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    Corrupção no futebol

    'Dirigente sabe que não terá muito prestígio', diz presidente da Conmebol

    MARCEL RIZZO
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    28/11/2015 02h00

    Luciana Whitaker/ Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 26-11- 2015, 14h30: Entrevista com Juan Ángel Napout, presidente da Comenbol na CBF. (Foto: Luciana Whitaker/ Folhapress, ESPORTES)
    Juan Ángel Napout em entrevista na sede da CBF, no Rio de Janeiro

    Em um português fluente, o paraguaio Juan Ángel Napout, 57, cita trecho de um livro espanhol, do qual não se recorda o nome, para resumir o momento dos dirigentes esportivos na América do Sul.

    "O livro diz que só se lembram dos dirigentes de futebol em duas oportunidades: quando morre ou quando é tirado fora", disse Napout, presidente da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) desde agosto de 2014, nesta entrevista à Folha, quinta (26), na CBF.

    Horas antes, em reunião, o Comitê Executivo da Conmebol aceitou a renúncia do brasileiro Marco Polo Del Nero, presidente da CBF, como um dos representantes sul-americanos no executivo da Fifa.

    Orientando por advogados, Napout informou que não poderia falar dos dirigentes presos, entre eles o brasileiro José Maria Marin, suspeitos de receber propinas. Napout não teve o nome envolvido diretamente na investigação até este momento e diz que a confederação colabora com a investigação dos EUA. Mas admite: "É complicado neste momento melhorar a imagem da Conmebol".

    Luciana Whitaker/ Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 26-11- 2015, 14h30: Entrevista com Juan Ángel Napout, presidente da Comenbol na CBF. (Foto: Luciana Whitaker/ Folhapress, ESPORTES)
    Juan Ángel Napout durante entrevista na sede da CBF, no Rio

    *

    Folha - Qual foi a explicação de Marco Polo Del Nero para pedir a renúncia ao cargo de representante da Conmebol no Comitê Executivo da Fifa?

    Juan Ángel Napout - O Brasil é como um continente, é uma responsabilidade muito grande. O Marco Polo quer dedicar todo seu tempo à CBF. O comitê [da Conmebol] achou a razão válida e aceitou.

    A Conmebol estava incomodada com o fato de o presidente da CBF não viajar para participar de reuniões?

    Não, porque ele explicou para nós. E hoje em dia, se eu não compreendesse a situação que todos nós estamos vivendo [denúncias de corrupção]... É uma situação especial. Mas quem tem responsabilidade não deixa a responsabilidade de lado. O futebol brasileiro está vivendo um momento muito especial, que precisa dele em tempo completo por aqui [Del Nero diz que prioriza a defesa da CBF na CPI do Futebol, que investiga contratos da entidade]. Compreendo a situação que estamos vivendo, que dá motivo a faladeiras, normal.

    Como o senhor avalia a indicação de Fernando Sarney, que é vice da CBF, para representar a Conmebol na Fifa?

    Aprovamos por unanimidade. Apoiado por todos os países presentes [Chile e Bolívia não tinham representantes na reunião realizada no Rio].

    Dois presidentes de federações, membros do Comitê Executivo da Conmebol, renunciaram a seus cargos [Sergio Jadue, do Chile, e Luis Bedoya, da Colômbia]. Sabe quais foram os motivos para isso?

    No caso do Marco e do Fernando, eu falo porque é uma questão aqui do Brasil. De terceiros prefiro não falar. Hoje tem uma investigação muito importante. Se você olhar um comunicado nosso, nos dias 2, 3 de junho, a Conmebol fala que vai estar à disposição, que vai colaborar. Nesse caso prefiro não falar de terceiros, falo aqui dos casos do Brasil por respeito, estamos aqui.

    Mas o senhor acha que essas renúncias têm a ver com as investigações de corrupção?

    Eu só sei que tem uma investigação, e eu estou a aqui para colaborar. A Conmebol vai colaborar, a Conmebol está aberta, e eu não gostaria de falar sobre isso.

    O Luis Bedoya também representa a Conmebol na Fifa. Já sabe quem será o seu substituto?

    Haverá mudança de estatutos na Fifa, uma reforma. Se tudo sair bem, a Conmebol vai ter mais um lugar, ou seja, quatro lugares no Comitê Executivo. Então vamos deixar para tratar os dois lugares que teremos [vagos] mais tarde.

    O Carlos Chávez, da Bolívia, está preso em seu país acusado de desviar dinheiro da federação. E, mesmo assim, ele continua como tesoureiro da Conmebol. A entidade não tem intenção de trocá-lo?

    Nós fizemos uma auditoria, contratamos uma empresa de auditoria [a peruana Navarro Reyes-Parker Randall]. Já foi decidido também que a auditoria será apresentada ao público, e vamos esperar o que sai desse resultado.

    É possível tornar a Conmebol mais transparente e melhorar a imagem da entidade?

    Imagem é mais complicado. Vocês [da imprensa] têm uma palavra para dirigente, "cartola". Sei que vocês gostam. Por isso a imagem é mais complicada, mas estamos tornando a Conmebol mais transparente. Hoje tem auditoria interna, externa, tem compliance [conjunto de normas a serem cumpridas], temos atas, que antes não tinha, pagamos impostos que não estavam sendo pagos. Os países [associações] têm que ter maior controle financeiro. Para a Conmebol depositar qualquer valor a clubes, tem que ir para a associação, tem que ter assinatura no nome do clube, ou da associação, para depósito em conta, e não pode ser para pessoa física, tem que ter o nome do clube.

    Por que a imagem da Conmebol é mais complicada de mudar?

    A imagem do futebol, ou do oficial, do dirigente, seja lá como vocês chamam, você sabe que é mais complicado. Você sabe que, na realidade, quem está nesse lugar [de cartola] faz o seu trabalho sabendo que não terá muito prestígio. Hoje em dia, nada. Mas é verdade que atrás de nós, um dirigente, está uma pessoa, um ser humano, com sua família, que gostou do futebol quando era pequeno. Eu vi o Pelé jogar três vezes, com 50 mil pessoas em um jogo às 11h no Paraguai, em 1969. Você gosta de futebol, mas não pode jogar futebol [não tem talento], e você vira dirigente. E eu compreendo o que nós somos, sei também que você só dura até o dia que dura, depois você vai embora e ninguém se lembra.

    As denúncias de corrupção quase cancelaram a Copa América do Centenário, e o contrato dos direitos comerciais foi rescindido [com a empresa Datisa, envolvida nas investigações]. Como está o processo de licitação do novo parceiro para a competição?

    Faríamos de qualquer jeito, pelos 100 anos da Conmebol, mesmos se não fosse nos EUA. Mas tivemos o apoio da federação de lá. Estamos nos movendo rápido por novos acordos, contratamos uma empresa de advocacia norte-americana, que está tratando esse processo da licitação.

    Os clubes brasileiros reclamaram que não ganham muito na Libertadores. O senhor concorda com isso? [o campeão da Libertadores de 2015, o River Plate, embolsou no total cerca de R$ 15 milhões].

    Quem participa tem o direito de reclamar. Eu até acho uma reclamação boa. A Conmebol também pode, em algum momento, achar que os países têm que receber mais na Copa do Mundo, por exemplo. O que posso dizer é que os clubes terão aumento em 2016, e depois em 2017 e 2018. E a partir de 2019 teremos nova licitação, e aí imagina... [quanto será o valor].

    Quanto será o aumento na cota dos clubes para 2016 na Libertadores especificamente?

    Para os clubes, ainda não sabemos. Mas fizemos uma renegociação com a Fox pelos direitos até 2018. Vamos receber duas, três vezes a mais, no total [a Folha apurou que será cerca de US$ 350 milhões por todas as competições]. O mais importante é que nos deixaram livres a partir de 2019, para negociarmos com quem quisermos [o acordo inicialmente ia até 2022].

    Os clubes brasileiros também não se interessam nada pela Copa Sul-Americana, muitos nem querem participar. Como tornar o torneio mais atrativo?

    Eu sei, mas acho que vai mudar isso. Queremos que vocês [do Brasil] olhem para a Sul-Americana como a copa das oportunidades. Quem pensava que a Chapecoense poderia ganhar do Libertad [nas oitavas], estar em cima do River Plate [perdeu nas quartas], quase deu zebra. Futebol não é só dos times grandes. A Copa Libertadores é dos campeões, mas o futebol também é David e Golias. Não é só para os grandes. Eu gostaria que o Brasil apostasse na Sul-Americana. Uma coisa que eu quero falar para os clubes, e coloca bem aí, em letras grandes, é que vamos pagar mais para os clubes na Sul- Americana.

    Quanto mais? O dobro? [o campeão em 2014 faturou, no total, quase R$ 5 milhões].

    Não sei a porcentagem, não sei se é o dobro. Mas você vai lembrar de mim... Vai ser bom para os clubes.

    A Conmebol vai apoiar Gianni Infantino, da Europa, na eleição da Fifa em fevereiro. Por que a Conmebol nunca cogitou o brasileiro Zico, que tentou se candidatar?

    Quando um amigo brasileiro tentou fazer a comunicação, contato com o Zico, nossa posição estava tomada. Foi um dia antes de apresentarmos nosso apoio. A Conmebol não apresenta um candidato desde 1974, e ganhamos [com o brasileiro João Havelange]. Mas o Zico é um ídolo meu, eu vi jogar, a seleção da Copa de 1982 é o maior time que não ganhou. Eu estava em Sarriá [em Barcelona, na derrota de 3 a 2 para a Itália]. Grande time.

    Brasil e Argentina tiveram alguns tropeços no início das eliminatórias para a Copa-2018. O senhor imagina uma Copa sem brasileiros ou argentinos?

    Na história, somente dois times nunca ficaram fora de uma Copa por causa de eliminatória: o Brasil, que esteve em todas as Copas, e a Alemanha, que não participou do classificatório para 1950 por causa da Segunda Guerra. A nossa confederação é a única em que 100% dos times entram e têm chance de se classificar. Você me pergunta, e eu te respondo: Brasil e Argentina vão jogar bola.

    RAIO-X - Juan Ángle Napout Barreto

    Nascimento: 13.mai.1958 em Assunção, Paraguai

    Profissão: Empresário

    Outros cargos: Presidente do Cerro Porteño (1990) e da federação paraguaia (2007/2014)

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