• Esporte

    Sunday, 05-May-2024 15:57:15 -03

    Aldeia que nem tem quadra de basquete vibra com 1º indiano na NBA

    NIDA NAJAR
    DO "NEW YORK TIMES*, EM BALLO KE, ÍNDIA

    31/07/2015 10h30

    Mustafa Quraishi-02.jan.2011/Associated Press
    O pivô Satnam Singh Bhamara, que foi selecionado no draft da NBA pelo Dallas Mavericks
    O pivô Satnam Singh Bhamara, que foi selecionado no draft da NBA pelo Dallas Mavericks

    Em Ballo Ke, uma sonolenta aldeia no Punjab, ninguém se surpreendeu ao ver um agricultor sikh de 2,13 metros caminhando pelas vielas estreitas na direção do templo sikh, em 25 de junho. O agricultor, Balbir Singh Bamrah, é presença familiar na aldeia, e uma curiosidade local.

    Mas os demais fiéis presentes no templo ficaram um pouco perplexos diante da oração que o guru do "gurudwara" (o nome que os sikhs dão aos seus templos) ofereceu em benefício da família de Balbir Singh. Ele se colocou diante do agricultor, sua mulher e sua filha, e orou pela paz, prosperidade, saúde e pelo sucesso do filho de Balbir Singh no draft.

    "As pessoas não sabiam o que era o draft [processo seletivo] da NBA", disse Sarabjot Kaur, 23, filha de Balbir Singh. "Só entenderam mais tarde".

    Na noite de 25 de junho, no Barclays Center em Brooklyn –o que, a 11,2 mil quilômetros de distância em Ballo Ke, queria dizer a manhã do dia seguinte–, o Dallas Mavericks selecionou Satnam Singh Bhamara na segunda e última rodada de seleção, tornando-o o primeiro jogador nascido na Índia a ser escolhido para uma equipe da NBA, nos Estados Unidos. O time informou que o atleta de 19 anos, cinco centímetros mais alto que o pai, começaria na equipe de desenvolvimento dos Mavericks, o Texas Legends.

    Kuni Takahashi/The New York Times
    Da esquerda para a direita, a irmã, a mãe, o pai e o irmão de Satnam Singh Bhamara
    Da esquerda para a direita, a irmã, a mãe, o pai e o irmão de Satnam Singh Bhamara

    A escolha não gerou muitas notícias nos Estados Unidos, onde os jogadores escolhidos na primeira rodada é que atraem a maior atenção. Mas, na Índia, ela despertou uma onda de orgulho nacional. Os diários nacionais colocaram a foto de Satnam Singh em suas primeiras páginas.

    E em Ballo Ke, uma aldeia de cerca de 800 habitantes onde o menino incomumente alto e pacato cresceu e se tornou muito parecido com o pai, também pacato e incomumente alto, houve celebração –não de uma realização pessoal, e sim de uma realização coletiva.

    "Seu filho honra essa aldeia e o país", disse um político local a Balbir Singh, entrando na sala de visitas da família enquanto sua escolta de policiais uniformizados esperava do lado de fora, ao lado de um paiol ocupado por bois e vacas que não pareciam muito impressionados.

    Uma pequena galeria de agricultores idosos, de turbante, disse mais ou menos a mesma coisa –acomodados, como fazem todos os dias, em sacos de cimento posicionados diante do gurudwara. Ainda que muitos deles tenham filhos que se tornaram agricultores como os pais, eles todos esperavam que seus filhos viessem a conseguir vidas melhores.

    "Queremos que ele vá ainda além", disse Mukthiar Singh, 62, que cultiva arroz e trigo. "Satnam Singh pode nos ajudar a ir em frente".

    Baldev Kaur, 65, uma animada parteira na aldeia, relembra com orgulho ter ajudado no parto de Satnam, 19 anos atrás, em um carro a caminho do hospital, e diz que nunca viu menino tão grande, com quase 4,5 quilos.

    Ela viu hordas de repórteres se espalhando pela aldeia nos dias posteriores ao draft, perguntando à família sobre o número que o jovem calçava (50 ou 52, a depender da marca), quanto tempo duravam suas roupas quando ele era criança e o que ele lia na escola. A parteira não sabe bem o que é basquete, mas sabe que Satnam costumava jogar no pátio de sua casa quando vinha para casa nas férias.

    "Ele fazia isso", e ela imita um drible e arremesso, "igualzinho aos americanos".

    Balbir Singh, 56, diz que o sucesso de seu filho era uma coroação digna de uma década de trabalho e treinamento. "O basquete é um dom de Deus", ele disse em sua voz profunda de barítono, enquanto recebia uma série de visitantes e atendia ligações em um celular que parecia minúsculo em suas mãos imensas. "Tudo que aconteceu com ele, todos os elogios, vêm do basquete", ele disse.

    Kuni Takahashi/The New York Times
    Jornais da Índia com artigos sobre Satnam Singh Bhamara
    Jornais da Índia com artigos sobre Satnam Singh Bhamara

    Na aldeia, as opiniões sobre como um menino de uma remota aldeia indiana –que nem tem quadra de basquete e cuja escola só vai até a quinta série– terminou na NBA divergem.

    Balbir Singh atribui a responsabilidade a seu amigo Rajinder Singh Bamrah, um homem franzino que hoje trabalha no tribunal distrital. Rajinder Singh tinha um tio professor de educação física, e isso fazia dele um dos poucos moradores locais a ter ouvido falar em basquete.

    Quando Satnam tinha nove anos (ele já tinha 1,61 metro de altura), Rajinder Singh colocou o menino em contato com os administradores da Academia de Basquete de Ludhiana, uma escolinha de esporte a algumas horas da aldeia. Ele encomendou uma cesta e a fixou a uma parede perto do paiol do gado, para que o menino pudesse treinar, e instruía Satnam em exercícios de coordenação em uma ferrovia próxima.

    "Ele costumava se cansar e queria voltar para casa", disse Rajinder Singh. "Eu o encorajava".

    Satnam passou anos em Ludhiana, e depois conquistou uma bolsa de estudos para uma escola particular de treinamento esportivo na Flórida, onde estuda e treina há cinco anos. A irmã dele diz que Satnam não é muito dedicado aos estudos, mas que compensava sua falta de talento acadêmico por meio de muito esforço, e que ele havia aprendido a falar inglês na Flórida.

    Os homens do templo de Ballo Ke oferecem explicação diferente, que reflete o lado duro da aldeia que em geral está comemorando o triunfo de seu jovem atleta. Eles dizem que o fato crucial foi a conexão entre a família do jovem e Amarinder Singh, antigo ministro-chefe [primeiro-ministro] do Estado do Punjab, que visitou a aldeia como ministro estadual da Agricultura, nos anos 80, fez amizade com Balbir Singh, e convidou o agricultor e sua família ao casamento de sua filha.

    "Tudo aconteceu por conta do favorecimento dele", disse um dos homens, Mukhtiar Singh. Outro, Nirmal Singh, disse que, sem esse tipo de vantagem, histórias desse tipo são não só difíceis, mas impossíveis.

    Teja Singh Dhaliwal, secretário geral da Academia de Basquete do Punjab e diretor da academia de Ludhiana, disse que havia potencial para identificar mais talentos esportivos brutos nas aldeias do Punjab, região no passado conhecida por sua resistência a exércitos invasores.

    "Estamos falando de guerreiros", disse Dhaliwal. "Enfrentamos tudo –o frio severo, o calor severo. Somos combatentes. Nosso sangue é forte".

    Kuni Takahashi/The New York Times
    Uma cesta de basquete fixada numa parede de Ballo Ke, uma aldeia de cerca de 800 habitantes
    Uma cesta de basquete fixada numa parede de Ballo Ke, uma aldeia de cerca de 800 habitantes

    Balbir Singh não parece especialmente feroz, a despeito de seu tamanho, e os aldeões o descrevem como excepcionalmente gentil. Sua altura lhe causou ombros encurvados, de tanto se abaixar para operar o moinho de farinha, e preocupação da parte de seus vizinhos, quando ele era moço, de que o rapaz jamais encontraria uma noiva.

    Mas quando o filho herdou sua estatura, isso conferiu grande distinção a Balbir Singh. Ele foi levado de carro à vizinha cidade de Tapa, em 28 de junho, para que um grupo de empresários locais o presenteasse com uma foto emoldurada mostrando a Madre Teresa de Calcutá, o deus hindu Krishna e outras figuras reverenciadas.

    Os empresários tiveram de se esticar para colocar uma guirlanda de flores em seu pescoço, e todos beberam suco de manga em um escritório simples, que serve como uma espécie de prefeitura. A conversa girava em torno de Satnam.

    "Vai ser muito fácil para ele se casar, agora", disse um jornalista local que estava cobrindo o evento.

    Balbir Singh só sorriu.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024