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    Corrupção no futebol

    ANÁLISE

    Corrupção no futebol é novidade só para quem não conhece esporte

    JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
    SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO

    28/05/2015 11h57

    Março de 2011. Meses após os EUA verem sua candidatura para a Copa de 2022 ser dizimada pela do Qatar, em pleito altamente suspeito, um dos executivos que lideraram o projeto janta com jornalistas no restaurante principal do Staples Center, em Los Angeles. Questionado sobre o fracasso, diz, de maneira altiva: "Não nos disseram que o jogo seria jogado dessa maneira. Soubéssemos, seria diferente".

    O executivo, pouco antes, contara que uma das ideias para a segunda Copa americana era a construção de um estádio em área degradada ao lado do ginásio em que jogam os rivais Lakers e Clippers. A arena, após o Mundial, abrigaria o retorno de uma equipe da NFL à capital californiana, esse era plano. Ficou claro que esse sujeito perdeu dinheiro, provavelmente muito, com a polêmica decisão da Fifa.

    Quatro anos depois, investigação do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA prende José Maria Marin e quase toda cartolagem que manda nas federações americanas de futebol. As acusações vão de propina, pura e simples, a coisas aparentemente prosaicas como guardar erário não declarado em cofre de banco. Revela-se também que J. Hawilla, midas do marketing esportivo do país, já foi condenado na mesma investigação e vai devolver US$ 151 milhões –mais que Pedro Barusco na Lava Jato.

    Janeiro de 1999. Com o título "Contrato dá a Nike poder sobre a CBF", Juca Kfouri revela nesta Folha que Ricardo Teixeira assinou um documento leonino para a seleção com o mesmo J. Hawilla. "Um dos pontos obscuros do acordo Nike-CBF é o quanto recebe a empresa de marketing esportivo Traffic, qualificada como 'titular de certas marcas registradas e outros direitos de propriedade pertencentes à CBF'", escreveu o jornalista.

    Nos anos seguintes, apesar das várias denúncias, Teixeira e Hawilla só foram colocados contra a parede depois que a seleção de Vanderlei Luxemburgo deu vexame na Olimpíada de Sydney. E só porque o governo de então precisava de uma CPI para soprar os próprios problemas para fora do noticiário. Duas comissões foram instaladas. Uma, a que tratava do contrato CBF-Nike, não teve nem relatório final. A outra, feita para solver todas as mazelas do futebol nacional, gerou algumas investigações, poucos processos. Na prática, nada aconteceu com os mentores do documento.

    Junho de 1974. O brasileiro João Havelange leva a presidência da Fifa prometendo mundos e fundos para africanos, asiáticos e outros então nanicos da bola. Muito se fala da magia do futebol brasileiro e da seleção de Pelé, Tostão e cia., que encantou o mundo quatro anos antes. Nos bastidores, porém, o mago se chama Horst Dassler, herdeiro da Adidas, que aprendeu, anos antes, lidando com cartolas olímpicos, que basta inserir um país na federação para se fabricar um voto.

    Ainda nos 70, Dassler simplesmente desistiu da Adidas. Ganhava muito mais dinheiro dedicando-se à agência de marketing que criou à sombra da Fifa de Havelange, a ISL. Transformou o futebol em esporte global e bilionário, e Havelange, em seu senhor.

    Dassler morreu, a ISL quebrou e um intricado passivo judicial nas cortes suíças torpedeou as vidas esportivas de Havelange e seu ex-genro, Teixeira. O caso se arrastava há anos, mas ganhou peso e conclusão depois que a dupla se meteu em outra confusão, as escolhas das sedes das Copas de 2018 e 2022, esta a que os EUA perderam...

    Episódios distantes, personagens próximos, candidaturas, contratos, agências de marketing, subornos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação de imposto. Repare, o maior escândalo da história do futebol é novidade apenas para quem desconhece o esporte. Alguém precisa do FBI para saber que a coisa sempre funcionou desse jeito?

    O país do futebol precisa. Só isso explica o fato de Marin e Del Nero não terem sido corridos da CBF depois do 7 a 1. De Teixeira continuar circulando como um turista entre Miami, Rio e Montevidéu. E de Havelange ainda ser homenageado no Itanhangá.

    O país do futebol é corrupto. Seu futebol há de sê-lo também.

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