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    Ministério do Esporte atropela código antidoping em nomeações internas

    PAULO ROBERTO CONDE
    DE SÃO PAULO

    20/11/2016 02h00

    Divulgação
    O ex-judoca e campeao olimpico Rogerio Sampaio, campeao em 1992 assume como secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem. (Foto Divulgacao) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O ex-judoca e campeão olímpico Rogério Sampaio, que assumiu o posto de secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem

    A ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), órgão atrelado ao Ministério do Esporte, tem ignorado o Código Mundial Antidoping e nomeado para suas diretorias pessoas ligadas a confederações esportivas e empresas privadas.

    Desde julho, quando ex-judoca Rogério Sampaio, ouro nos Jogos de Barcelona-1992, assumiu a entidade como secretário –no lugar de Marco Aurelio Klein–, dois cargos-chave foram preenchidos com um empresário e um cartola, o que contraria as normas das autoridades.

    Em seu site, a agência afirma, logo em seu princípio número 1, que deve "atuar com isenção e total independência em relação às organizações desportivas".

    A Wada (Agência Mundial Antidoping) também exige isso. Em seu código mundial, expressa que é papel e responsabilidade das agências nacionais "ser independente em suas decisões operacionais e atividades".

    Em duas ocasiões (10 de agosto e 30 de setembro) o Ministério do Esporte nomeou Alexandre Velly Nunes para o cargo de diretor de operações da ABCD, um dos mais influentes na entidade e de confiança do secretário. O salário é de R$ 11,2 mil.

    Nunes controlou até poucos meses antes da indicação a empresa A&A Nunes –cujo nome fantasia é No Doping–, especializada na coleta de testes antidoping. Antes da criação da ABCD, em novembro de 2011, a No Doping detinha maciça fatia do mercado de coleta e encaminhamento de resultados.

    Em documento enviado à Federação Paranaense de Canoagem em setembro de 2014, por exemplo, Nunes escreve que a No Doping atendia "cotidianamente" clientes como as confederações de atletismo, ciclismo, judô, desportos aquáticos, automobilismo, basquete, lutas associadas, "entre outros".

    O empresário ainda declara que "desconhecemos outras empresas que possuam essas características, e executem esses serviços no mercado nacional".

    Nunes não responde mais pela No Doping. Porém, o comando da empresa está em família. Seus filhos Alexandra D'Azevedo Nunes e Rodrigo D'Azevedo Nunes são, respectivamente, sócia-administradora e sócio dela.

    Fica aí evidente o conflito de interesses. Pela lei federal 13.322, deste ano, cabe à ABCD, "privativamente", "conduzir os testes de controle de dopagem, a gestão de resultados, as investigações e outras atividades relacionadas à antidopagem".

    Uma confederação olímpica, paraolímpica ou empresa só poderia realizar a coleta de testes mediante autorização da ABCD –ou de confederação previamente regulada pela agência nacional.

    Porém, a No Doping continua na ativa, fazendo testes para confederações e aceitando pedidos.

    A criação da ABCD foi compromisso assumido pelo Brasil na candidatura para a Rio-2016, em 2009.

    OUTRAS NOMEAÇÕES

    Indicações de pessoas ligadas a entidades esportivas não param aí. Em 3 de agosto, Luiz Celso Giacomini foi nomeado diretor de informação e educação da ABCD –salário de R$ 11,2 mil.

    Giacomini, ex-técnico da seleção brasileira de handebol, é presidente da federação gaúcha da modalidade. Como agora dá expediente em Brasília, onde está sediada a agência antidoping, o dia a dia da federação está sob tutela de seu vice-presidente, Iradil Antonello.

    À Folha, Antonello disse que Giacomini tem despachado na ABCD, porém continua como chefe do handebol do Rio Grande do Sul.

    Em 17 de agosto, o ministro Leonardo Picciani (PMDB-RJ) nomeou Sandro de Oliveira Teixeira para exercer cargo comissionado de assessor da ABCD. Não há qualquer menção sobre qual tipo de assessoria ele faria, mas recebe salário superior a R$ 8 mil.

    Sandro é filho de Paulo Wanderley Teixeira, eleito no início de outubro vice-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e homem-forte do judô nacional.

    Na quinta (10), foi publicada no Diário Oficial da União a nomeação de Vinícius Onofre Loyola para cargo comissionado de coordenador de ações do departamento de informação e educação. Loyola é ex-judoca e árbitro que atua em eventos da CBJ.

    EXCLUSÃO

    Após ter sido alvo de questionamentos insistentes da Wada, o Brasil acabou descredenciado na tarde deste domingo (20). A agência disse, no mês passado, que o país poderia ser declarado fora dos padrões de conformidade com o Código Mundial Antidoping. As autoridades brasileiras tiveram até a sexta-feira (10) para apresentar soluções para as indagações da agência.

    A decisão foi tomada em reunião do conselho de fundadores da Wada e foi anunciada através da conta oficial da organização no Twitter.

    O LBCD (Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem), que era o único laboratório do país com certificação da agência mundial e cuja renovação para a Rio-2016 consumiu R$ 188 milhões dos cofres públicos, perdeu sua certificação para fazer testes internacionais duas vezes recentemente: em 2013 e em junho deste ano. Nas duas vezes a Wada devolveu o credenciamento.

    OUTRO LADO

    O Ministério do Esporte, ao qual a agência brasileira está vinculada, afirmou à Folha que as nomeações recentes fazem parte do "compromisso de legado da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) em absorver corpo técnico que demonstrou competência durante os Jogos [Olímpicos do Rio]".

    "Todos os profissionais têm comprovada experiência de gestão esportiva e na área de combate ao doping, atuando, por exemplo, no Comitê Organizador Rio 2016", continuou a nota da pasta, enviada por meio de sua assessoria de imprensa.

    Relatório de observadores independentes da Wada (Agência Mundial Antidoping), no entanto, apontou "falhas sérias" e falta de coordenação do departamento antidoping do Comitê Rio 2016, do qual Alexandre Nunes, agora diretor de operações da ABCD, foi um dos principais dirigentes.

    O ministério escreveu que todos os nomeados "se desligaram de vínculos anteriores, seja com entidades esportivas, seja com empresas".

    Sobre Nunes, a pasta disse que ele "se afastou da No Doping e não há qualquer vínculo da ABCD com empresas privadas". Porém, existe o laço dele com os mandatários da empresa, seus filhos Alexandra e Rodrigo.

    O comunicado afirmou também que Luiz Celso Giacomini está desvinculado da Federação Gaúcha de Handebol.

    A afirmação vai de encontro ao que disse o vice de Giacomini na federação, Irandil Antonello, que contou à Folha que ele ainda preside a entidade. Confrontado, o ministério afirmou que Giacomini está licenciado desde o final de julho e que obterá seu afastamento definitivo em dezembro.

    Entretanto, depois de ser nomeado para a ABCD, Giacomini publicou uma mensagem na coluna "Fala Presidente" do portal oficial da federação, no qual assina como mandatário em exercício.

    De acordo com a assessoria da pasta, a postagem no site é retroativa a 17 de julho, porque a página havia sido criado há pouco tempo. Entretanto, existem notas publicadas meses antes, em maio.

    O ministério afirmou que Sandro de Oliveira "assumiu o cargo em agosto deste ano, meses antes da nomeação de Paulo Teixeira como vice-presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), não tendo este qualquer interferência na escolha".

    "Sandro atuou no planejamento do controle antidopagem na CBJ, uma das primeiras confederações a apresentar plano de trabalho para ABCD", diz a nota.

    A união entre Teixeira e Nuzman como chapa para a eleição do COB, porém, era conhecida desde abril, quando inicialmente era a data para registro das candidaturas.

    Por fim, a pasta disse que Vinícius Onofre Loyola não é vinculado à Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e só atuou como árbitro em eventos da entidade recebendo diária de alimentação da instituição.

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