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    Minha História

    Jornalista colombiano deixou câmera e virou bombeiro em resgate de voo

    Depoimento a (...)
    FÁBIO VICTOR
    ENVIADO ESPECIAL A RIONEGRO, NA COLÔMBIA

    02/12/2016 02h00

    RESUMO: Faz-tudo do site MiOriente, de Rionegro, primeiro veículo de imprensa a chegar ao local da queda do avião da Chapecoense, o David Blandón se passou por bombeiro para conseguir ajudar no resgate das vítimas.

    Conseguiu auxiliar a retirada de dois dos seis sobreviventes. Não levou fotos e vídeos de volta à Redação, mas tornou-se celebridade em sua cidade e na região pelo feito heroico.

    *

    O diretor do nosso veículo, MiOriente, recebeu um telefonema do aeroporto, avisando que o avião da Chapecoense estava desaparecido. Dez minutos depois, confirmaram que o avião havia caído. Montamos uma equipe, eu, David Valencia e Sebastián Marín, para ir ao local.

    Isso eram onze e meia da noite daqui em Medellín.

    Fomos até onde dava pela estrada asfaltada e depois só tinha estrada de terra, o acesso era muito complicado a veículos pequenos. Só podiam chegar veículos 4 x 4. Depois não havia mais estrada e tivemos que caminhar por uma trilha, perto de plantações de feijão e de batata.

    Na entrada havia uma patrulha policial com dois agentes, e no local da queda já estavam os bombeiros dos municípios de La Unión, Rionegro e La Ceja, que faziam atendimento das primeiras vítimas. Quando cheguei, retiravam dois feridos e não tinham as equipes de resgate mais especializadas, então davam o melhor deles.

    Fui para lá com objetivo jornalístico, fazer tomadas [em vídeo e foto] dos primeiros momento após o acidente. Logo ao chegar, vi que os socorristas ali não eram suficientes para ajudar a todos os feridos.

    Quando escutei que precisavam de um maqueiro, guardei minha câmara e passei a ajudar no resgate de Jackson, goleiro reserva da Chapecoense. Estavam o estabilizando, sua perna direita estava muito comprometida, com fratura exposta.

    Ali eu não sabia quem era, mas me dei conta de que poderia ser [goleiro], porque era muito grande e corpulento. Conseguimos resgatá-lo com sete socorristas. Foi muito complicado, ele estava consciente, perguntamos quanto pesava, nos disse que pesava 89 kg, que tinha 24 anos. Perguntávamos para que ele ficasse conosco, perguntamos sua idade, estatura, peso.

    Ele dizia que tinha muito frio, e nós: 'vamos, Jackson, vamos'. Ele teve uma perfuração no tórax que afetou seu pulmão esquerdo.

    Dizíamos, 'vamos, Jackson, conte com a gente, respire', para que pudesse ser resgatado com vida.

    Também participei do resgate de Ximena [comissária boliviana que sobreviveu], mas quando eles já a haviam estabilizado. Quando entregamos Jackson e voltei, já vinham trazendo Ximena, e ajudei a levá-la para a ambulância. Ela estava consciente, falando com uma enfermeira, e nosso trabalho foi para que ela chegasse rapidamente à ambulância.

    Não tinha experiência anterior em resgate. Eu fui guia no município de San Carlos de Antioquia. Lá fiz capacitações para trilhas.

    Só me pus a ajudar porque eram poucos socorristas no local. Não deixavam entrar civis. Foi algo muito particular, porque me fiz passar por um bombeiro. Do ponto de vista jornalístico, o que fiz foi antiético, mas quando se está num lugar com 71 corpos ao redor, o que mais vale é a parte humana, ainda mais se você pode salvar vidas.

    Chegamos por volta das 23h30 e saímos de lá às 6h15. Voltei para o jornal, ajudei no resto da cobertura, entrevista com políticos e outros personagens. Ajudei equipes que queriam ir ao local. Voltei para casa para descansar às 22h do dia seguinte.

    Mesmo sem ter voltado com vídeos e fotos, o que recebi na Redação quando voltei foram muitas felicitações.

    Todos estavam muito contentes pelo que fiz, tanto meu chefe quanto todos os companheiros me receberam com aplausos e me deram muito apoio.

    Ainda sou um estudante de jornalismo. Já terminamos o semestre, então não voltei ainda à universidade, mas já recebi mensagem do diretor e dos sacerdotes da Universidad Católica del Oriente. E muitas pessoas me escreveram por Facebook, me ligaram, deram parabéns.

    Foi uma experiência que vai fortalecer minha parte humana. Como jornalista também, porque o meu enfoque sempre foi o mais humano possível, então creio que isso também se fortalece.

    Acredito que cada um é um herói. Calhou de ser comigo, mas muitas das pessoas que estivessem numa situação dessa fariam o mesmo por sua ética pessoal.

    Não todas, mas muitas. Os heróis estavam lá. Foram 159 pessoas que estiveram todo o tempo retirando os corpos, resgatando as pessoas. Se não fosse pela rápida reação delas não teria havido sobreviventes, e foram seis.

    Acidente em voo da Chapecoense

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