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    Qual o impacto do veto de Trump sobre visitantes nos EUA no esporte

    JERÉ LONGMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    30/01/2017 14h59

    David J. Phillip/Associated Press
    FILE - In this file photo dated Saturday, Aug. 13, 2016, Britain's Mo Farah wins the gold in the men's 10,000-meter final during the 2016 Summer Olympics in Rio de Janeiro, Brazil. Four-time Olympic gold medallist Farah is awarded a Knighthood in the Queen's 2017 New Year Honors. (AP Photo/David J. Phillip, FILE) ORG XMIT: LON111
    Mo Farah atacou medida de Donald Trump

    A proibição do presidente Donald Trump à entrada de visitantes de sete países majoritariamente muçulmanos nos Estados Unidos pode ter impacto forte sobre o esporte internacional, o que inclui ameaças ao relacionamento estreito entre os Estados Unidos e o Irã na luta livre e às chances de Los Angeles de sediar a Olimpíada de 2024 e dos Estados Unidos de organizarem a Copa do Mundo de 2026.

    No sábado, as autoridades esportivas ainda estavam se esforçando para compreender as implicações da ordem executiva de Trump, entre as quais determinar se atletas dos países da lista poderiam entrar nos Estados Unidos para competições, especialmente nos 90 dias iniciais de vigência da ordem.

    "Estamos trabalhando em estreito contato com o governo para compreender a nova regra e como melhor lidar com ela no que tange a atletas visitantes", disse Patrick Sandusky, porta-voz do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, em e-mail. "Sabemos que eles apoiam o movimento olímpico e nossa candidatura, e acreditamos que teremos um bom relacionamento de trabalho com eles para garantir o nosso sucesso na organização de eventos e em nossa participação neles".

    Pelo menos um delegado ao Comitê Olímpico Internacional (COI), Richard Peterkin, de St. Lucia, disse no sábado ter considerado a ordem "muito, muito decepcionante".

    Ele também definiu os Estados Unidos como "refúgio" para muitos atletas que buscam a oportunidade de treinar fora de seus países.

    "A maioria de nossos atletas de St. Lucia treina nos Estados Unidos", disse Peterkin. "Não é problema nosso, porque não estamos na lista de sete países, mas se estivéssemos - todas as nossas esperanças e sonhos iriam por água abaixo".

    Na noite de domingo, um juiz federal norte-americano bloqueou parte da ordem executiva, mas a decisão não parece relacionada aos aspectos da proibição que preocupam as autoridades esportivas.

    O efeito mais imediato pode vir na luta livre, já que um dos países afetados pela proibição de Trump é o Irã, cujo relacionamento com os Estados Unidos nesse esporte é longo e cordial. O Irã anunciou no sábado que impediria a entrada de cidadãos dos Estados Unidos no país, em retaliação contra a ordem de Trump.

    A equipe de luta livre norte-americana deveria participar da Copa do Mundo da modalidade no Irã, que começa em 8 de fevereiro. Steve Fraser, o responsável pela arrecadação de verbas da Federação de Luta Livre dos Estados Unidos e medalha de ouro na luta greco-romana na Olimpíada de 1984 em Los Angeles, disse no sábado que o presidente da federação iraniana de luta livre se reuniria durante a semana com as autoridades de seu país em uma tentativa de garantir o convite dos norte-americanos para o torneio.

    "Há algum nervosismo, de nossa parte, com a possibilidade de que o governo iraniano diga que, se eles não podem ter vistos para vir aqui, os norte-americanos tampouco poderão ir para lá", disse Fraser.

    Embora boicotes olímpicos já tenham surgido por conta de tensões políticas entre nações, países adversários em muitas ocasiões encontraram terreno comum nos campos de esporte. Um dos exemplos mais célebres é a chamada "diplomacia do ping-pong", que ajudou a firmar o relacionamento entre os Estados Unidos e a China nos anos 70.

    Na luta livre, Estados Unidos, Irã, Cuba e Rússia se uniram em 2013 para persuadir o COI a manter a modalidade na olimpíada. Os praticantes e dirigentes da luta livre nos Estados Unidos são acolhidos calorosamente no Irã, e lutadores iranianos competem regularmente nos Estados Unidos. Fraser disse que eles podem ser convidados para torneios em maio em Nova York e em junho em Los Angeles. Há incerteza no momento, porém, quanto à concessão de vistos P1, conhecidos como "vistos esportivos", aos atletas do país.

    Em 2014, Christina Kelley, principal embaixadora internacional da Federação de Luta Livre dos Estados Unidos, se tornou uma das poucas mulheres a serem admitidas a um torneio de luta livre no Irã, desde a revolução islâmica de 1979. Ela disse no sábado que estava frustrada com a decisão de Trump.

    "Não creio que nosso atual presidente faça a menor ideia sobre o que o Departamento de Estado, e o que os diplomatas do esporte e o intercâmbio cultural, fazem pelo nosso país e pela segurança de nossos cidadãos em todo o mundo", disse Kelley.

    A proibição ao ingresso de visitantes de sete países –Iêmen, Irã, Iraque, Líbia, Síria, Somália e Sudão– surge em um momento delicado para o comitê olímpico dos Estados Unidos. Los Angeles quer sediar a Olimpíada de 2024, e a decisão sobre a sede dos jogos, na qual a cidade enfrenta candidaturas rivais de Paris e Budapeste, sai em setembro.

    David Wallechinsky, membro norte-americano da comissão de herança e cultura do COI e presidente da Sociedade Internacional de Historiadores Olímpicos, disse que a eleição de Trump em novembro prejudicou a candidatura de Los Angeles junto aos delegados do COI, porque o presidente é visto como "contra muçulmanos, latinos e mulheres".

    "Isso é ainda pior", disse Wallechinsky sobre a proibição de entrada de muçulmanos, acrescentando que "creio que seja um abalo para a candidatura de Los Angeles - não fatal, mas um abalo".

    Em reunião na sede do COI em Lausanne, Suíça, alguns dias depois da eleição presidencial dos Estados Unidos, Wallechinsky foi perguntado repetidamente sobre "o que há de errado no seu país".

    Ele disse ter procurado reassegurar os dirigentes do COI, explicando que 75% dos eleitores de Los Angeles haviam votado contra Trump, e descrevendo a cidade como "uma zona multicultural livre de Trump".

    Há expectativas de uma candidatura dos Estados Unidos para sediar o outro grande evento esportivo mundial, a Copa do Mundo de futebol, em 2026. Em junho, Sunil Gulati, presidente da Federação de Futebol dos Estados Unidos, disse a jornalistas que uma presidência de Trump complicaria a candidatura norte-americana, especialmente no caso de candidatura conjunta com o México, dados os planos de Trump para construir uma muralha na fronteira entre os dois países.

    "Acho que uma Copa do Mundo com dois anfitriões seria mais complicada se a secretária [Hillary] Clinton não estiver na Casa Branca", disse Gulati na época, em referência à candidata depois derrotada por Trump.

    Depois da vitória de Trump, Gulati mudou suas declarações, dizendo que "isso não vai nos dissuadir de levar adiante nossa proposta". As percepções internacionais sobre o governo Trump "com certeza importam", disse Gulati, "mas creio que elas se desenvolverão nos próximos meses".

    Restam muitas perguntas sem resposta sobre a situação de viagem de diversos atletas. Dois jogadores de basquete da NBA, Thon Maker e Luol Deng, nasceram no Sudão, um dos sete países da lista de Trump. Os dois, porém, nasceram em Wau, agora parte do Sudão do Sul, que se tornou independente do Sudão em 2011.

    A família de Maker fugiu do Sudão quanto ele tinha cinco anos e se assentou na Austrália. Maker, que joga pelo Milwaukee Bucks, se mudou para os Estados Unidos para jogar basquete no segundo grau, na Louisiana, posteriormente se transferiu para o Canadá e é cidadão australiano. Não se sabe como pessoas com dupla cidadania serão tratadas, sob a ordem.

    Deng, ala do Los Angeles Lakers, mora nos Estados Unidos há 17 anos. Sua família fugiu para o Egito quando ele tinha cinco anos, para escapar à guerra civil sudanesa. Deng se mudou para os Estados Unidos aos 14 anos, para estudar em uma aluna secundária de Nova Jersey, e depois adquiriu cidadania britânica.

    A NBA também planeja realizar um acampamento de Basquete Sem Fronteiras, durante o final de semana do All Star Game, em fevereiro em Nova Orleans. Embora os convidados para o evento ainda não tenham sido divulgados, no ano passado jogadores de 25 países participaram do evento, entre os quais o iraniano Amir Reza Shah Ravesh.

    A Major League Soccer, a organização que comanda a primeira divisão do futebol masculino profissional nos Estados Unidos, tem dois jogadores nascidos nos Estados Unidos mas com elos familiares para com dois dos países da lista. Steve Beitashour, do Toronto, jogou pela seleção nacional do Irã, e Justin Meram, do Columbus, jogou pelo Iraque. Dirigentes da federação estavam estudando a questão no sábado.

    Mo Farah, do Reino Unido, nasceu na Somália e conquistou quatro ouros olímpicos nos cinco mil e 10 mil metros. Ele é patrocinado pela Nike e seu treinador é Alberto Salazar, cubano naturalizado norte-americano.

    Cedo na manhã de domingo, a página de Farah no Facebook mostrava um post que afirmava, entre outras coisas, que "em 1º de janeiro deste ano, sua majestade a rainha me tornou cavaleiro do reino. Em 27 de janeiro,
    o presidente Donald Trump parece ter me tornado um pária. Sou britânico e vivo nos Estados Unidos há seis anos - trabalhando com afinco, contribuindo para a sociedade, pagando impostos e criando nossos quatro filhos em um lugar ao qual chamo de lar. Agora, eu e muitas outras pessoas como eu estão sendo informadas de que talvez já não sejamos bem vindos".

    Abdi Abdirahman, que disputou quatro olimpíadas pelos Estados Unidos e terminou a maratona de Nova York em terceiro lugar no ano passado, também nasceu na Somália. A maratona de Nova York costuma atrair atletas do mundo inteiro. Na prova de 2016, havia três maratonistas do Irã, nove da Síria e um do Sudão, entre os cerca de 50 mil participantes.

    "Nosso objetivo é sempre recrutar os melhores atletas, e os mais limpos, não importa de onde venham", afirmou Chris Weiller, porta-voz da New York Road Runners, que organiza a maratona, em e-mail;
    Jackie Brock-Doyle, porta-voz da Associação Internacional de Federações de Atletismo (Aifa), a organização internacional que comanda o atletismo, afirmou que "precisamos compreender as implicações dessas novas normas de imigração dos Estados Unidos, e buscaremos garantias de que não afetem de modo adverso" o mundial de atletismo marcado para Eugene, Oregon, em 2021.

    Phil Andrews, presidente-executivo da Federação de Halterofilismo dos Estados Unidos, disse que os dirigentes estavam tentando determinar o impacto da ordem de Trump sobre o mundial de halterofilismo marcado para novembro em Anaheim, Califórnia, e para a participação da equipe norte-americana em um torneio no Irã.

    "Nossa posição é que política e esporte deveriam ser coisas separadas", disse Andrews, enfatizando a diplomacia esportiva entre as nações. "Esperamos sinceramente receber em paz essas sete nações em Anaheim, em novembro. É inimaginável que possamos sediar um evento realmente mundial sem a participação delas".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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