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    Crítica

    Livro expõe Maradona muito além do craque fanfarrão

    NAIEF HADDAD
    DE SÃO PAULO

    07/11/2016 02h00 - Atualizado às 16h12
    Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Carlo Fumagalli/Associated Press
    FILE - In this June 29, 1986, file photo, Diego Maradona, holds up the trophy, after Argentina beat West Germany 3-2 in their World Cup soccer final match, at the Atzeca Stadium, in Mexico City. On Sunday, July 13, 2014, Germany and Argentina will face each other again in the final of the 2014 soccer World Cup.(AP Photo/Carlo Fumagalli, File) ORG XMIT: WCFO103
    Maradona ergue troféu da Copa-1986, após vitória da Argentina contra a Alemanha Ocidental na final

    Entre nós, brasileiros, a imagem de Diego Armando Maradona se deteriorou a tal ponto nas últimas décadas que o ex-jogador argentino costuma não ser levado a sério.

    As opiniões políticas controversas e o envolvimento com as drogas combinados com a rivalidade entre Brasil e Argentina, que frequentemente descamba para o desrespeito, ajudam a entender a visão que temos do Pibe de Oro como um fanfarrão. A esses pontos, acrescente-se ainda nosso escasso conhecimento do futebol argentino, onde surgiram Di Stéfano, Kempes, Tarantini, Fillol, Batistuta, Verón e, claro, Maradona e Messi.

    "México 86 - Mi Mundial, Mi Verdade - Así Ganamos La Copa" é a chance de encontrar (ou reencontrar) Maradona por inteiro, sem que os estereótipos turvem o retrato.

    É uma pena que o livro, com longos depoimentos do ex-atleta de 56 anos, organizados pelo jornalista Daniel Arcucci, não tenha sido lançado no Brasil. Para tanto, porém, existe o e-book.

    O Maradona leviano não é de todo uma fantasia. Os rodeios dele ao recordar o gol de mão na partida contra a Inglaterra, pelas quartas de final dessa Copa deixam entrever uma ética frouxa, que faz ziguezague como os dribles impetuosos do craque. Se o árbitro validou "la mano de dios", como o gol ficou conhecido, então foi legítimo, conclui o argentino.

    Mas não é essa faceta que emerge da obra. A paixão de Maradona pela seleção argentina permeia o livro do prefácio ao 12º capítulo.

    Atleta do Napoli, ele encarou uma rotina exaustiva de viagens entre Itália e Argentina para participar dos jogos das Eliminatórias. Com a equipe classificada, preparou-se ao longo de três meses com o médico italiano Antonio Dal Monte. Depois de jogar nos finais de semana pelo Napoli, viajava para Roma às segundas-feiras para aprimorar seu condicionamento na clínica de Dal Monte a fim de chegar ao Mundial do México na plenitude física.

    Não eram razões financeiras que o motivavam. Ganhava mais no Napoli, onde era idolatrado. O prêmio para o título, que foi conquistado na final contra a Alemanha (3 a 2), era US$ 33 mil. Pelo título na Copa do Brasil, em 2014, cada alemão recebeu cerca de US$ 970 mil, um valor 29 vezes maior.

    Essa devoção à camisa azul e branca talvez explique a contundência dirigida a todos que, a seu ver, eram obstáculos ao avanço da seleção do país naquela Copa. Há mais de dez citações negativas ao técnico Carlos Bilardo. De acordo com o ex-jogador, a equipe não tinha um sistema tático definido a dois dias da estreia contra a Coreia do Sul. Culpa de Bilardo, a quem Maradona, como capitão, confrontou diversas vezes ao longo da competição.

    Aliás, a disputa pela braçadeira de capitão contrapôs Maradona e o então zagueiro Daniel Passarella, que teve breve passagem como treinador do Corinthians em 2005. Passarela é descrito no livro como "oportunista", entre outros adjetivos pouco lisonjeiros.

    Aliás, se harmonia no grupo ganhasse Copa, aquela Argentina não seria campeã, definitivamente. O estilo intempestivo de Maradona não o impediu de levar o time ao segundo título mundial –havia sido campeão pela primeira vez em 1978.

    Divulgação
    O jogador Diego Maradona, da Seleção da Argentina, marca com a mão o primeiro gol da vitória da Seleção da Argentina contra a Seleção da Inglaterra, por 2 a 1, no Estádio Azteca, em jogo válido pela semifinal da Copa do Mundo de 1986, em Cidade do México (México)
    Maradona marca com a mão o primeiro gol da vitória Argentina contra Inglaterra, por 2 a 1, na Copa-1986

    Ele também critica a Fifa pelas arbitragens ruins e pelos horários das partidas. Para a conveniência das TVs europeias, Argentina e outras equipes foram obrigadas a jogar algumas vezes sob o sol do meio-dia no verão mexicano. "Olhe, dom Havelange, nós jogadores não somos escravos de ninguém, muito menos seus", disse o atleta durante o Mundial em referência ao cartola brasileiro que presidiu a Fifa entre 1974 e 1998.

    A ligação com a seleção argentina não é a única obsessão que Maradona expõe no livro. Ele foi ao México disposto a se consagrar como o melhor jogador do mundo na época –e quem duvida que era mesmo o maior?

    Na mesma partida da "mano de Dios", Maradona fez o que muitos consideram o mais belo gol da história das Copas. Após arrancar do meio de campo, driblou seis ingleses e marcou o segundo gol da sua seleção. O jogo acabou em 2 a 1 e levou a Argentina para a semifinal contra Bélgica.

    Ao fim desta partida, como conta no livro, ele se sentia o melhor do mundo, à frente de Platini, Zico e Rummenigge. O francês, o brasileiro e o alemão são mencionados algumas vezes no livro, e as citações aos dois últimos são sempre respeitosas. Sobre Platini, contudo, o argentino revela repugnância por conta das relações do francês com Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa.

    Curiosamente, Maradona não considera essa partida contra a Inglaterra como a sua melhor exibição na Copa. Aponta a vitória da Argentina sobre o Uruguai por 1 a 0 como seu ápice no Mundial, jogo em que não fez gol, mas protagonizou lances extraordinários.

    No papel, Maradona não é tão é brilhante como era em campo. Há trechos do seu livro com excesso de informalidade e sobram informações redundantes. Ainda assim, é um relato precioso da Copa de 1986 aos olhos do maior craque argentino e do mais argentino dos craques.

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    MÉXICO 86 - MI MUNDIAL, MI VERDADE - Así Ganamos La Copa
    QUANTO: R$ 38 (E-BOOK PELA AMAZON)
    AUTOR: DIEGO MARADONA
    EDITORA: SUDAMERICANA (240 PÁGS.)

    Edição impressa

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