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    Estádio do Canindé faz 60 anos sob o risco de desaparecer

    EDGAR SILVA
    DE SÃO PAULO

    11/11/2016 02h00

    O estádio do Canindé comemora nesta sexta 60 anos, no que é o pior momento da história da Associação Portuguesa de Desportos.

    Ao contrário de 11 de novembro de 1956, quando o estádio às margens do rio Tietê recebeu sua primeira partida e foi batizado de Ilha da Madeira -em alusão à edificação e ao local de origem de torcedores-, o Canindé corre risco de desaparecer em razão da crise financeira que aflige a Portuguesa.

    A situação é tão crítica que o estádio irá a leilão, assim como a área que abriga a sede do clube, no dia 18 deste mês. A determinação para que o local chegasse a esse ponto veio da Justiça, que cobra cerca de R$ 74 milhões de dívidas trabalhistas da Portuguesa.

    O Canindé foi comprado no mesmo ano de sua inauguração pela Portuguesa, que o adquiriu de Wadih Sadi. Então sócio do São Paulo, que era dono do imóvel até 1955, o conselheiro adquiria o imóvel cerca de um ano antes de realizar a venda.

    A Portuguesa, fundada em 1920, não tinha até então local próprio para as partidas oficiais -mandava seus jogos, primeiramente, no estádio do Cambuci, onde teve sua primeira sede, na rua Cesário Ramalho, e, posteriormente, no Pacaembu.

    Para que o Canindé recebesse jogos, porém, o clube teve de adaptar o local atendendo às exigências da Federação Paulista de Futebol. Foram realizadas reformas, levantados alambrados e construída uma arquibancada provisória de madeira.

    As primeiras modificações para a estreia sobreviveram até 1972, quando o estádio foi ampliado (passou a abrigar 10 mil pessoas), rebatizado (Estádio Independência) e reinaugurado em amistoso da Portuguesa contra o Benfica, vencido pelo time de Lisboa por 3 a 1.

    Essa ampliação, 16 anos após a inauguração, foi um esboço do que viria a ser o estádio tal como é conhecido, com arquibancadas em concreto, porém sem a cobertura das sociais e as torres de iluminação.

    O atual nome do estádio, Dr. Oswaldo Teixeira Duarte, só seria oficializado em 1979, dois anos antes da entrega dos refletores e da conclusão de toda a arquibancada.

    Não há registro de quanto se empenhou desde 1956. Sabe-se, somente, que foram os próprios portugueses que levantaram o estádio desde seu início e que não houve ajuda da iniciativa pública.

    Agora, no aniversário de 60 anos, o estádio do Canindé aguarda novamente a ajuda da colônia portuguesa. Isso porque, desde 2013, quando a Justiça Desportiva decidiu pelo rebaixamento da Lusa para a Série B, devido à escalação irregular do meia Héverton aos 31min do segundo tempo contra o Grêmio pela 38ª rodada do Campeonato Brasileiro, o clube degringolou.

    TROCA DE COMANDO

    Internamente, uma guerra política fez com que nos últimos três anos o clube tivesse três presidentes. Após suceder Manuel da Lupa em 2014, Ilídio Lico renunciou em 20 de março de 2015, sob forte pressão e com o caso Héverton ainda sem explicação convincente. Jorge Manuel Marques Gonçalves assumiu, mas ficou SÓ um ano e dez dias e também entregou o cargo.

    Aí foi a vez de José Luiz Ferreira de Almeida, que fora vice jurídico na gestão de Lico. Ao assumir, alertou: "A situação da Portuguesa é de terra arrasada. Já passamos do fundo do poço. Se não sairmos dessa situação, a Portuguesa vai acabar".

    Ele, porém, repetiu o gesto dos antecessores e também renunciou no último 10 de outubro –o corpo diretivo seguiu com ele e abandonou o barco.

    Hoje a Portuguesa é administrada por Leandro Teixeira Duarte, presidente em exercício e neto de Oswaldo, que dá nome ao estádio.

    Além do iminente leilão, o clube tem eleições marcadas para dezembro. E o futuro do Canindé segue indefinido.

    Vital Vieira Curto, 76, empresário e coordenador do Museu Histórico da Portuguesa, afirma que a crise do clube tem várias razões e não é possível apontar um único culpado. "Foi uma sequência de dirigentes que queriam agradar à torcida e acabaram prejudicando o clube. Contratam jogadores que depois não puderam pagar", diz.

    Sobre salários, as sucessivas campanhas da Portuguesa não ajudam a atrair público e promover renda. Neste ano, a média de público no Campeonato Paulista A2 foi de 2.300 pagantes, enquanto no Brasileiro Série C foi de 1.175. A maior renda foi no primeiro jogo do Paulista quando a Lusa enfrentou o Juventus e perdeu por 1 a 0, em fevereiro deste ano. Na ocasião a renda bruta foi de R$ 45.870,00

    No pouco tempo à frente do clube, José Luiz promoveu uma reformulação na equipe e cortou a folha salarial, então na casa dos R$ 150 mil, pela metade.

    Rebaixada pela primeira vez no Brasileiro da Série A em 2002 e quatro anos depois no Paulista, a Lusa amargou vários anos de Série B do Brasileiro (nove temporadas e conseguindo apenas dois acessos, em 2007 e 2011) e oscilou no Paulista (com três descensos em nove anos, não passando de um quinto lugar no campeonato de 2009).

    O time de 2011, campeão da Série B, que venceu 23 partidas e recebeu o apelido de Barcelusa, foi uma alegria que durou pouco. Ao final do Brasileiro o elenco foi desfeito e, no Paulista de 2012, o time caiu novamente para a A-2.

    Para Alexandre Barros, 42, jornalista e um dos candidatos à presidência da Portuguesa isso pode ser revertido. "Separar o clube do futebol, separar as receitas, renegociar todas as dívidas, buscar parcerias para gerir o futebol e ir subindo degrau a degrau", afirma confiante.

    "A Portuguesa tem vaga na Série D do Brasileiro e na A2 do Paulista. Ela pode até ficar sem estádio, mas não ficará sem jogar. Morrer, ela não vai morrer", garante Alexandre.

    O aniversário do estádio contrasta não só com a derrocada do time mas também com as atuais condições da sede, abandonada, com mato e sem limpeza. Nesta semana, via redes sociais, torcedores lançaram uma campanha para a limpeza do Canindé.

    Os torcedores esperam arrecadar, entre os dias 12 e 19 deste mês, vassouras, sacos de lixo, desinfetantes, esponjas, panos de limpeza e materiais de jardinagem para limpar alguns setores da sede.

    O abandono de boa parte do clube é apenas um dos vários resultados das más administrações. Hoje toda a renda de jogos da Portuguesa, arrecadação com parceiros e até aluguel vai diretamente para a Justiça do Trabalho. As ações no Tribunal Regional do Trabalho passam de 100.

    As tentativas da atual diretoria de barrar o leilão, no entanto, não têm tido efeito. Em 31 de outubro, chamou a atenção um anúncio com foto -entre lotes de terrenos e outros imóveis-, do leilão de pouco mais de 42 mil m², com lance inicial de R$ 74 milhões.

    Como se a falta de resultados e problemas administrativos não bastassem, no último dia 20, foi encontrado no fundo da piscina do clube Lucas Jesus dos Santos, 16, zagueiro da equipe sub-17. Apesar da análise dos legistas apontar que o jovem morreu por asfixia, causado por refluxo de comida, o fato corrobora com a imagem de abandono em que se encontra o time e o clube, que pode não ter ninguém para soprar a vela de aniversário hoje.

    Antonio Cicero/Folhapress
    Torcedores da Portuguesa acompanham jogo contra o Boa Esporte no Canindé
    Torcedores da Portuguesa acompanham jogo contra o Boa Esporte no Canindé

    O CLUBE E OS CRAQUES

    Quem andou pelas alamedas do Canindé –torcedor ou não– se deparou com um ambiente muito diferente de uma tarde de jogo no Morumbi ou no Pacaembu, por exemplo. Lusitanos, simpatizantes e torcedores de outras agremiações que já provaram o bolinho de bacalhau dentro das sociais do clube, visitaram a capela à Nossa Senhora de Fátima ou foram às Festas Juninas do clube sabem que o clima era diferente dos outros estádios.

    A sede social da Portuguesa tem uma área de aproximadamente 100 mil m². Possui dois ginásios poliesportivos, academia, quadras de tênis, piscinas adulto e infantil e canchas de bocha e malha. Além de quatro lanchonetes e do restaurante Cais do Porto.

    Conhecida por chegar em cima da hora, a torcida da Portuguesa pode argumentar que se atrasava para entrar ao estádio, enquanto almoçava, jogava cartas pelas alamedas do clube ou estacionava seus carros, dentro e fora da sede.

    As tardes de domingo no Canindé não renderam apenas dissabores, como o da fatídica partida de 8 de dezembro de 2013, frente ao Grêmio, onde o empate nulo servia aos dois times, mas a escalação de Héverton pôs tudo a perder para a Lusa.

    Da década de 50 até a Barcelusa, a Portuguesa revelou muitos craques, entre eles Djalma Santos, Júlio Botelho, Leivinha, Brandãozinho, Ivair, Félix, Enéas, Badeco, Cabinho e Basílio são alguns dos nomes que desfilaram pelo Canindé nas décadas de 50, 60 e 70.

    Nos anos 80 e 90, a Lusa ainda revelou Edu Marangon, Jorginho, Dener, Tico, Zé Maria, Rodrigo Fabri, Zé Roberto e Ricardo Oliveira (estes dois últimos ainda em atividade).

    Nestes 60 anos, o Canindé viu a torcida da Portuguesa festejar quatro títulos, todos conquistados a partir de 2002, quando o time ganhou a Copa São Paulo de juniores. O último foi em 2013, quando 5.000 torcedores comemoram o título da Série A2 do Paulista na partida contra o Rio Claro (0 a 1).

    Essa alegria que pode ter sido a última no Canindé, a depender do leilão.

    AS CINCO PARTIDAS COM MAIOR PÚBLICO

    Portuguesa 1 x 3 Corinthians
    Data: 10 de outubro de 1982
    Público: 25.662 (23.858 pagantes)

    Portuguesa 3 x 1 Coritiba
    Data: 15 de novembro de 1998
    Público: 25.491

    Portuguesa 0 x 1 Cruzeiro
    Data: 9 de dezembro de 1998
    Público: 25.312

    Portuguesa 2 a 2 Palmeiras
    Data: 1º de maio de 1982
    Público: 25.050

    Portuguesa 0 x 1 Flamengo
    Data: 15 de março de 1984
    Público: 23.570

    A CAPACIDADE DO CANINDÉ

    1972: 10.000
    1981: 27.000
    2016: 21.000

    TÍTULOS CONQUISTADOS NO CANINDÉ

    2002: Copa São Paulo de futebol júnior
    Portuguesa 1 x 0 Cruzeiro
    Público: não divulgado

    2007: Campeonato Paulista A2
    Portuguesa 4 x 0 Rio Preto
    Público: 12.000

    2011: Campeonato Brasileiro Série B
    Portuguesa 2 x 2 Sport
    Público: 13.000

    2013: Campeonato Paulista A2
    Portuguesa 0 x 1 Rio Claro
    Público: 5.000

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