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    Africanos enfrentam fome e abandono por vida melhor no futebol brasileiro

    RAFAEL REIS
    DE SÃO PAULO

    09/02/2015 02h00

    Diederrick Joel Tagueu tinha 15 anos quando se destacou em um campeonato para adolescentes em Camarões e ouviu de um empresário o convite para vir ao Brasil.

    Sem perspectivas na terra natal, o atacante aceitou a proposta. Em 2009, desembarcou em Irati, no Paraná.

    Depois de se destacar no Londrina e Coritiba, o camaronês foi contratado pelo Cruzeiro, bicampeão nacional.

    Sua trajetória de sucesso virou inspiração para outros africanos que cruzaram o Atlântico em busca de oportunidade e, mesmo com sofrimento, continuam a ver o Brasil como terra prometida.

    Ferdinando Ramos/Folhapress
    O volante Michael Wadier deixou Gana em 2011 com o sonho de se tornar jogador de futebol no Brasil.
    O volante Michael Wadier deixou Gana em 2011 com o sonho de se tornar jogador de futebol no Brasil.

    Alegando alterações em seu sistema de registros, a CBF não soube precisar quantos atletas africanos jogam por aqui. Em São Paulo, estado com o maior número de jogadores federados, são apenas três: um angolano, um ganense e outro camaronês.

    "Aqui é o país do futebol. Tem muitas oportunidades", afirmou Michael Wadier, 22, que vive no Brasil há quatro anos e defende o Tanabi, da última divisão paulista.

    Natural de Acra, capital de Gana, ele deixou a terceira divisão de sua terra natal com outros três compatriotas depois de um empresário local, cuja principal atividade é ser comissário de bordo em voos internacionais, arranjou-lhes um espaço em um pequeno clube do Paraná, o Cambé.

    "A gente ficou lá e nosso empresário nos sustentava. Só que houve um problema de documentação e não pudemos jogar. Como ele achou que não daríamos certo, parou de mandar dinheiro."

    A falta de oportunidade fez um dos ganenses voltar à África. Outro, Isaac, quebrou a perna e abandonou o futebol. Restaram ele e Khalil Folly, que atua no Operário (PR). A dupla ganha pouco –Wadier diz receber salário mínimo–, mas sustenta Issac, o amigo que ficou pelo caminho. "Ele continua aqui no Brasil, está estudando. A gente banca ele porque fizemos um pacto: quem desse certo ia ajudar os outros."

    FOME E DOR

    Os jogadores de Gana não foram os únicos africanos abandonados por seus empresários após chegar ao Brasil e passaram dificuldades em sua nova pátria.

    O atacante Patrick Lukupeta, 27, carinhosamente chamado de Eto'o no Santacruzense, da terceira divisão paulista, viveu história semelhante nove anos atrás, quando emigrou de Camarões.

    "Vim para o Brasil para jogar na base do Vitória junto com o David Luiz e o Marcelo Moreno. Mas machuquei o joelho, precisei operar e fiquei um ano e meio parado. Meu empresário, também camaronês, desapareceu."

    Sem amigos e com um oceano de distância para sua casa, Lukupeta viveu os dias mais duros de sua vida.

    "Eu queria voltar. É melhor sofrer perto da mãe. Mas não deu. Passei fome, não tinha lugar para dormir. Depois, arranjei um lugar para ficar em Santa Cecília [região central de São Paulo]. Mas todo dia eu tinha de cruzar a cidade para fazer fisioterapia. Ia me arrastando de muleta."

    Dos tempos mais duros, Lukupeta guarda a força para não desistir do futebol, ainda que sua carreira não tenha decolado e a fama esteja distante. No Brasil, ele se casou, teve três filhos e, por incrível que pareça, acredita que encontrou a terra prometida.

    "A situação aqui é melhor do que lá, com certeza. Hoje, eu não passo mais fome. Eu não moraria mais em Camarões de novo", afirmou.

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