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    Corrupção no futebol

    Criticado na Europa e na mira dos EUA, Blatter é ídolo em cidade natal

    RACHEL MINDER
    DO "NEW YORK TIMES", EM VISP, SUÍÇA

    08/06/2015 14h03

    Sua reputação pode ter sido profundamente maculada no mundo do futebol e mais além. Um redemoinho de corrupção cada vez mais intenso parece revelar raízes profundas na organização que ele dirige. E depois de 17 anos no comando de uma das mais poderosas organizações esportivas do planeta, sua queda causou um estrondo ouvido em todo o mundo.

    Mas não diga isso aos sete mil moradores de Visp, sua cidade natal. Em meio às sombras da desilusão, eles ainda parecem mais inclinados a ver a história como exemplo de ascensão e não como uma queda devastadora.

    Para eles, Sepp Blatter –por muito tempo presidente da Fifa, a organização que comanda o futebol mundial– continua a ser o garoto local que realizou a versão suíça do sonho americano, galgando seu caminho até um dos mais altos postos do esporte mundial sem nunca perder de vista as suas origens.

    Pouca gente em Visp tem algo de ruim a dizer sobre Blatter. Seu nome está na fachada de uma escola primária da cidade. Ele tem um apartamento lá. E usou sua influência a fim de atrair astros internacional do futebol a uma cidadezinha cuja importância, se excetuarmos Blatter, se limita à de uma parada no caminho ferroviário até a estação alpina de Zermatt, a região do monte Matterhorn.

    Pascal Mora/The New York Times
    Escola com homenagem ao presidente da Fifa, Joseph Blatter, em Visp, na Suíça
    Escola com homenagem ao presidente da Fifa, Joseph Blatter, em Visp, na Suíça

    "Sempre que encontro Sepp por aqui, tenho de me fazer recordar que aquele cara velhinho e simpático, que parece querer simplesmente conversar com os amigos no café e curtir o seu vinho, também ocupa um dos mais importantes e estressantes postos no esporte", disse Bernhard Summermatter, um arquiteto local que estava ele mesmo tomando um drinque no café Napoleon, na quinta-feira à noite.

    Mesmo assim, a queda de Blatter gerou introspecção na Suíça. Ela maculou o histórico do país em um momento inoportuno, já que seus bancos vêm enfrentando processos e críticas internacionais devido às suas normas de sigilo e ao suposto papel que desempenham na sonegação de impostos pela elite mundial.

    Blatter não foi acusado e negou qualquer delito em relação à investigação de subornos na Fifa que está sendo conduzida pelo Departamento da Justiça norte-americano e pelas autoridades judiciais suíças. Ao anunciar sua renúncia, Blatter, 79, disse que deixaria o posto assim que a Fifa eleger um sucessor, o que deve acontecer no final deste ano ou começo do ano que vem.

    As pessoas entrevistadas em Visp dizem que Blatter tem o direito de ser considerado inocente até prova em contrário, e que os esforços dos Estados Unidos para erradicar as fraudes da Fifa não deveriam eclipsar seu sucesso, na expansão da influência e da presença mundiais do futebol.

    "Estamos todos surpresos e tristes, não só porque ele deu fama internacional a Visp, mas porque realmente acreditávamos que tivesse o futebol e sua vida sob controle", disse Summermatter.

    Quando Blatter não está voando em jatinhos executivos para comparecer a eventos futebolísticos em todo o mundo ou jantar com chefes de Estado, ele costuma regularmente percorrer as duas horas de estrada que separam a sede da Fifa, em Zurique, a maior cidade da Suíça, de sua terra natal.

    "Visp é seu lar, é claro, e também o lugar a que ele vem para recarregar as baterias", diz Hans-Peter Berchtold, o editor de esportes do "Walliser Bote", o jornal local.

    A cidade conta com uma fábrica de produtos químicos, onde o pai de Blatter trabalhou. O presidente da Fifa tem um apartamento bem no centro de Visp, a curta distância a pé do café Napoleon, do qual sua filha e genro são os proprietários.

    Pascal Mora/The New York Times
    Dominik Andenmatten, genro de Joseph Blatter, em Visp, na Suíça
    Dominik Andenmatten, genro de Joseph Blatter, em Visp, na Suíça

    "Ele é uma pessoa quieta e amistosa, mas é claro que também representa um figurão para nós", disse Dominik Andenmatten, o genro de Blatter.

    Depois de sua quarta eleição para a presidência da Fifa, em 2011, Blatter escolheu celebrar a vitória em Visp.

    Com uma taça de vinho na mão, Blatter dançava ao som de uma canção da Copa do Mundo enquanto dizia a um entrevistador de TV suíço que "com certeza sei dançar –o ritmo é parte de minha vida".

    Em agosto do ano passado, Blatter deixou a final de um torneio de futebol feminino no Canadá para participar da festa do centenário do FC Visp, o time de sua cidade.

    Como parte daquela celebração de aniversário, a Fifa ajudou a organizar uma partida no minúsculo estádio de Visp com astros como Ronaldo, o maior artilheiro brasileiro em copas do mundo, e George Weah, ganhador da Bola de Ouro da Fifa como melhor jogador do mundo.

    "Que Ronaldo tenha jogado em uma cidade como Visp foi algo de inacreditável", disse o jornalista Berchtold.

    Quando criança e adolescente, em Visp, Blatter competia nos 100 metros rasos e jogava futebol, embora nunca tenha se tornado atleta profissional.

    Ainda assim, exibiu "astúcia adolescente" suficiente para fingir, diante do técnico do time da cidade, que sabia chutar de esquerda, de acordo com um artigo publicado no ano passado pela revista da Fifa. A revista citou Blatter como tendo explicado, mais tarde, que "chutar de canhota era minha única chance, aos 14 anos, de entrar para o juvenil da cidade".

    Depois de tentar carreira no jornalismo esportivo, Blatter começou a trabalhar no lado administrativo do esporte em 1964, ao se tornar secretário geral da federação suíça de hóquei sobre o gelo –esporte popular no país, mas que Blatter nunca praticou.

    No começo dos anos 70, ele trabalhou para a fabricante de relógios Longines, em um departamento que cuidava da cronometragem olímpica. Transferiu-se para a Fifa em 1975, como diretor técnico. Blatter também era coronel no exército suíço.

    Como presidente da Fifa, Blatter era "claramente uma figura muito importante e internacional na Suíça", disse Rolando Rino Buechel, membro do Parlamento suíço.

    Blatter deveria usar o tempo que lhe resta no posto para "pelo menos remover algumas das pessoas corruptas da Fifa", disse Buechel. "Se lhe restam alguns meses, ele deveria usá-los para melhorar sua reputação, a da Fifa e a da Suíça".

    Charles Poncet, advogado em Genebra, disse que "em termos de imagem, um suíço como presidente de uma organização corrupta seria como descobrir que um norte-americano comanda a "Ndrangheta", uma organização criminosa italiana.

    "Ele claramente era alguém que sabia como explorar uma imagem de limpeza e simplicidade, a do filho de um operário, um bom sujeito suíço das montanhas", disse Poncet.

    Mas as lições da vida em cidade pequena talvez tenham relevância apenas limitada. "Se você comanda uma entidade com quase monopólio sobre diretos de TV e publicidade que valem bilhões", disse Poncet sobre a Fifa, "ela não pode ser organizada como se fosse o time de futebol de Visp".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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