da venda de porcentagens dos direitos econômicos dos jogadores Gabriel e Geuvânio para a Doyen.

    Feita nas últimas semanas do mandato de Odilio, a negociação é contestada por associados, que avaliam acionar a Justiça. Segundo o estatuto, a transação teria de ser aprovada pelo conselho deliberativo, o que não ocorreu.

    A defesa dos aliados da antiga administração é que os direitos federativos não poderiam ser vendidos, mas os direitos econômicos, sim. Foi o que aconteceu.

    O dinheiro obtido, cerca de R$ 18 milhões, foi utilizado para quitar empréstimos bancários feitos pelo clube nos bancos Itaú, Bic e BMG. A atual administração diz que vai apurar quem eram os avalistas dessas negociações.

    Na última semana, a reportagem ligou diversas vezes para o ex-presidente Odílio, que não respondeu às ligações.

    Josep Lago/AFP
    O atacante Neymar comemora gol para o Barcelona sobre o Atlético de Madri
    O atacante Neymar comemora gol para o Barcelona sobre o Atlético de Madri

    SALÁRIOS ALTOS

    Os salários vultosos pagos pelo Santos nos últimos anos ajudaram a ampliar a crise.

    De saída do time, com o Corinthians como provável destino, o zagueiro Edu Dracena, por exemplo, recebia cerca de R$ 300 mil por mês.

    Por incrível que pareça, para os novos gestores, não é ruim que Mena, Arouca e Damião, entre outros, tenham acionado a Justiça. Assim, o Santos não se sente mais obrigado a pagá-los e empurra a dívida para o futuro.

    A esperança é que, até lá, haja dinheiro para saldar acordos.

    Entre os altos salários, o único que Roma Júnior quer manter é o de Robinho (cerca de R$ 500 mil por mês).

    O CREDOR

    Presidente entre 2000 e 2009, Marcelo Teixeira deixou o cargo como credor em cerca de R$ 20 milhões.

    Durante a gestão Luis Alvaro, ele fez acordo com o clube, que ameaçava lhe dar calote. Perdoou uma parte do débito e parcelou o restante.

    Desde então, o Santos lhe paga todo mês cerca de R$ 480 mil, pouco menos do que o salário de Robinho. O débito será quitado só em agosto de 2017, três meses antes do fim do mandato de Roma Jr.

    Teixeira foi o maior responsável pela eleição do atual mandatário e, reservadamente, tem ajudado essa gestão a pagar contas mais urgentes. Ele não deu declarações oficiais e tampouco atendeu às ligações da Folha.

    Dennis Calçada/Divulgação/Santos FC
    Modesto Roma Júnior, presidente do Santos
    Modesto Roma Júnior, presidente do Santos

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