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    Curry transforma o espantoso em normal e se eleva a um novo patamar

    SCOTT CACCIOLA
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    11/05/2016 17h00

    Na manhã de segunda-feira (9), quando ainda nem estava claro se Stephen Curry seria capaz de jogar pelo Golden State Warriors naquela noite, começou a circular a notícia, no treinamento diurno da equipe, de que Curry seria anunciado como melhor jogador (MVP) da NBA pela segunda temporada consecutiva. Um anúncio oficial da liga estava por surgir.

    Draymond Green, um dos colegas de time mais francos de Curry, percebeu que tinha esquecido de parabenizar o companheiro, mas tinha uma desculpa.

    "Foi porque eu tinha certeza de que ele ganharia desde dezembro", disse Green. "Não me pareceu uma ocasião assim tão monumentosa".

    Green merece crédito no mínimo por cunhar o neologismo "monumentoso" a fim de descrever mais uma realização de Curry, e isso parece apropriado: uma nova palavra para um novo tipo de jogador, que faz coisas novas toda vez que entra na quadra, atos de magia capazes de cativar os companheiros e desanimar os adversários.

    Curry, que deve vir para a Rio-2016, passou a temporada exibindo um extenso arsenal de material pirotécnico em quadra. Na noite de segunda-feira, no quarto jogo da série de playoffs entre os Warriors e o Portland Trail Blazers, pelas semifinais da Conferência Oeste da NBA, ele deu um jeito de fazer um pouco de tudo –todos aqueles dribles, todos aqueles arremessos, todas aquelas vitórias– em uma só prorrogação.

    Pelo final da partida, a primeira que ele jogou em mais de duas semanas, depois de marcar 40 pontos, depois de liderar os Warriors a uma vitória por 132 a 125, depois de ter deixado os Trail Blazers à beira da eliminação antes do jogo cinco, que acontece na noite desta quarta-feira (11), Curry tentou refletir sobre se aquilo que havia feito o espantava de alguma forma.

    "Eu não diria espanto", disse Curry, que talvez seja a única pessoa a não se sentir assim. "Foi só um daqueles momentos em que você está lá em quadra e percebe o que acaba de acontecer. É uma sensação muito boa, porque estamos nos playoffs, tudo ganha importância –a intensidade, as ramificações de uma vitória ou derrota".

    As novidades nunca param, no caso de Curry, e pode ser isso que o torna tão diferente. Ele sobe de nível, e depois volta a entrar em quadra e o faz ainda outra vez.

    Faziam 15 dias que Curry havia torcido seu joelho em um jogo da primeira rodada de playoffs, e o técnico Steve Kerr esperava limitá-lo a 25 minutos em quadra na segunda-feira. Na verdade, Curry não joga uma partida inteira desde 13 de abril –quase um mês atrás, quando lesões ameaçaram tirá-lo da pós-temporada. Por isso, no jogo quatro contra Portland, ele começou no banco.

    Mas todo o cuidadoso planejamento de Kerr teve de ser ejetado quando Shaun Livingston foi expulso, e o jogo foi para a prorrogação, e...

    "Não creio que alguém pudesse ter previsto aquela explosão", disse Kerr. "Quero dizer, foi uma loucura".

    Kerr estava se referindo à prorrogação, quando Curry marcou 17 pontos, um recorde da NBA para um período de prorrogação, acertando seis de seus sete arremessos de quadra, entre os quais todos os três arremessos de três pontos. Ele terminou jogando 37 minutos. Depois, Green descreveu a partida como "um soco no estômago" dos Trail Blazers, que agora estão perdendo por 3 a 1 a série melhor de sete.

    "Se acho que eles já estão fora?", disse Green, repetindo a pergunta para efeito dramático. "Claro que acho que estão fora".

    Kerr não gosta de comparações históricas. O basquete mudou demais, ele disse recentemente, para que torcedores, especialistas e até mesmo antigos participantes possam reivindicar maior grandeza para um time (por exemplo, o Chicago Bulls de 1995/1996 que Kerr defendeu como jogador) do que para outro (por exemplo, o Golden State Warriors da temporada 2015/2016).

    Por que simplesmente não aceitar que os dois são grandes times e abandonar as comparações?

    Curry, com seu jogo sublime, estimula muitas das comparações que o envolvem, em larga medida porque as pessoas anseiam por contexto. Mas contexto é um desafio quando alguém faz coisas nunca antes vistas. Como acertar 402 arremessos de três pontos na temporada regular, total 41% mais alto que o recorde precedente –que já era dele. Ou liderar sua equipe a 73 vitórias na temporada regular. Ou se tornar o primeiro jogador a ser eleito por unanimidade o MVP da liga. Depois de algum tempo, tudo começa a soar absurdo.

    Como disse Erik Spoelstra, treinador do Miami Heat, à Associated Press, na terça-feira, "ele está redefinindo a maneira pela qual o basquete é jogado, neste momento".

    Mas depois do mais recente desempenho de Curry, Kerr não sentiu dificuldade em rasgar a névoa da história e traçar um paralelo entre Curry e outro ícone, Michael Jordan. A comparação nada tinha a ver com seus estilos únicos de jogo, ou sobre a semelhança em suas atitudes quanto a esmagar os oponentes. Tinha a ver simplesmente com o som –o som feito pela torcida adversária, aquela inconfundível mas rara combinação de pavor e antecipação e entusiasmo e admiração perplexa.

    "Lembro-me de ouvir esse tipo de barulho em jogos fora de casa, quando Michael fazia uma partida espetacular", disse Kerr.

    Mas embora Curry seja um virtuoso do basquete, nada do que ele faz acontece em completo isolamento. A partida foi repleta de conversação e trabalho de equipe, começando pelo conselho de Kerr a Curry para que este não pressionasse demais no primeiro tempo e aproveitasse o tempo para encontrar seu ritmo.

    Mais tarde, quando Curry enfim marcou seus primeiros três pontos, com o segundo tempo já bem adiantado, ele olhou para as arquibancadas, procurando seu irmão, Seth, que o aplaudiu. E quando Harrison Barnes ajudou a levar o jogo à prorrogação com um arremesso de três pontos, Curry não se surpreendeu.

    "A confiança contagia", ele disse.

    Na prorrogação, porém, ele foi o dono da bola. Kerr recordou a maneira pela qual Alvin Gentry, que foi seu assistente e hoje treina o New Orleans Pelicans, descrevia as jogadas ofensivas do Warriors em finais de partidas, na temporada passada. Havia só duas delas: "Pega a bola, Steph" ou "Steph, pega a bola". Na segunda-feira, os Warriors realmente seguiram essa receita.

    "Há muito poucos jogos", disse Kerr, "em que você para durante a partida, pensa, e diz 'nossa, isso é espetacular'".

    Curry voltou, e cheio de surpresas –como sempre.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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