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    João Havelange (1916 - 2016)

    OPINIÃO

    Havelange fazia a pior espécie de política ao se dizer apolítico

    JUCA KFOURI
    COLUNISTA DA FOLHA

    16/08/2016 09h04

    É costume no Brasil fazer o elogio a quem morre.

    Até porque quem morre não pode mais se defender.

    João Havelange estava na hora certa no lugar certo.

    Virou presidente da Fifa em 1974, quando o mundo estava começando a ficar realmente globalizado e o futebol passou a ser componente importante na indústria do entretenimento.

    Antes disso, dirigiu com mão de ferro e arrogância a antiga CBD, hoje CBF, e se relacionou bem com todos os presidentes e ditadores do Brasil que encontrou pelo caminho.

    Deu, porém, um passo em falso quando organizou no país a Mini-Copa, em 1972, e acabou sob suspeição de ter administrado mal os recursos públicos que recebeu para fazê-la a pretexto de comemorar o Sesquicentenário da Independência do Brasil.

    Nenhuma seleção europeia importante —como as campeãs mundiais Alemanha, Inglaterra e Itália— compareceu e a seleção brasileira terminou vencedora, na final contra a portuguesa.

    Então, ao se eleger presidente da Fifa contra o domínio europeu e com apoio de Pelé, seu cabo eleitoral nos países africanos, recebeu o aviso da ditadura de que não deveria acumular, como desejava, os cargos na CBD e na Fifa.

    Foi substituído na entidade nacional pelo almirante Heleno Nunes, presidente da ARENA, no Rio de Janeiro, partido que apoiava a ditadura.

    Na Fifa, Havelange uniu-se à poderosa família Dassler, que fizera fortuna ao fabricar as botas do exército nazista, donos da Adidas, e começou a transformar a entidade num império, com dividendos para poucos.

    Havelange fazia a pior espécie de política ao se dizer apolítico, com o que justificava seu relacionamento estreito com as ditaduras pelo mundo afora, na África ou na América do Sul.

    Orgulhava-se de dizer que a Fifa tinha mais filiados que a ONU e sua influência no Brasil era tanta que conseguiu levar o genro, Ricardo Teixeira, absolutamente desconhecido nos meios do futebol nacional, à presidência da CBF, em 1989.

    Seus últimos anos foram tristes.

    Em meio ao escândalo que se abateu sobre a Fifa, teve de renunciar ao posto simbólico de presidente de honra da Fifa e ao lugar que ocupava no Comitê Olímpico Internacional, como mais longevo dirigente da entidade.

    A falência da ISL, empresa de marketing esportivo que trabalhava para a Fifa, revelou que tanto Havelange como Teixeira receberam propinas que chegaram a US$ 54 milhões.

    Para não ter de responder às acusações, Havelange preferiu renunciar.

    Atribui-se a ele papel decisivo para trazer os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, por conhecer bem os bastidores da escolha e como comprar os votos necessários para ganhar a parada.

    Havelange é o modelo de dirigente para Carlos Nuzman, presidente do COB e do CoRio-16, além de ter sido mais de uma vez objeto de biografias laudatórias escritas por autores chapas-brancas.

    Como diria o poeta popular, morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete, mergulhado em profundo ostracismo durante a Olimpíada e pouco mais de dois anos depois da Copa do Mundo no Brasil, que não pôde curtir como gostaria, assim como o ex-genro.

    Inegavelmente, transformou a Fifa numa grande fábrica de dinheiro e popularizou o futebol nos cinco continentes, infelizmente como uma família que não deve nada à outra conhecida como "Cosa Nostra".

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