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    Corrupção no futebol

    Sutil, polícia suíça permitiu que cartolas da Fifa fizessem as malas

    MICHAEL S.SCHMIDT
    SAM BORDEN
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    27/05/2015 18h15

    O lobby do Baur au Lac, um hotel cinco estrelas instalado há 171 anos no centro de Zurique, estava sereno nas primeiras horas da manhã de quarta-feira.

    Pilhas de jornais foram jogadas defronte à porta. Uma faxineira de uniforme preto limpava o chão de mármore. O concierge respondia à pergunta de um hóspede sobre se uma farmácia local entregava remédios.

    Então, quando os relógios suíços bateram seis da manhã, mais de uma dúzia de agentes da lei à paisana entrou sem alarde pela porta giratória do hotel. Foram direto à recepção, onde apresentaram documentos do governo e solicitaram os números dos quartos de algumas das mais altas autoridades do futebol, hospedadas no hotel antes da reunião anual da Fifa, entidade que governa o esporte globalmente.

    De repente, o venerando Baur au Lac, um ponto de passagem de músicos, artistas e da realeza, e, segundo o hotel, local de criação do Prêmio Nobel da Paz, foi transformado em algo semelhante a uma cena de crime. O concierge foi instruído a ligar para o quarto de um executivo, dando início a uma das mais significativas derrocadas na história do esporte internacional.

    "Senhor", disse o recepcionista, em inglês, "Estou apenas ligando para dizer que precisaremos que você vá até sua porta e a abra para nós, ou teremos de arrombá-la."

    O hotel, defronte ao Lago Zurique, foi um cenário inusitado para a prisão de seis executivos globais do futebol que foram presos sob a acusação de corrupção e agora enfrentam a possibilidade de serem extraditados para os Estados Unidos. A operação levou menos de duas horas e foi curiosamente pacífica - nada de algemas, ninguém sacou armas. Também envolveu um uso incomum de um lençol.

    Operações semelhantes nos Estados Unidos são tipicamente executadas por membros armados da SWAT com coletes e capacetes à prova de balas, mas os suíços tiveram uma abordagem mais sutil. Ao invés de entrar nos quartos dos executivos e arrastá-los ainda de pijamas, os policiais esperaram que eles se vestissem e fizessem suas malas.

    Os policiais pareciam levar os dirigentes um por um, usando diversas saídas, incluindo uma porta lateral, a garagem do hotel e, em um caso, a entrada principal.

    Eduardo Li, presidente da federação de futebol da Costa Rica, estava hospedado no quarto andar, com o quarto próximo à escada em espiral ao centro do hotel. Dois policiais bateram à sua porta. Quando Li apareceu, os policiais não tentaram imobilizá-lo, e ainda permitiram que ele levasse uma sacola com seus pertences pessoais enquanto o acompanhavam até o elevador. A sacola escolhida trazia logotipos da Fifa.

    Editoria de arte/Folhapress

    O executivo, que deveria entrar oficialmente neste final de semana para o poderoso comitê diretor da Fifa, saiu pacificamente, e a sequência inteira foi tão discreta que um hóspede no quarto ao lado poderia facilmente não ter acordado.

    Depois de acompanhar o sr. Li até as entranhas do hotel, os policiais o levaram por uma porta lateral que se abria para uma rua estreita. Membros da equipe do hotel vestindo casacas com cauda estavam lá para encontrá-lo, estendendo lençóis brancos no esforço de obscurecer a vista de pedestres curiosos ou membros da imprensa. Ele foi levado a um carro comum que o esperava - não um carro ostensivo de polícia - que passou um sinal vermelho ao deixar o local.

    Logo depois, outro dirigente foi silenciosamente guiado para fora do lobby. Ele e seus acompanhantes passaram por uma grande pintura a óleo e duas tapeçarias penduradas na parede, enquanto equipes de limpeza do hotel poliam candelabros e passavam aspirador de pó no assoalho. O executivo arrastava sua bagagem atrás de si enquanto os policiais levavam duas sacolas plásticas que pareciam conter provas.

    Enquanto as prisões ocorriam sem transtorno, o caos se instaurava na recepção do Baur ao Lac. Minutos depois de a notícia da operação se espalhar, o telefone começou a tocar incessantemente. Ao mesmo tempo, os policiais começaram a voltar à recepção para pedir acesso a outras partes do hotel.

    Editoria de Arte/Folhapress

    "Senhor, não temos informações; por favor, ligue depois", disse o concierge a alguém, antes de bater o telefone.

    Em certo ponto, um dirigente do futebol - que não estava sendo preso - correu até o lobby usando calça, uma camisa Oxford e os chinelos de pelúcia branca fornecidos aos hóspedes. Ele conversou rapidamente com um funcionário da recepção antes de voltar correndo para seu quarto.

    Após todas as prisões, um homem corpulento de terno chegou à recepção. Perguntou se alguém sabia o paradeiro de um dos executivos da Fifa.

    "A mulher dele não sabe o que fazer ou onde ele está", disse o homem.

    Às 9 da manhã, o hotel, que havia sido palco de um casamento na noite anterior, estava coberto de seguranças particulares. Do lado de fora, repórteres se reuniam e preparavam suas câmeras para transmitir ao vivo na televisão. Do lado de dentro, as mulheres e namoradas dos homens que haviam sido presos sentaram juntas num sofá ornamentado fora do foyer principal. Elas se amontoaram ao redor de um computador e assistiram uma transmissão pela internet em que Walter de Gregorio, o porta-voz da Fifa, dava uma entrevista coletiva na sede da federação, poucos quilômetros adiante na mesma rua.

    Quando De Gregorio disse que, em sua opinião, este era na verdade "um bom dia" para a Fifa - porque livrar a organização da corrupção é uma prioridade -, as mulheres se aproximaram umas das outras. Uma delas começou a chorar.

    Tradução de MARCELO SOARES

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