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    Juvenis lideram renovação do Milan e são comparados com time dos anos 80

    RORY SMITH
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    30/10/2016 02h00

    ALESSANDRO GAROFALO/REUTERS
    AC Milan v Juventus - San Siro stadium, Milan Italy- 22/10/16 - AC Milan's Manuel Locatelli celebrates after scoring
    Manuel Locatelli comemora gol marcado sobre o Juventus no estádio San Siro

    Filippo Galli não traça certos paralelos levianamente. Quando o faz, suas palavras em geral vêm envoltas em ressalvas e cuidados. A cautela dele é compreensível. Mais que a maioria das pessoas, ele conhece o poder do passado do AC Milan.

    Quando jogador, Galli foi parte do maior time da história do clube, em companhia de Paolo Maldini, Franco Baresi, Alessandro Costacurta e todos os demais. Passados 30 anos, como diretor das categorias juvenis do Milan, ele ajudou a formar uma geração que muita gente espera, e algumas pessoas acreditam, possa servir como digna sucessora.

    Ele sabe que comparar os dois times é perigoso, invoca especulações e causa pressão. Que ele ainda assim esteja disposto a fazê-lo é revelador. "Existem semelhanças", ele disse, "entre o time atual e a situação do Milan na metade dos anos 80".

    O motivo para esse otimismo é evidente: no sábado, o Milan derrotou a quase imbatível Juventus, no estádio San Siro. O único gol do jogo foi marcado por Manuel Locatelli, 18, um meio-campista que só jogou oito partidas na Série A. Aos 51 minutos do segundo tempo, Gianluigi Donnarumma, 17, goleiro já apontado como sucessor de Gianluigi Buffon na seleção italiana, fez uma ponte espetacular para evitar o gol de empate da Juventus.

    A vitória deixou o Milan a apenas dois pontos da Juventus, nas duas primeiras posições da tabela. Se tivesse sido seguida por uma vitória contra o Genoa na terça-feira, o Milan estaria em primeiro lugar do campeonato, se bem que temporariamente. Mas a derrota por três a zero serviu como lembrete do motivo para que o treinador Vincenzo Montella venha optando por minimizar as realizações da equipe até o momento.

    O Milan é, por boa margem, o time mais jovem do campeonato italiano. Montella deixou claro que comparar seus jogadores aos grandes do passado é extremamente prematuro. A equipe em que Galli jogou venceu cinco títulos da Série A italiana e três copas europeias. Por algum tempo, foi o melhor time do mundo. Donnarumma e Locatelli ainda nem jogaram em torneios europeus.

    Mas é difícil evitar a sensação de que alguma coisa está começando a fervilhar no San Siro.

    Nos últimos anos, o Milan parecia incapaz de progredir, ou pouco disposto a fazê-lo. Foi aqui, afinal, que o famoso Milan Lab, o laboratório médico do clube, se provou capaz de prolongar quase indefinidamente as carreiras de grandes jogadores. A presença de veteranos que jogaram até bem depois dos 30 servia como doloroso lembrete do que o Milan um dia foi, e infundia ao clube um ar de grandeza decadente.

    Silvio Berlusconi, o proprietário do clube, não admitia vender o clube que o transformou de magnata da mídia em potentado político. Planos para deixar o decadente San Siro foram publicados e depois abandonados. O Milan parecia estar acomodado a um período de declínio elegante mas irreversível.

    O impacto imediato e poderoso de Donnarumma e Locatelli mudou tudo isso. Agora, o Milan parece ao menos estar avançando. A despeito das aparências, isso não aconteceu do dia para a noite. Galli enfatiza que tudo depende do "talento dos jogadores", e que "ninguém aqui é guru", mas essa modéstia, embora elogiável, é enganosa. O renascimento incipiente do Milan é mais do que simples sorte.

    Em janeiro de 2013, Adriano Galliani, o eterno vice-presidente do clube, encarregou Galli de responder uma pergunta. Ele sabia que o Milan já não era capaz de competir no mercado de contratações com as potências da Premier League inglesa. Mas por que, ele questionou, os demais times da elite do futebol europeu conseguiam desenvolver jogadores desde a base e o Milan não?

    Galli iniciou uma jornada que o levou a todo o continente, a fim de tentar encontrar uma explicação. Ele foi à famosa academia do Barcelona em La Masia, que produziu talentos como Lionel Messi, Andrés Iniesta e outros. Galli passou algumas semanas no Ajax de Amsterdã e também visitou o Real Madrid e o Manchester United.

    "Eu queria compreender o que eles estavam fazendo", ele declarou em uma entrevista na segunda-feira. "Ao final desses estudos, eu fazia ideia clara do que era necessário".

    Ele produziu —e Galliani endossou— um documento cujo objetivo era revolucionar a maneira pela qual o Milan abordava o desenvolvimento dos juvenis. Galli queria se manter fiel à "história e identidade" do Milan; ele se irrita diante de sugestões de que seu plano é derivativo das ideias de qualquer outro clube.

    "Nós estudamos todos eles, e técnicos como Marcelo Bielsa, Pep Guardiola, Juan Manuel Lillo e César Luis Menotti", também, disse Galli. "Nosso método busca integrar todas essas ideias: técnicas, atléticas, táticas, psicológicas", ele acrescentou. "Criar jogadores não envolve só técnica. É mais holístico que isso. Nosso trabalho é criar o ambiente certo para permitir que o talento floresça, e dar aos jogadores ferramentas não só para que se tornem profissionais mas para que possam jogar pelo AC Milan, jogar no San Siro".

    Como no caso do Barcelona, ele encorajou os treinadores das equipes juvenis a jogarem no mesmo estilo do time principal. Os treinadores, com ajuda de psicólogos e profissionais de saúde, se reúnem no início de cada semana e mapeiam as atividades dos cinco dias seguintes. O foco está em criar jogadores, e não só vencer partidas nos torneios juvenis. Galli encara seu papel como educador de modo muito literal.

    "Educar vem de uma palavra latina", ele disse. "Educare. Significa extrair, revelar. É isso que estamos aqui para fazer. Revelar talento". O que é mais fácil em alguns casos do que em outros. Cristian Brocchi, agora treinador do Brescia, treinou Donnarumma e Locatelli no time juvenil do Milan e, durante sua breve passagem pelo comando da equipe principal, deu a Locatelli sua primeira oportunidade.

    "Bastava vê-los para saber que são especiais", disse Brocchi. O teste do modelo de Galli será determinar quantos outros grandes talentos surgirão. Há candidatos. Davide Calabria, um zagueiro de área, já jogou pelo time principal; as esperanças também são fortes quanto ao meio-campista Mattia El-Hilali e o atacante Zakaria Hamadi. Nem todas as promessas darão certo. Brocchi sugere que se "uma ou duas" o fizerem por ano, será o começo de "um novo ciclo" para o clube.

    Isso é suficientemente ambicioso, mas pode se provar ainda mais complicado no futuro. Caso Montella conquiste algum sucesso - ou se a tomada de controle por um grupo de investidores chineses, há muito aguardada, vier a se concretizar - o Milan pode se ver rico em talentos e pobre de oportunidades.

    É um paralelo que Galli não teme traçar.

    "O clube também enfrentava dificuldades nos anos 80", ele disse. "É nesses momentos que os jogadores jovens têm a chance de aparecer". Como apontou Brocchi, "Franco Baresi, Paolo Maldini, Alessandro Costacurta e Demetrio Albertini chegaram à equipe principal nos anos 80 porque o clube não tinha escolha".

    Quando troféus e grande sucesso financeiro se seguiram, a linha de produção estacou.

    "Se você pode comprar jogadores prontos, é sempre mais fácil fazê-lo", disse Brocchi.

    Esses problemas, é claro, estão no futuro distante, na melhor das hipóteses, ou são apenas fruto do otimismo exagerado, na pior. Que eles sejam considerados dignos de reflexão, no entanto, sugere que algo mudou. Por anos, o Milan só olhou para o passado. De repente, voltou a se ocupar do futuro.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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