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    O futebol tem uma carga de autoritarismo grande, diz Micale

    SÉRGIO RANGEL
    ENVIADO ESPECIAL A TERESÓPOLIS (RJ)

    15/01/2017 02h00

    O baiano Rogério Micale entrou para a história do futebol brasileiro ao comandar a seleção na conquista da medalha de ouro inédita nos Jogos Olímpicos do Rio.

    Cinco meses depois, ele admite que a vida não é mais a mesma, mas continua "passeando com seu cachorro".

    Em entrevista à Folha, Micale diz que é contra o autoritarismo no futebol, afirma que "o futebol que se joga no Brasil não é o que se joga lá fora" e contou que seu time triunfou na Olimpíada por causa da "cumplicidade".

    Responsável por armar um time ofensivo nos Jogos do Rio, ele anunciou que vai repetir o esquema de quatro atacantes no Sul-Americano sub-20. O torneio, que classifica quatro seleções para o Mundial da Coreia do Sul, será a sua próxima missão. A competição começa na quarta (18, no Equador.

    *

    Folha - Você começou o ano como desconhecido e ganhou um título inédito para o Brasil. Você teve motivos para comemorar no ano passado...
    Rogério Micale - A minha história é interessante. Sou como qualquer outro brasileiro, que trabalha, se dedica, é apaixonado pelo que faz. Me sinto vocacionado para ser treinador de futebol.

    Neste ano, tive uma oportunidade de chegar onde queria num momento de crise [Tite não quis comandar a equipe olímpica após a demissão de Dunga e Micale foi escolhido pela CBF]. Que isso sirva de inspiração. Que possamos começar um ano novo batalhando. Sei que está muito difícil. Acho que podemos mudar a realidade com trabalho, dedicação e preparo.

    Como é a vida após a Olimpíada?
    Mantive a simplicidade, mas é lógico que não tem sido a mesma coisa. O carinho das pessoas é muito bacana. Os mais velhos se identificam muito, me abraçam. Acho que é pela luta, pelas críticas, por ter me superado. Mas a vida voltou ao normal. Continuo andando com o meu cachorro.

    Qual a grande lição que a Olimpíada lhe deu?
    Que o relacionamento humano é muito importante. Tem muito tabu no meio de futebol. Tem uma carga de autoritarismo muito grande. O treinador manda e os outros obedecem.

    Estamos diante de uma nova fase de liderança, de dividir a responsabilidade. Todos fazem parte das decisões. Conto com uma comissão técnica multidisciplinar. Todos podem opinar em prol daquela causa. O jogador faz parte disso. É ele que realiza no campo.

    Até na comemoração o grupo fez questão de estar junto. Todos foram para o hotel e comemoramos juntos.

    Como foi a participação do Neymar naquele time?
    Ele foi extraordinário. Talvez nunca mais encontre o Neymar para trabalhar. Conversávamos muito sobre futebol e outras coisas.

    Ele trabalha numa das maiores escolas do futebol mundial e tem muito a contribuir em termos de conteúdo.

    Conte algum toque que o Neymar te deu na Rio-2016.

    Um toque que ele me deu foi antes do jogo contra Honduras. Eles jogavam com uma linha de cinco defensiva e estava estudando no meu quadro uma forma de sobrepor essas linhas do rival.

    O Neymar disse que, no Barcelona, quando enfrenta um adversário assim, o time abria uma linha de três ou quatro. Ele me iluminou.

    Ali criei um plano B para o jogo, que, na verdade, não precisou ser adotado. Ele fez o primeiro gol com 14 segundos.

    Você escalou um time com quatro atacantes, algo incomum. Qual o motivo?

    Fui chamado de louco. O futebol que se joga no Brasil não é o que se joga fora. Temos que nos adaptar para não sofrer. A resposta com quatro atacantes foi boa. Tínhamos um time com jogadores ofensivos. Os outros também sabiam jogar. Tínhamos o Renato Augusto, o Marquinhos, o Rodrigo Caio. Ou seja, a nossa equipe jogava bola.

    No próximo mês, você vai comandar a seleção no Sul-Americano sub-20. Como você vai fazer?

    Vou repetir os quatro atacantes. Esse modelo tem o nosso DNA. Além disso, quero descobrir novo talentos, como fizemos com o Gabriel Jesus.

    Há um ano e meio, coloquei o Gabriel no Mundial sub-20. Ele foi o jogador mais jovem e teve um grande destaque. Fiz o mesmo na Olimpíada. Ele é realidade hoje.

    Quero alimentar a equipe principal. Vamos fazer um ajuste ou outro.

    Qual o seu futuro?

    Sou funcionário da CBF. Não tenho contrato, mas existe uma conversa. Eles podem me mandar embora e posso sair quando quiser.

    Até agora, não recebi nenhum convite interessante.

    O grande desafio da seleção é formar um time com poucas sessões de treinos. Isso acontece no futebol brasileiro também. Esse trabalho aqui está me dando uma boa bagagem.

    Por incrível que pareça, só vejo um clube no Brasil que gostaria de trabalhar: o Sport. É um clube organizador, tem um centro de treinamento razoável, tem uma base interessante e bons jogadores. Fora isso, os últimos treinadores saíram de lá porque queriam.

    Você pode deixar a CBF após o Mundial da Coreia, em maio?

    Sei que vou ser campeão brasileiro por um time. Isso é um projeto de vida.

    Já disputei todos os campeonatos na base. Fui bronze no Pan-13, vice no Mundial sub-20 [em 2015, na Nova Zelândia] e ouro na Olimpíada. Vou tentar ser campeão do mundo.

    O Renato Gaúcho disse que está convencido de que não tem o que aprender fora do Brasil...

    Não concordo. Acho que todos precisam estudar. Nada contra o Renato, mas ele fez um desserviço. Qual área da vida que você não precisa estudar? Temos que nos atualizar sempre. Depois da Olimpíada, já fiz cursos.

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