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    'Me preocupa a falta de renovação no vôlei', diz Fofão, aos 45 anos

    MARCEL MERGUIZO
    DE SÃO PAULO

    10/03/2015 02h00

    "Não tem festa nenhuma programada. Só tem jogo mesmo. Festa só quando eu completei 30 anos. Os outros anos foram jogando, viajando".

    Desculpe estragar a surpresa, Fofão, mas quando você entrar em quadra às 21h desta terça (10), dia do seu aniversário de 45 anos, vai receber homenagens do Osasco, dono da casa, e do Rio, time com o qual é a atual bicampeã da Superliga de vôlei.

    "Ganhei mais do que precisava e do que merecia. Hoje só peço saúde", diz a campeã olímpica de 2008 que, em maio, no Mundial de Clubes, na Suíça, vai se aposentar após 30 anos de carreira.

    Nesta entrevista à Folha, a levantadora fala das mudanças que viu desde que começou a jogar vôlei aos 15 anos.

    *

    ANIVERSÁRIO
    Não tem festa nenhuma programada. Só tem jogo mesmo. Meu pai [Sebastião, já falecido], fez uma festa quando eu completei 30 anos, na chácara em Boituva. Só. Foi bem grande para compensar os anos que não tive nada. Nem aos 15, nem aos 18. É a única que lembro. Os outros anos foram jogando, viajando, às vezes tem uma surpresa dos torcedores.

    FAMÍLIA
    Pesa não estar sempre com a família. É um tempo que passa, você perde muita coisa. Minha mãe [Eurídes], sempre que dá, está comigo. Agora está comigo no Rio. Ela tem sete filhos [cinco mulheres e dois homens] e seis netos. E o nascimento dos meus sobrinhos vi um só. Eu não tive um contato com minhas irmãs, só à distância. Por isso minha amizade ficou maior com as jogadoras. Dos 15 aos 25 anos não tive a fase de festa, diversão, que todos têm. Mas foi consciente. Eu abri mãos dessas coisas. Meu foco era outro. Valeu a pena fazer esse esforço. Hoje não me arrependo, faria tudo de novo.

    PRESENTE
    Se eu pedir alguma coisa a mais estou sendo egoísta. Eu ganhei mais do que eu precisava e até do que merecia. A única coisa que peço no meu aniversário é que as pessoas rezem para eu ter saúde, porque para mim, nessa reta final, o mais importante é estar bem fisicamente para conseguir completar meu objetivo. Este é o momento mais delicado, pois acumula todo o desgaste da temporada. É o momento em que fico mais precavida com tudo. Quero saúde para concretizar esse meu finzinho de carreira. Por mais que ninguém acredite, é verdade, aposento no Mundial [de Clubes, de 5 a 10 de maio, na Suíça].

    EVOLUÇÃO DO VÔLEI
    Passei por todas mudanças possíveis e imagináveis. Outro dia conversando com as meninas sobre como eram as regras, elas não acreditavam. Cheguei a jogar no 4x2 [com duas levantadoras em quadra]. Os jogos duravam quatro horas porque tinha vantagem. A bola era apenas branca. Podia atacar e bloquear o saque. Mudou muito, mas vejo que foi para melhor. Hoje o entendimento do voleibol é mais fácil. É uma adaptação, mas a evolução foi para melhor.

    GERAÇÕES
    Mudou muito. Peguei uma geração muito boa. As jogadoras eram mais técnicas. As centrais eram passadoras, tinham mais habilidade. Hoje a central não faz fundo de quadra, porque existe a líbero. Isso as deixa mais acomodadas, porque elas não têm tanta dedicação para fazer uma manchete, por exemplo. Não acho legal isso. A qualidade técnica das jogadoras da geração dos anos 1990, quando comecei, era melhor do que a de hoje. Todas faziam tudo muito bem. Caiu um pouco a qualidade das jogadoras.

    VAIDADE
    A vaidade mudou muito. Hoje elas entram maquiadas para jogar, isso não acontecia. Hoje tem esmalte de tudo quanto é cor. Eu até me policiou porque estou com um esmalte horroroso. É algo que não estou acostumada. A unha era mais curta, os brincos eram menores. Antes a preocupação era jogar. Hoje elas se preocupam mais com a vaidade.

    MUSAS
    Existe concorrência, é natural da mulher. Ainda mais quando colocam alguém como musa. Aí dá uma confusão que vou te falar... "Ah, a fulana é musa. Mas por que ela é musa? Ela tem a orelha torta." E começam a comparar. Concorrência existe, até mesmo da beleza. Elas estão preocupadas com a vaidade para estar bem entre elas. Não tem jeito. Sempre vai ter uma jogadora que vai chamar a atenção pela beleza. Mas a partir do momento que a pessoa passa a se preocupar mais com a beleza do que em jogar, isso começa a incomodar. Quando comecei também tinha musa, a imprensa cria, todo time tem, mas não pode confundir. É musa mas é jogadora de vôlei.

    RESERVA NA SELEÇÃO
    Fui de 1991 a 1998. Não me incomodava. Fui ser levantadora com 18 anos, cheguei à seleção com 19. E tinha consciência que tinha muito o que evoluir e aprender. Eu não tinha pressa. Fui aprender com a titular, que era melhor, a Fernanda Venturini. Sete anos como reserva foi muito, mas uns cinco anos eu precisava para crescer. Ao mesmo tempo eu estava me preparando, porque uma hora a chance ia aparecer e eu tinha que estar pronta. Estar com a Fernanda foi um aprendizado. As pessoas acham que temos rivalidade, mas a gente se ajudou muito. E eu estava na cola dela, quando ela deixou a seleção eu estava preparada. Assumi a seleção tranquilamente porque tinha condições.

    FUTURO DO BRASIL
    Eu vejo o vôlei evoluindo. Na estrutura não tem comparação com o que era antes. Ao mesmo tempo, me preocupa o escândalo [na Confederação Brasileira de Vôlei], prejudica o vôlei, ninguém sai ganhando. Mas vai passar. O que me preocupa mesmo no Brasil é a falta de renovação de jogadoras. Estamos esquecendo do que vai vir. Fiquei muitos anos na seleção com a Fernanda Venturini e nunca tinha uma terceira levantadora. Nós duas paramos e ficou a preocupação. Acontecem as coisas para aí pensarem no que fazer. Tem que ser ao contrário. O Brasil não está ganhando mais nas divisões de base [perdeu os últimos três mundiais sub-20 após conquistar o tetra], isso preocupa muito, porque o Brasil sempre ia bem nos Mundiais. Alguma coisa está errada. Não estamos sendo mais o melhor voleibol do mundo e temos que saber o porquê. Essa geração de 2016 não tem renovação, não existe. Não dá para pensar só depois de 2016, precisa preparar uma geração. E esse processo é um pouco lento no Brasil. É muito difícil não ver jogadoras da seleção juvenil subirem para o adulto. Tá faltando interesse? O que está faltando? Isso me preocupa. Não deixar o voleibol regredir. Chegamos em um ponto que não dá para voltar a perder Sul-Americano para Argentina e Peru [o Brasil perdeu o Sul-Americano sub-18 para o Peru em 2012]. Não dá. Tem que pensar nas potências. O Brasil peca nesse sentido.

    DO QUE MAIS VAI SENTIR FALTA
    Vou sentir falta do dia a dia, de dar risada, do convívio com as meninas. Sempre gostei de treinar. A maioria gosta de jogar, eu gosto de treinar, porque é onde você cresce, melhora.

    DO QUE NÃO VAI SENTIR FALTA
    De academia, de musculação. Eu fiz tanto a vida inteira que nem me imagino entrando em uma academia depois de parar de jogar. Só vou fazer os alongamos e ir embora. A parte física é muito puxada, necessária, mas chata de fazer.

    *

    LINHA DO TEMPO - A CARREIRA DE FOFÃO

    10.mar.1970
    Nasce Hélia Rogério de Souza Pinto, em São Paulo (SP)

    1982
    Por causa das bochechas, ganha do treinador João Crisóstomo o apelido de Fofão

    1985
    Começa a jogar pelo Pão de Açúcar, de São Paulo

    1991
    Estreia pela seleção brasileira no Sul-Americano, no Ibirapuera, em São Paulo, com título e vaga para a Olimpíada de Barcelona-92

    1992
    Ganha seu primeiro título nacional, pelo São Caetano, quando a competição ainda não se chamava Superliga

    1992
    Disputa sua primeira Olimpíada em Barcelona e fica em quarto

    1994
    Em casa, é prata com a seleção brasileira no Campeonato Mundial

    1996
    Conquista o bronze na Olimpíada de Atlanta

    1999
    Conquista sua primeira Superliga, pelo São Bernardo

    2000
    Ganha outro bronze, agora na Olimpíada de Sydney

    2002
    Ganha novamente a Superliga, desta vez pelo Minas

    2004
    Quarta colocada na Olimpíada de Atenas, decide deixar a seleção brasileira

    2006
    Retorna à seleção brasileira e conquista a prata no Mundial do Japão

    2008
    Conquista a medalha de ouro na Olimpíada de Pequim e, no mesmo ano, despede-se da seleção

    2013
    É tricampeã da Superliga, no primeiro título pelo Rio

    2014
    De novo pelo Rio, ganha sua quarta Superliga

    2015
    Planeja a aposentadoria, aos 45 anos

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