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    'Querem cabeça na bandeja', afirma chefe da arbitragem no Brasil

    GUILHERME SETO
    DE SÃO PAULO
    MARCEL RIZZO
    DO PAINEL FC

    02/01/2016 02h00

    Roberto Moreyra/Extra/Agência O Globo
    JX Rio de Janeiro (RJ) 18/09/2014 Sergio Correa, presidente de coordenação de juizes de futebol. Foto: Roberto Moreyra / EXTRA / Agência O Globo ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Sérgio Corrêa, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF

    "Todos os domingos, 100, 150, 200 mil pessoas o chamam de ladrão [o árbitro]. Seja ele um Abraham Lincoln, um Robespierre, um Marat, uma Maria Quitéria. Não importa. Tacham-no de gatuno e de tudo o mais".

    O tom dramático desse trecho de "Rigoletto de lança-perfume", uma crônica de 1956 de Nelson Rodrigues (1912-1980), é repetido -em outros termos- por Sérgio Corrêa, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, para falar do mesmo tema: as críticas aos juízes de futebol.

    Ao longo do ano, eles foram duramente criticados por torcedores, jogadores e presidentes de clubes. Em setembro, Levir Culpi, então técnico do Atlético-MG, disse que o Brasileiro estava "manchado" por supostos erros de arbitragem. Modesto Roma Júnior, presidente do Santos, pediu o afastamento de Corrêa de sua função, atitude replicada por Daniel Nepomuceno, do Atlético-MG.

    Em entrevista à Folha, Corrêa lamenta a pressão que ele e os árbitros receberam de presidentes e torcedores, faz um balanço positivo de 2015, destaca números favoráveis e torce pela aprovação do uso de vídeos para auxiliar os juízes a partir de 2016.

    *

    Qual o balanço da arbitragem brasileira que o senhor faz em 2015?

    Nos principais torneios do mundo, há poucas equipes na briga pelo título. Aqui, no Brasileiro, temos cerca de 12, o que faz com que quase todos os jogos ganhem importância e torne o campeonato muito difícil para os árbitros. Mas temos dados concretos que comprovam que o ano foi positivo.

    Estamos reduzindo o número de faltas marcadas a níveis próximos aos dos principais polos europeus, exceto a Inglaterra. Acertamos 90% dos impedimentos marcados no Brasileiro. Mas isso para a imprensa passa batido.

    Em setembro, a Folha fez um levantamento que apontava ao menos um erro grave por rodada. Qual a sua avaliação?

    Não concordo. Vi a reportagem, e vocês colocam como erros alguns lances em que o árbitro acertou. A Fox Sports fez uma matéria sobre 20 lances de bola na mão. Nós acertamos 16 dos que foram mostrados. É um número expressivo de acertos. As pessoas, de modo geral, não têm conhecimento e transformam os lances em polêmica, que então é tratada como erro, o que nem sempre está correto.

    As pessoas cobram que o árbitro se explique após as partidas, mas não adianta nada porque as opiniões deles são desconsideradas. As pessoas não querem ouvi-los. Em relação à arbitragem, o Brasil é uma torre de Babel: não tem análise de dados nem aprofundamento. As pessoas querem uma cabeça na bandeja. Há uma ânsia por sangue.

    Presidentes de clube chegaram a pedir seu afastamento. Como o senhor recebe isso?

    Em 2005, fomos convidados para a CBF para reestruturar a arbitragem nacional após o que ficou conhecido como Máfia do Apito, com o envolvimento do Edilson Pereira de Carvalho.

    Os planos quadrienais que elaboramos foram todos cumpridos com sucesso desde então, e começaremos um novo em 2016. Se alguém decidir no futuro que deve trocar a Comissão de Arbitragem, deve fazê-lo. Os nomes que estão lá não importam.

    Quando eu assumi, o Corinthians caiu de divisão e a arbitragem foi acusada de prejudicar o time. Em 2008, aconteceu a mesma coisa com o Vasco.

    A gente respeita a opinião dos dirigentes. Nunca houve uma participação tão grande dos clubes na CBF. Alguns deles entendem que deve haver mudança na comissão. Historicamente, não é a mudança que altera a classificação dos clubes.

    Agora, se o dirigente não gosta de receber pressão no seu trabalho, por que ele joga pressão para cima dos outros? Isso também não é certo. Ninguém tem um rendimento maravilhoso sob pressão.

    A pressão que os dirigentes recebem é grande, e muitas vezes eles tomam atitudes [contra a arbitragem] mais para dar a segurança ao torcedor de que está brigando pelo clube do que para seguir o que ele mesmo pensa.

    Só não aguenta quem é fraco. Os dirigentes são valentes, pois aguentam pressão dos torcedores. Nós também somos valentes.

    A forma que as pessoas esperam o juiz de futebol não tem como realizar na Terra. Não tem como impedir um ser humano de errar às vezes.

    Qual o saldo da recomendação aos árbitros serem menos coniventes com reclamações de jogadores e técnicos?

    Muito positivo. A reclamação tem que ser posterior à partida de futebol. Alguns presidentes de clubes disseram que somos ditadores, mas tivemos resultados expressivos. Com reclamação, o jogo para mais, e você não consegue atingir a meta da Fifa de 60 minutos de bola rolando por partida. Demos 153 cartões amarelos a mais que em 2014. Em compensação, passamos de 25 para 60 jogos dentro dessa meta. Não é uma vitória da arbitragem, mas do futebol. Tivemos jogadores extenuados de tanto jogar futebol no Brasileiro.

    E temos uma agenda muito positiva para 2016, que é desvalorizada porque no Brasil é mais fácil depreciar que reconhecer.

    Em setembro, a CBF pediu para usar vídeo em lances duvidosos, mas a Fifa negou. Em que pé está essa negociação?

    A Ifab (International Football Association Board) fará uma reunião agora em janeiro [dia 7] e eles vão deliberar a questão. Nosso projeto não contempla o "desafio" [quando o jogo é parado para o lance ser revisto e reavaliado]. Nós não queremos parar o jogo. Eu gosto de futebol jogado, com a bola rolando. Vou dar um exemplo: os assistentes marcariam os impedimentos claros, que não têm dúvida. Os ajustados [difíceis] seriam marcados pelo árbitro de vídeo. Se a bola entra e aconteceu uma infração, o árbitro de vídeo avisa o que está no campo de sua decisão. Se foi gol, bola no centro; em outro caso, tiro de meta –em todo caso, o jogo já está parado. Se a bola bate na mão, o árbitro de vídeo pode ajudar a falar se foi dentro ou fora da área. Em nosso projeto, tudo que o árbitro de vídeo falar será gravado, pois não queremos que ele apite da cabine. Ele não será uma muleta.

    Com o vídeo, os jogadores vão parar de agredir fora do lance, de simular faltas... A ideia é implantar na Série A de 2016, talvez na Série B também. Estamos trabalhando com essa perspectiva.

    A Uefa lançou a proposta do cartão branco, em que o jogador ficaria dez minutos fora de campo, voltando depois. O que o senhor acha?

    Vai ter problema. Imagine um cenário em que faltam dez minutos para acabar uma partida decisiva e o árbitro mostra o cartão branco. Vão dizer que ele agiu deliberadamente para prejudicar.

    Se for algo para melhorar o futebol, vamos acatar, é claro. Não posso dizer que daria errado. Mas acho que não será uma proposta aprovada pela Ifab. Caso seja, vamos aguentar mais uma polemicazinha sobre a cor do cartão aplicado.

    O Anderson Daronco esteve em mais de 70% dos jogos em 2016. É o melhor árbitro?

    Como o jogador, o árbitro passa por fases boas e ruins. O Pelé, que eu vi jogar, também tinha momentos ruins, mas era tão bom que as pessoas até esqueciam disso. No ano passado, o Ricardo Marques foi o que mais atuou. Em 2015, o Daronco encaixou, teve uma sequência sem grandes polêmicas. Foi o melhor, sim, merecidamente. Ele alcançou um patamar de regularidade que deve ser seguido pelos demais árbitros. Quanto mais regular, mais aparecerá na escala.

    A crise na CBF afeta o trabalho da comissão de arbitragem?

    Continuamos trabalhando. Sempre tivemos liberdade de ação, desde que entramos, e nada mudou nesse ponto. A relação com o presidente em exercício, Marcus Vicente, tem sido cordial, respeitosa.

    Recebemos apoio para cursos, treinamentos... A cada ano, a CBF investe cada vez mais em arbitragem. Atesto que não há interferência externa nenhuma na definição da arbitragem.

    O presidente Marco Polo tem o direito de se defender [das acusações feitas pela Justiça dos EUA. Lembro da Escola Base, quando todos tinham certeza da culpa e no fim eram inocentes. Claro que, se comprovado o malfeito, os que assim agiram devem ser punidos. É compreensível que a mídia diga que estão sendo investigados, mas condenar não é algo razoável.

    As coisas têm que ser esclarecidas. Mas as pessoas que não acompanham o mundo do futebol não têm ideia da dimensão da CBF, acham que é um bando de criminosos reunidos para fazer o mal. Isso não é verdade.

    RAIO-X

    Sérgio Corrêa da Silva

    IDADE

    56 (nasceu em 30.05.1959)

    CARGO E CARREIRA

    Presidente da Comissão de Arbitragem da CBF desde 2014 (antes dirigiu o órgão de 2007 a 2012). Foi árbitro da CBF entre 1989 e 2000

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