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    Minha História

    Filha de ex-boia-fria, Teliana já rifou raquete e fez 'vaquinha' para jogar

    DEPOIMENTO A PAULO ROBERTO CONDE
    DE SÃO PAULO

    27/04/2015 12h05

    Filha de um ex-boia-fria, Teliana Pereira superou lesões nos joelhos e é hoje a melhor brasileira no ranking da WTA, na 81ª posição. Na última semana deu ao tênis feminino do país o primeiro título de alto nível em 27 anos. Triunfou no Torneio de Bogotá ao vencer a cazaque Yaroslava Shvedova (na campanha, bateu a italiana Francesca Schiavone, campeã de Roland Garros-2010). Com isso, encerrou jejum que durava desde que Niége Dias levantou a taça em Barcelona, em 1988.

    Em depoimento à Folha, Teliana conta como foi o começo da carreira no sertão nordestino e fala sobre o período em que sofreu para se recuperar de uma lesão grave, em 2011, e as dificuldades financeiras para se manter. "Rifamos raquete, material esportivo, tudo o que tínhamos", diz.

    Leia abaixo seu relato à Folha.

    *

    Quando pequena, eu morava no sertão, entre Pernambuco e Alagoas. Quase toda a minha família ainda mora lá. A vida de onde vim é bem difícil e dura. Eu tive a sorte, digo, até posso afirmar que fui abençoada, de me mudar ainda jovem para Curitiba.

    Comecei a jogar tênis graças ao meu primeiro professor, o Didier [Rayon, francês radicado no Brasil]. Não tenho do que reclamar. Mesmo se terminasse a carreira sem uma grande conquista teria de agradecer pela oportunidade que tive, que foi única.

    No fundo, eu sempre achei que um título poderia acontecer. Este sempre foi meu sonho. Após o trabalho de toda uma vida, qualquer atleta sonha com isso. Eu só não esperava que fosse ocorrer agora, depois de tudo por que passei há alguns anos.

    Minha família é muito grande. Ao todo, são sete irmãos, que sempre se apoiaram muito. Quando tive a primeira lesão, no joelho direito, entre 2009 e 2011, foi muito difícil porque estava em um período bom na carreira.

    O pior foi a parte da primeira cirurgia. De início, seria uma intervenção simples, de menisco, e em três meses voltaria. Fiz a operação tranquila, achando que regressaria rapidamente às quadras.

    Mas aí vieram os problemas. Foi tudo ao contrário. Eu demorei a retornar e sentia muita dor. Teve gente que disse que eu tinha dor mental, que eu não tinha nada.

    Em determinado ponto, eu só conseguia treinar "parada". Se tivesse de me movimentar, não conseguia. E não tem como jogar parada. Cada médico falava uma coisa, e eu ficava naquela apreensão.

    Nunca cheguei ao ponto de dizer "vou parar de jogar". Mas houve vezes em que não tinha vontade de levantar da cama. Eu fazia fisioterapia de manhã, de tarde e de noite.

    Em certos dias eu simplesmente falava que não iria, mas minha mãe, meu namorado [Alexandre Zornig, que também foi tenista] e outros familiares me forçavam a ir.

    Felizmente, sempre tinha alguém me puxando.

    Mesmo assim, foi complicado. Após a primeira cirurgia, fui à Europa jogar alguns torneios. Com apenas um jogo, o joelho abriu o bico. Percebi que não aguentaria. Voltei a São Paulo, e outro médico me disse que teria de operar de novo. Aí foi um baque.

    Devido à inatividade, perdi os patrocínios que tinha. Como eu iria viajar, se já tinha tão poucos? Para se ter uma ideia, uma das empresas que me apoiavam se chamava San Remo, e pertencia a um amigo da família, que ajudava. Me vi sem nada. Não tinha dinheiro, porque havia gastado tudo na fisioterapia.

    Aí que meu namorado e a família dele me ajudaram muito. Agora até brinco e digo que ele vive o sonho que tinha de ser jogador comigo.

    Eles me ajudaram financeiramente. Fizemos de tudo: rifa, vaquinha e o que mais desse. Rifamos raquete, material esportivo, tudo o que tínhamos. Isso foi em 2011.

    Além disso, fizemos um projetinho bem simples, bem curto, com tudo o que eu havia conquistado em termos de títulos e fomos distribuindo. Cada um ajudava como podia. Várias pessoas da academia onde treinava, em Curitiba, se juntaram e deram uma quantia mensal.

    Foi aí que eu recomecei e consegui viajar. Os resultados e os patrocínios voltaram. Atualmente, tenho cinco.

    Eu vinha jogando muito bem até setembro passado, mas aí machuquei, de novo o joelho. Foi um momento bem difícil, porque, diferentemente da primeira vez, nesta em 2014 senti psicologicamente.

    Graças a Deus consegui me recuperar com rapidez. Conquistei neste mês os títulos do ITF de Medellín e do WTA de Bogotá. Ainda estou em estado de choque, emocionada. Não caiu muito a ficha. Nem sequer consegui dormir na noite seguinte à conquista. A adrenalina não deixou.

    Quando saí de quadra após a final [contra a cazaque Yaroslava Shvedova, vencida por 2 sets a 0], liguei meu celular e ele travou totalmente, tamanho o número de mensagens. No voo de volta para o Brasil, estava muito agitada. Tentei dormir, e nada. Vi um filme, chamava-se "A Teoria de Tudo", que achei meio louco, mas depois me forcei a dormir. Apaguei uma hora e meia, no máximo. O jogo do título ficava se repetindo em minha cabeça.

    Em São Paulo, o celular enfim voltou a funcionar. Temos um grupo da família Pereira no Whatsapp, no qual meus parentes me mandaram montes de vídeos. Quando os vi, desabei e comecei a chorar. Só de falar me emociona.

    Acho que faltou, ao tênis feminino, um espelho. Por isso foram 27 anos sem títulos de primeiro nível. Hoje, acho que consigo ajudar bastante as novas tenistas. Elas olham para mim e falam "se ela pode, por que eu não posso?".

    Temos um carinho grande. Quero puxá-las, até porque não acho legal ser a única brasileira entre as cem melhores. É preciso mais. O Brasil é um país enorme, não pode se contentar com pouco.

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