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    O Brasil vive a ditadura do dinheiro no esporte, diz Fernando Meligeni

    DE SÃO PAULO

    26/11/2015 02h00

    O Brasil negou Fernando Meligeni duas vezes.

    Na primeira, o presidente da CBT (Confederação Brasileira de Tênis), Wanderley Checchia, já falecido, disse que o tenista nascido em Buenos Aires deveria jogar pela Argentina, apesar de morar em São Paulo desde os 4 anos. Ele foi. Ganhou o Orange Bowl de 1989, o "campeonato mundial" para tenistas de até 18 anos de idade.

    Na segunda, o presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Carlos Arthur Nuzman, ligou para Meligeni e disse que ele não iria a Atlanta-1996 pois não aceitariam convite (o tenista era o primeiro da lista de espera).

    Diego Padgurschi/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL - 25-11-2015: O ex-tenista Fernando Meligeni, 44, durante a seire de entrevistas "Sabatinas Olimpicas" no auditorio da Folha. Participam da sabatina os jornalistas Marcel Merguizo (esq.) e Edgard Alves (dir.) (Diego Padgurschi /Folhapress - (ESPORTE) ***EXCLUSIVO***
    Fernando Meligeni participa de sabatina olímpica no auditório da Folha

    Ele foi. Ficou em quarto, até hoje a melhor colocação do tênis brasileiro em olimpíadas.

    "O grande problema do esporte brasileiro é que dirigente esportivo entra e acha que é o dono do esporte", afirmou Meligeni, 44, na sabatina olímpica da Folha, nesta quarta (25), com o colunista de "Esporte" Edgard Alves e o repórter Marcel Merguizo.

    Antes de ser negado pela terceira vez, Meligeni assume seu papel de crítico. "Todos reclamam, mas ninguém se posiciona. Eu falo, dou porrada", diz como se fosse um golpe com a canhota que o fez ser 25º do mundo, ouro no Pan de 2003 e um dos melhores tenistas da história do país. Sim, do Brasil.

    *

    ESPORTE NO BRASIL

    "A gente vive a ditadura do dinheiro. Eu pago, ajudo e você cala a boca. Ouvi de alguns atletas muito fortes: 'Eu disse isso e me cortaram daqui, cortaram a bolsa, porque me posicionei contra ou a favor'. A minha grande revolta é que a gente aceita. O que mais escutei de atleta é que poderia ficar fora da Olimpíada. Não pode ter esse poder. Tem que ter meritocracia. Se sou o melhor do mundo, vou à Olimpíada. É muito poder do ministério, do COB e dos presidentes das federações."

    ESPORTE NA ARGENTINA

    "Eu acho que o esporte na Argentina é mais bem tratado. Lá, esporte é profissão. No Brasil, está começando a querer ser. Na Argentina, se eu falar que eu sou um atleta, as pessoas acham demais, aqui perguntam o que mais eu faço. Era o que eu mais respondia para as mães das namoradas. A Argentina não tem tanto dinheiro, mas lá o atleta acredita que tem uma profissão."

    PARCEIRO DO GUGA

    O pior momento com o Guga, que me pegou mesmo, foi em 1997, quando ele ganhou Roland Garros. Não por ele ganhar, mas pela relação com a imprensa, que automaticamente era a relação com o povo. Eu era o número um do Brasil há três anos. Na semana seguinte a gente foi jogar em Bolonha, cheio de imprensa brasileira, e começaram a me tratar como parceiro de duplas do Guga. Você ri, mas todo mundo tem um ego.

    Eu já começava a ser conhecido no Brasil, tinha sido semifinalista de Olimpíada, aí você vira descartável e passa a ser só o Guga. Isso machuca. O esquecimento é um grande defeito brasileiro. Para você enaltecer o Guga você precisava destruir o Fernando.

    SEGUNDO MELHOR?

    Acho que o Thomaz Koch está antes de mim e do Bellucci [como o segundo melhor tenista brasileiro, depois de Guga]. Dou risada da pseudo-rivalidade entre mim e o Bellucci. Alguém tem que ajudar e quem ajuda é quem está jogando.

    Eu tenho claro o tenista que fui. Consegui coisas absurdas para o meu tênis. Quando você se aposenta é igual quando morre, tudo o que fez foi bom, vira um exemplo. As pessoas acham que eu nunca quebrei raquete, só chegava em semifinal, mas o que eu mais fazia era perder em primeira, segunda rodada.

    Tenho claro meus feitos, ganhei de caras absurdos. Como comentarista eu falo que o Bellucci é mais consistente de ranking do que eu, mas ganhei de mais gente, fiz semi em Roland Garros e Olimpíada.

    RIO-2016

    "Torço muito para que Marcelo Melo e Bruno Soares ganhem medalha, mas não será fácil. Seria muito bom para o tênis brasileiro. Talvez não como a gente imagina, assim como não está sendo tão bom quanto imaginava o Melo ser número um em duplas."

    INVESTIMENTO OLÍMPICO

    "Certo ou errado, o governo está injetando dinheiro, só que a toque de caixa. Não se faz atleta dois anos antes. Agora você pode botar R$ 1 milhão no cara da esgrima, no levantamento de peso, no atletismo e não vai melhorar o desempenho, apenas encher o cofre do atleta. Podemos ganhar 50 ou duas medalhas, mas o que me preocupa é o pós. Nada disso vai servir se a gente não tiver o tal do legado. Será que o Rio vai ser a capital do esporte no Brasil como Barcelona é na Espanha?"

    PONTOS NA OLIMPÍADA

    Diferentemente da última edição, os Jogos do Rio não contarão pontos para o ranking da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais). "Sempre fui e vou continuar sendo a favor de não ter ponto. Não é esporte olímpico? Não é pelo país? O atleta tem que ter prazer de disputar, não tem a ver com dinheiro ou ranking."

    INVESTIR NO JUVENIL

    "Não podemos ter política igualitária, tentar ajudar todo mundo. É meritocracia. Se eu fosse presidente, pegaria a verba, uma comissão boa de atletas e se der para ajudar um juvenil, ajuda um. Se quatro, quatro. Não tem que dar dinheiro para Melo, Bellucci. Aí não vai sobrar dinheiro."

    CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA

    Quando o Jorge [Lacerda da Rosa] assumiu, pegando das mãos do Nelson [Nastás, que saiu após denúncias de irregularidade e um boicote dos principais tenistas], todo mundo acreditou nele, mas ele não cumpriu a plataforma política que assumiu. Prometeu que colocaria as contas no site e oito meses depois não tinha colocado. Falei na imprensa e ele ficou bravo. Não disse que ele estava roubando, mas as contas não estavam no site, só colocou duas semanas depois.

    Prometeu um centro de treinamento e não fez. A última de todas foi não colocar o valor do patrocínio dos Correios no site. Todo mundo paga, é dinheiro público, deveria estar lá. Não acho que um tenista tenha que ser presidente da confederação, aguentar o Nuzman, ministro, eu nunca conseguiria, mas tem que ter o tenista do lado.

    CIRCUITO

    Se tivesse que botar um motivo pra ter esse domínio de quatro tenistas é porque eles estão o tempo inteiro na zona de conforto. Antes você pegava o top-10 e os estilos eram muito diferentes. A velocidade do piso variava de um torneio para o outro. Começaram a diminuir a velocidade da quadra e elas ficaram muito parecidas, a bolinha também é igual toda semana. Na minha época era muito mais difícil jogar tênis.

    Colaborou DANIEL CASTRO

    Edição impressa
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