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    Copa Libertadores

    Bauza pede mudança no Paulista e diz que futebol está mais 'limpo e leal'

    ADRIANO MANEO
    DE SÃO PAULO

    28/04/2016 02h00

    "O maior problema é o trânsito em São Paulo". Para o argentino Edgardo Bauza, 58, técnico do São Paulo, esta é uma das poucas dificuldades na sua adaptação ao Brasil.

    Com passagens por Equador, Peru, Colômbia e Arábia Saudita, o treinador está habituado a viver fora da Argentina. Mas além do trânsito, há outra questão que afirma lhe incomodar: o calendário sufocante do futebol no país.

    "Uma equipe argentina joga no ano entre 45 e 50 partidas. Uma equipe brasileira joga entre 70 e 80. É uma loucura", afirma o treinador.

    Os números não são exatos, mas há, de fato, uma diferença. Em 2015, as 30 equipes da primeira divisão argentina jogaram em média 49,5 jogos. Os 20 times da Série A do Brasileiro fizeram 66.

    Houve, no entanto argentinos com número de jogos similar ou até maior que os brasileiros. É o caso do River Plate, que chegou à final da Libertadores e jogou a Copa Sul Americana, chegando a 73.

    Em entrevista à Folha, o treinador revelou involuntariamente outra dificuldade. Durante os cerca de 30 minutos de conversa, mostrou humildade e serenidade nas respostas, mas o português só apareceu uma vez, quando trocou 'pelota' por bola.

    Veja os principais trechos da entrevista:

    *

    Folha - Quais são suas dificuldades na adaptação ao Brasil?
    Bauza - O maior problema é o trânsito. Fora isso, nada. As pessoas me tratam muito bem, no clube, onde moro, em todo lado. Vivi no Equador, Colômbia, Peru e não tenho dificuldade para me adaptar, até porque minha vida é casa, treino, treino, casa.

    O futebol no Brasil tem particularidades, como os estaduais e as grandes distâncias no Brasileiro...
    Sim, os campeonatos aqui no Brasil são muito diferentes, e é complicado adaptar a metodologia de trabalho, pois o tempo entre partidas é muito pequeno. Para os técnicos estrangeiros fica muito difícil se acostumar a isso.

    Modificamos a forma de trabalhar que tínhamos e, aos poucos, vemos que os resultados estão saindo. Não falo de resultados de partida, mas resultados no treino, no trato diário com o atleta.

    O que pensa do Paulista?
    É um bom campeonato. O problema é o número de jogos. Não há tempo para o atleta se recuperar. E reduzem a possibilidade de colocar jogadores. Cada time inscreve 25 atletas, que jogam seguidamente, se lesionam, e não posso trazer um garoto do sub-20, pois o regulamento não me permite.

    O Campeonato Brasileiro é similar ao Argentino: pontos corridos e todos contra todos. O que espera do campeonato?
    O Campeonato Argentino não tem nada a ver com o Brasileiro. Uma equipe argentina joga no ano entre 45 e 50 partidas. Uma equipe brasileira joga de 70 a 80. É uma loucura, uma diferença terrível, submete o jogador a estresse físico e psicológico muito grande, prejudicando o campeonato.

    Quanto aos times, há boas equipes tanto na Argentina como no Brasil. Mas aqui, obviamente, como tem muito mais [times], há dez ou 12 equipes grandes que sempre arrancam como favoritas.

    E você coloca o São Paulo entre os favoritos ao título?
    Obviamente, sua história diz isso. Tudo bem que há três anos e meio não tem conseguido ser campeão, mas tem uma história que o obriga a ser um dos favoritos. E o que vamos tratar de fazer é defender essa história.

    Como o São Paulo vai recuperar as possíveis perdas de Calleri e Maicon [eles têm contrato até o meio do ano]?
    Estamos conversando com a diretoria. Todavia, não sabemos o que vai acontecer com Maicon e até mesmo com o Calleri. Estamos falando com a diretoria e estamos pensando em incorporar quatro ou cinco jogadores para julho.

    Independentemente da saída deles?
    Exato. Independentemente da saída de qualquer jogador —pode vir uma oferta por outro— estamos conversando para tratar de agregar alguns jogadores ao plantel.

    Quem são esses jogadores e em quais posições você vê o São Paulo carente?
    Não é que esteja carente. Há que qualificar esse plantel. Temos um bom plantel, mas há que qualificá-lo para potencializá-lo. Por algum motivo, faz três anos e meio que o São Paulo não sai campeão. Então, necessitamos qualificar ainda mais esse bom plantel,.

    Você não tem ideias de quais posições são prioritárias?
    Tenho ideia, mas ainda não vou dizê-las porque depois começam a dizer nomes, como sempre, e os jogadores encarecem. Estamos buscando em todas as linhas.

    O que esperar do Toluca (MEX) e do São Paulo nesta quinta (28)?
    Verão uma equipe muito organizada, com bons jogadores e muito boa técnica. É uma equipe muito perigosa, realmente. O São Paulo fará o que vem fazendo ultimamente, mantendo ordem tática.

    Toluca é a 2.680 m de altitude. Pela sua experiência em Quito [treinou a LDU], que tem 2.850 m, essa altitude prejudica?
    Sim, o adversário sente. Temos que fazer um jogo inteligente. Mas, antes de ir a Toluca, temos 90 minutos aqui. Não podemos errar, nem deixar que marquem gols.

    A sua experiência em Quito ajudou no jogo contra o The Strongest (BOL) e vai ajudar em Toluca? O que você aprendeu lá que pôde colocar em prática nesses jogos?
    Sim [me ajuda]. Mais que nada, explicar ao jogador o que ele vai sentir, o que a equipe adversária vai fazer. A equipe adversária quer que a partida seja rápida, dinâmica, para que cheguemos nos últimos 20 minutos desgastados. Ao jogar na altitude, o mais importante é como se chega nos últimos 20 minutos, porque é aí que se definem quase sempre as partidas. Então o que posso fazer é dizer ao jogador tudo o que vai acontecer e usar uma estratégia que ajude para jogar a partida que nós queremos, e não a que quer o Toluca.

    O São Paulo é favorito na Libertadores?
    Agora temos 16 favoritos. O que quero é colocar o São Paulo entre os oito melhores da América, mas para isso temos que bater o Toluca. Não será fácil, mas essa é a ideia.

    A disputa no gol está aberta?
    Desde o primeiro dia. Eu trabalho de uma só forma e já disse: quem estiver melhor vai jogar. Isso vale para todos.

    Eu vi o Denis batendo faltas agora há pouco. É possível que ele vire o cobrador? Você aceitaria isso? É algo que passa pela sua cabeça?
    Eu aceitaria, sim. Mas [ele] tem que demonstrar. Não é que ele esteja todo dia chutando, viu. Hoje o São Paulo tem três ou quatro atletas que chutam bem e estão treinando, assim como nos pênaltis, que erramos tanto. Mas não tenho problemas em tomar essa decisão. Se eu tiver que tomá-la, tomo. Mas uma coisa é bater aqui, e outra quando tem público. Não é tão fácil.

    Ganso recuperou um bom futebol neste ano. Qual foi o seu papel nisso? Ele já está em condições de voltar à seleção?
    Vocês o conhecem melhor do que eu, então não tenho que falar dele como jogador. Mas o que lhe propus quando cheguei é que, trabalhando entre nós dois, poderíamos fazer com que ele voltasse à seleção.

    Acredito que ele tem todas as condições para jogar lá, mas para isso tem que, primeiro, render em sua equipe. A meu ver é o que ele está fazendo. Está sendo importantíssimo para o São Paulo e acredito que ainda pode dar um pouco mais. Logo, permanentemente, exigimos dele para que ele nos ajude

    Qual tem sido o papel do Pintado como auxiliar?
    O trabalho que ele está fazendo é o mesmo que estava fazendo Milton [Cruz]. Não tenho com ele nenhum problema. Estamos trabalhando juntos.

    O que houve com Milton Cruz [demitido em março]?
    A decisão foi da diretoria. Não foi minha.

    O que você pensa sobre jogos com torcida única? Já houve isso na Argentina?
    Sim, isso já vem acontecendo na Argentina e me parece lamentável. Primeiro, se acontece é porque há violência e porque, de alguma maneira, a polícia e os que organizam não conseguem controlar os torcedores. E segundo, é lamentável, porque o futebol se nutre, entre outras coisas, do público, do torcedor que vai empurrar sua equipe.

    Quais as principais diferenças do futebol da sua época [jogou como zagueiro de 1977 a 1992] para o de hoje?
    É outro futebol. A partir de 1992 mudou-se o regulamento do futebol. Primeiro, não podia mais recuar para o goleiro, e ele tinha só seis segundos para repor. Antes, ele pegava a bola e retardava dois minutos para colocar em jogo. Hoje, com uma falta aos cinco minutos podem te expulsar. Antes disso, pobre do atacante porque a gente dava cada patada e nada acontecia.

    O Fair Play ajudou para que se jogue um futebol mais limpo e leal. A televisão com todas suas câmeras ajudou para que a agressividade com que se jogava antes fosse desaparecendo e que o jogo se impusesse mais. Com todas essas mudanças, a metodologia de trabalho mudou. Hoje, um jogador em uma partida de nível internacional corre entre 13 km e 15 km. Antes, a média era entre 6 km e 8 km. O futebol que se joga hoje em dia é totalmente diferente do que se jogava antes.

    Quais são seus planos para o futuro?
    Nosso contrato sempre está sujeito a resultados, mas o mais importante é que temos uma relação muito boa com a diretoria e estamos de acordo com o diagnóstico sobre esse plantel. Assim, o que estamos fazendo, e já temos dito desde muito tempo: estamos formando uma equipe. Formando uma equipe para que seja protagonista, para que brigue pelos torneios e para que saia campeã.

    Estou nesse caminho. Se eu vou terminar esse trabalho, não sei. Quanto tempo vai durar, tampouco. Mas me vejo dirigindo o São Paulo no futuro. Em nossa profissão é complicado fazer projeções.

    E a longo prazo, pensa em seleção argentina?
    Nesse sentido sempre fui igual. Penso no clube onde estou trabalhando. Os melhores jogadores são os que dirijo, o melhor clube é o que estou e, até as últimas consequências, tenho minha energia e cabeça postas na equipe.

    RAIO-X

    Edgardo Bauza

    Nascimento: 26.jan.1958, (58 anos), em Granadero Baigorria (ARG)

    Carreira: é o quarto maior zagueiro artilheiro da história do futebol mundial (109 gols); como técnico, foi duas vezes campeão da Libertadores: LDU (EQU), em 2008, e San Lorenzo (ARG), em 2014

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