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    Legado do Pan fez a morte mudar de endereço em Toronto

    MARILIZ PEREIRA JORGE
    ENVIADA ESPECIAL A TORONTO

    17/07/2015 15h25

    Mariliz Pereira Jorge/Folhapress
    Viaduto Bloor, na área central de Toronto, que e o segundo do mundo em numero de suicídios (cerca de 400 desde a sua inaguração
    Viaduto Bloor, na área central de Toronto, que e o segundo do mundo em numero de suicídios (cerca de 400 desde a sua inaguração

    Não tinha ideia se estava no lugar certo. Ainda era dia e a ponte sobre o Don Valley, em Toronto, parecia uma ponte qualquer. Então, vi uma placa. Distress Centre - We Listen 24 hours a day (centro de atendimento aos angustiados -atendimento 24 horas por dia). E um número de telefone.

    Há uma placa como essa nos dois lados da rua, nas duas extremidades da ponte. Estava no lugar certo. Na Ponte da Morte.

    O Viaduto Bloor ou Ponte Príncipe Edward ganhou esse nome desde que foi parar numa triste estatística como segunda ponte com o maior número de suicídios da América do Norte. Perde apenas para a Golden Gate, em São Francisco, nos Estados Unidos.

    Não tenho curiosidades mórbidas de visitar cemitérios famosos, casas mal assombradas ou cenários de crimes. Muitas cidades do mundo fazem até passeio turístico. Aqui mesmo, em Toronto, tem The Hauted Walk Tour. Prefiro minha parte em cerveja.

    O meu interesse surgiu porque a Ponte da Morte ou o que ela se transformou já é considerado um dos maiores legados do Pan, de Toronto. O maior por alguns. Toda a extensão recebeu um projeto de iluminação com 35 mil lâmpadas de led, que mudam de cor. A sensação é de que as luzes se movimentam com os carros.

    Mariliz Pereira Jorge/Folhapress
    Viaduto Bloor, na área central de Toronto, que e o segundo do mundo em numero de suicídios (cerca de 400 desde a sua inaguração
    Viaduto Bloor, na área central de Toronto, que e o segundo do mundo em numero de suicídios (cerca de 400 desde a sua inaguração

    Não é um mero detalhe. Não é apenas questão de deixar a ponte mais bonita. Entre 400 e 500 pessoas cometeram suicídio nesse lugar. Consigo pensar em poucas coisas mais tristes do que alguém tirar a própria vida. Aquele momento em que a dor de viver é maior do que a dor de morrer.

    Em 2003, essa sequência de mortes foi interrompida quando construíram uma barreira de segurança. Toda extensão recebeu cabos de aço, que na concepção do designer Derek Revington, deveriam lembrar "cordas de violino, tocadas pelo vento", preservando a vista para o vale.

    Desde lá, a iluminação estava prevista. Não havia dinheiro. Ele chegou agora com os investimentos para o Pan e teve todo o apoio das famílias que perderam dessa forma trágica pessoas que amavam.

    Decidi ir até o outro lado. Tinha gente correndo, caminhando, tirando fotos. No meio do caminho, vi uma garota do outro lado da ponte, sentada na mureta alta, olhando o vazio do vale e o pôr-do-sol alaranjado.

    Imaginei se estava triste. Ou se estava ali apenas sentada, com uma garrafa de vinho escondida num saco de papel (é proibido beber nas ruas), ouvindo música e curtindo o fim do dia.

    Assim que terminei a travessia as luzes se acenderam. Ficou lindo, mas paira uma tristeza no ar. No caminho de volta, nem sinal da garota. O sol se pôs, o vinho acabou, e ela foi embora para casa caminhando feliz. Prefiro pensar assim, mas não sei se acredito. Quem sentaria na beira de um precipício com tantas histórias de morte para celebrar num fim de tarde de vida?

    Ou é tudo imaginação da minha cabeça.

    Mas se a tristeza já não encontra seu fim mais triste no Viaduto Bloor, onde seria? Na última década Toronto viu o número de suicídios aumentar no viaduto Leaside, que fica a cerca de três quilômetros do Bloor. Infelizmente o morte apenas mudou de endereço, e virou legado de um viaduto sem proteção e sem iluminação.

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